quarta-feira, 3 de agosto de 2022

 

PRIMEIRA PARTE - ABORDAGENS E REFLEXÕES ACERCA DAUDIÊNCIA NO SENADO FEDERAL  SOBRE A FLEXIBILIZAÇÃO DAS REGRAS  PARA AGROTÓXICOS – PL 1459/2022


https://anffasindical.org.br/index.php/noticias/notas-oficiais/3893-projeto-dos-agrotoxicos-precisa-ser-amplamente-debatido-com-a-sociedade

PRIMEIRA PARTE

Os problemas ambientais no Brasil não se resumem aos desmatamentos, incêndios e deficiências no saneamento básico. A contaminação das águas, dos solos e dos alimentos por agrotóxicos estão transformando o Brasil no país de doentes, onde o que mais se multiplicam são farmácias e funerárias. Desde quando o Brasil se inseriu na chamada Revolução Verde, décadas de 1960 e 1970, um extraordinário mercado bilionário de sementes, insumos, agrotóxicos e equipamentos agrícolas tomaram dimensões assustadoras nos países periféricos do planeta.

No setor de sementes e agrotóxicos, três ou quatro poderosas corporações passaram a dominar esse segmento. Bancos, cooperativas, entre outros, se engajaram na disseminação desse modelo agrícola por meio de financiamentos a juros aparentemente módicos. As mesmas empresas que abocanharam rios de dinheiro fabricando tanques de guerras e outros artefatos bélicos durante a segunda guerra mundial, guerra do Vietnã, etc, com o fim dos conflitos precisavam manter ativo seus impérios. “ A solução foi forjar nos países tropicais, modelo agrário “moderno”, que dispensasse técnicas agrícolas “arcaicas”,” rudimentares. Em vez da enxada, adubação orgânica,  arado com tração animal e trabalho manual, o campo passou a receber o tratores, insumos químicos, veneno e menor quantidade de trabalhadores.

Rapidamente extensas áreas antes ocupadas por florestas, várzeas, foram ocupadas por campos com pecuária extensiva e monoculturas. A chegada das sementes alteradas geneticamente, as transgênicas, são classificadas como um divisor de águas entre a moderna e a pós-moderna agricultura. O fato é que essa evolução no campo das sementes provocou reflexões e incertezas a cerca dos riscos que gerariam a flora e à fauna nativa. É claro que toda a evolução tem e teve sempre grandes corporações envolvidas angariando formas mais robustas de lucrar com as pesquisas no setor.

A maior sacada no campo dos transgênicos foi vincular cultivo de certas sementes resistentes a agrotóxicos específicos. Sementes de milho e de soja transgênica, por exemplo, ambas sofreram alterações no seu DNA, capazes de resistir ao glifosato, um dos princípios ativos do agrotóxico Rondap.

Na Europa e em outras partes do mundo diversos agrotóxicos deixaram de ser comercializados, pois estudos confirmaram serem causadores de patologias como cânceres e distúrbios hormonais. Seu banimento não ocorreu na mesma intensidade em outras partes do mundo, ainda comercializados sem qualquer restrição.  Brasil e Estados Unidos atualmente lideram o uso de herbicidas, fungicidas na agricultura.

O Brasil, no entanto, nos últimos anos desbancou os Estados Unidos no comércio de agrotóxicos. O próprio modelo agrícola fundamentado no agronegócio exportador influenciou e vem influenciando o modo como o congresso e o poder executivo estão se constituindo. No congresso, a bancada com maior representação política há anos é do agronegócio, capaz de aprovar qualquer projeto de lei de interesse da categoria. Não bastasse o forte poder decisório no congresso, o agronegócio também tem cadeiras cativas no executivo, com a indicação de alguém do grupo a cargos no primeiro e segundo escalão, como de ministro da agricultura.

Tendo a faca e o queijo nas mãos fica muito fácil para esse setor encaminhar todas as pautas de interesse, dentre elas a liberação de mais fórmulas de agrotóxicos como define o PL 1459/2022. Atualmente são 3.748 produtos comercializados no Brasil, sendo que 1.682 autorizados a partir de 2019, onde 40% com suas formulações banidas na OCDE. Quando se diz que foram banidos, foi pelo fato de possuírem substâncias comprovadamente danosas ao organismo humano e ao ecossistema.

