segunda-feira, 19 de junho de 2023

 

PARLAMENTAR BOLSONARISTA CATARINENSE É ESCULACHADA EM SESSÃO DA COMISSÃO DA CPI DO MST NA CÂMARA FEDERAL

Acompanhando os desdobramentos da CPI do MST na Câmara Federal em Brasília e cujo objetivo de quem solicitou a abertura é, pasmem, buscar instrumentos jurídicos que criminalize o movimento por ocupações de terra improdutivas, no dia 14 de junho um dos convidados para discorrer sobre os atos do movimento foi o professor da Universidade Nacional de Brasília, Dr. José Geraldo de Souza Junior. Embora não conhecesse o professor, na sua arguição e interpelação, que durou cerca de uma hora, fiquei tão impressionado com o que falou que me senti estimulado em ouví-lo mais vezes.

 Impressionante é a sua compreensão de todo um conjunto de acontecimentos jurídicos e políticos ocorridos nas últimas décadas das quais teve participação como professor e jurista. Claro que o convite feito ao professor não veio de setores articuladores da CPI, parlamentares vinculados a partidos que integram o centrão, ruralistas, bolsonaristas. O que ficou explicito durante sua explanação e das intervenções dos parlamentares foi a revelação nua e crua de estarmos convivendo com um parlamente cuja maioria possui limitada percepção da complexidade e diversidade da nossa cultura.

Porém o que marcou esse debate da comissão no parlamento foi quando a deputada bolsonarista catarinense Caroline de Toni, PL, apresentou um calhamaço de dados para convencer o professor a acreditar que o MST é um movimento fracassado responsável pela desordem do campo. Em resposta, o professor José Geraldo, de forma elegante, “esculachou” a deputada. Certamente não compreendeu como muitos dos seus colegas de bancada, entre outros, a inteligente resposta dada pelo professor. Disse o professor que não tinha como discutir com a deputada o tema, pois sua visão de mundo ou sua cosmovisão se dá de a partir de um recorte histórico, descontextualizado. Ela expressou aquilo que está sua mente, números, estatísticas, informações de algo muito fragmentado, irreal, que para ela é concebido como tese.  

O professor Geraldo trouxe o exemplo das caravelas de Pedro Álvares Cabral quando chegaram à costa brasileira, os indígenas não conseguiram vê-la, por sua cosmovisão não o permitia. Aquela era uma realidade que não fazia parte da cognição do povo que habitava essas terras. Faltava para deputada elementos, conhecimento que pudesse dar-lhe suporte cognitivo, que levasse a entender o MST não pode ser concebido como tentou expressar através afirmações rasas como: “aquelas pessoas que necessitam”; mantém as pessoas cativas; centro de doutrinação ideológica marxista; renda das famílias dos assentados menor que um salário mínimo; vivem numa situação de miserabilidade, e outras barbaridades vindas de mentes tão limitadas intelectualmente como dessa deputada que envergonha dos catarinenses no parlamento federal.

Penso que o momento primoroso da fala do professor foi quando discorreu sobre justiça, trazendo como referência o Movimento do MST, que luta há décadas por direito a terra, garantia essa dada pela constituição federal, que afirma ser a terra um bem com função social. Segundo o professor, justiça é: “poder construir uma consideração que se realize cada um de acordo com o seu trabalho, de atribuir a cada um de acordo com o seu trabalho”. Revelou que essa expressão aparece no manifesto comunista escrito por Karl Marx. No entanto tais conceitos não têm nada relacionado ao marxismo, ao comunismo, sendo, portanto, anterior a tudo isso. São conceitos que aparece no ato dos apóstolos escritos pelo profeta Lucas, onde diz: “todos os que acreditam eram unidos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, e os repartiam entre todos, conforme a necessidade de cada um. E todos os dias perseveravam unânimes no templo. E partiam o pão nas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração”.[1]

Note que nessa passagem da bíblia cristã também estão os princípios que nortearam o movimento religioso Teologia de Libertação, que teve expressiva importância nas décadas de 1970 e 80 na difusão de ideias transformadoras, revolucionárias, que se contrapunham ao pensamento autoritário e segregacionista da época. Inúmeros movimentos sociais, sindicatos, pastorais em geral, foram encubados a partir dessas premissas de amor, fé e libertação. As celebrações tinham profundo caráter emancipatório, ou seja, recortavam passagens bíblicas como a  dos atos dos apóstolos e contextualizavam a partir da realidade social, política e econômica daquele momento.

No MST tem uma estrutura organizacional construída seguindo as particularidades e capacidades de cada membro do grupo que congrega. Tudo é decidido coletivamente, sendo a função da escola nesses assentamentos é ensinar conceitos que vão além dos estabelecidos nos parâmetros curriculares nacionais, ou seja, adotam práticas educativas inspiradas no método Paulo Freire, de ensinar a aprender a aprender. Afirmar que os integrantes dos assentamentos vivem em condições de miserabilidade, que recebem menos de um salário por mês, é desconhecer os preceitos históricos e filosóficos que movem essa estrutura.

Prof. Jairo Cesa

      

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