Quem imaginou que quase quatro mil fórmulas de agrotóxicos já seria uma aberração, certamente deve ter ficado mais horrorizado com esse novo Projeto de Lei que pretende colocar mais veneno ainda no prato dos brasileiros. Diante do elevado risco que corre o ecossistema brasileiro, a Comissão de Meio Ambiente do Congresso nacional realizou no começo de junho, audiência pública para discorrer o assunto com mais de quatro horas de duração.

Os participantes dessa audiência foram o procurador do trabalho e diretor geral do Ministério Público do Trabalho LEOMAR DARONCHO[1], e a PROFESSORA DR. LARISSA MIES BOMBARDI[2], da USP. Ambos fizeram uma extensa exposição sobre o comércio, riscos a saúde sobre o manejo incorreto dos IPIs, os ingredientes ativos mais vendidos em 2020, entre outros. Um dado interessante apresentado pelo procurador foi que de o glifosato, o principio ativo mais vendido no Brasil, não possui nenhum antídoto que neutralize seus efeitos. Além do mais, a aplicação desse veneno deve seguir critérios climáticos rígidos, como temperatura, que não pode ser superior a 28 graus; umidade relativa do ar, não inferior a 55% e velocidade do vento, não superior a 10 km horários.

Não há dúvida que nenhum desses critérios é seguido criteriosamente, principalmente no tocante a temperatura ambiente, que geralmente em regiões como centro oeste, nordeste e norte do Brasil pode ocorrer somente no início da manha, estando acima dos trinta no decorrer do dia, momento da pulverização.  Dado preocupante relatado pelos palestrantes foi o nível de escolaridade da maioria das pessoas que lidam com os agrotóxicos, onde mais de 60% não cumpriram nem sequer ensino fundamental. Somente no Mato Grosso, esse percentual ultrapassa o 80% de trabalhadores que se classificam como analfabetos funcionais, que sabem ler, porem com conseguem entender o que estão lendo.

Quem pegou e tentou ler alguma vez a bula de remédio ou qualquer outro produto sabe da complexidade que é os termos descritos no papel, além, é claro, do tamanho diminuto das letras. Nas embalagens de agrotóxicos também não é diferente. São raríssimos os agricultores que seguem corretamente o que está prescrito nas bulas. Outro agravante é o uso incorreto, bem como o não uso dos IPI, como máscaras, macacões, luvas, botas, etc. Em um país cuja temperatura média supera os trinta graus durante as safras, usarem adequadamente tais equipamentos obrigatórios tem-se a sensação de estar dentro de um forno com temperatura escaldante.

Para facilitar a aplicação de agrotóxicos em áreas agrícolas extensas são comuns o emprego de aeronaves. Acontece que os protocolos criados que disciplinam a prática desse sistema também não são cumpridos corretamente. Não é necessário muito esforço e tempo para identificar reportagens dissertando pulverizações realizadas próximas às áreas urbanas ou de escolas rurais, onde crianças tiveram que ser encaminhadas às pressas aos hospitais devido a intoxicações por veneno. Esses coquetéis quando lançados de avião, milhões de partículas tóxicas são dispersas pelo vento a longas distâncias, cinqüenta ou mais quilômetros.

Nessa distância são claro que as partículas de agrotóxicos dispersadas pelos ventos atingirão florestas, áreas ocupadas pela agricultura familiar, cultivo orgânico e a água que abastece populações e animais. Análises realizadas confirmam que um em quatro municípios brasileiros tem coquetel de agrotóxicos presentes na água. Nenhum município brasileiro, as agencias responsáveis pelo fornecimento de água potável fazem análise laboratorial completa do líquido, se resumindo a cinco ou mais tipos diferentes de substâncias químicas e clorofórmios fecais.

Mesmo se fosse realizada para todos os componentes tóxicos, os protocolos nacionais que definem níveis aceitáveis dessas substâncias na água, como o ferro, por exemplo, são bem distintas de outras nações como da União Europeia. O glifosato, que é o agrotóxico mais comercializado no mundo, na União Europeia os níveis em miligrama aceitáveis na água são cinco mil vezes menor que no Brasil.

Outro dado curioso e que merece profunda reflexão. Entre 2010 a 2019 houve aumento de 29% dá área cultivada no Brasil. Entretanto, no mesmo período o consumo de agrotóxico cresceu 78%. É muito veneno despejado diariamente sobre plantações e demais ecossistemas. Isso dá uma ideia do quão prejudicial é esse modelo de produção para a vida dos brasileiros e dos biomas. Em 10 anos foram mais de 45 mil pessoas intoxicadas por veneno. O fato é que para cada pessoa notificada existem outras cinqüenta que foram intoxicadas, porém não notificadas.

Dentre os venenos mais utilizados no Brasil estão o 1- GLIFOSATO E SEUS SAIS; 2- O 2,4-D; 3- O MANCOZEBE; 4-  ATRAZINA; 5- ACEFATO; 6- CLOROTALONIL;  7- MELATIONA; 8- ENXOFRE; 9- IMIDACLOPRID E 10- CLORPIRIFÓS. O que causa perplexidade é quando se sabe que dos dez mais vendidos, cinco estão banidos na União Europeia, são eles: o mancozebe, a atrazina, o acefato, o clorotalonil e o clorpirifós.  Nessa relação vale destacar a ATRAZINA, que é comprovadamente responsável pela incidência de câncer no estômago, linfoma não-Hodgkin, câncer de próstata, câncer de tireóide, mal de Parkinson, asma, respiração com ruído, infertilidade, baixa qualidade do semem, má formação congênitas, danos nas células hepáticas, etc.

Fazendo uma análise preliminar acerca do projeto de lei 1459/2022, a disposição na presidência da Câmara dos Deputados, percebe-se que já no § 3, Art. 4, do capitulo primeiro, há um termo polêmico, inserido no parágrafo, que fará muita diferença no conjunto da proposta. O termo em questão é RISCO INACEITÁVEL. Assim está constituído o § 3º: Fica proibido o registro de pesticidasde produtos de controle ambiental e afins que, nas condições recomendadas de uso, apresentem RISCO INACEITÁVEL para os seres humanos ou para o meio ambiente, por permanecerem inseguros, mesmo com a implementação das medidas de gestão de risco.

Na pratica seria, por exemplo, um tipo de agrotóxico ou agrotóxicos cujas partículas encontradas em alimentos apresentam riscos aceitáveis a formação de câncer e outras patologias crônicas.  Ou seja, as pesquisas realizadas com certos venenos, o glifosato, por exemplo, confirmam, conforme a metodologia adotada, que a quantidade de toxidade causadora de doenças é tolerável ao organismo humano.  Um bom exemplo para elucidar são os testes laboratoriais realizados com água distribuída à população de muitos municípios brasileiros.

 Conforme protocolos nacionais, a quantidade de substâncias tóxicas aceitáveis na água consumida pela população, como ferro, manganês, mercúrio, são dezenas de vezes superiores àquelas considerados aceitáveis em outras regiões do mundo. O fato é que mesmo com percentuais de toxidade toleráveis/aceitáveis à saúde humana, o que não é considerado de fato na PL é quanto ao acumulo desses pesticidas no organismo humano ao longo do tempo. 

Claro que numa audiência tão importante como foi essa para tratar sobre a flexibilização do uso dos agrotóxicos a partir do PL 1459/2022, era de esperar que fosse convidado algum pesquisador que apresentasse versões que minimizasse ou até mesmo negasse os efeitos maléficos oriundo dos agrotóxicos. O convidado, porém, foi o PROFESSOR DR. CAIO CARBONARI[3], responsável pelo Departamento de Proteção de Plantas da UNESP.  Durante sua fala usou sempre a expressão defensivos agrícolas e não agrotóxicos como está escrito na constituição brasileira. 

Defendeu com veracidade o agronegócio brasileiro e as novas tecnologias desenvolvidas, a exemplo dos agrotóxicos que segundo ele tornam os produtos cultivados seguros aos consumidores. Disse que a ciência dos pesticidas evoluiu absurdamente nos últimos anos, motivo pelo qual garante a obtenção de fórmulas com menos toxidade possível. Um exemplo citado pelo professor foi o agrotóxico glifosato, que não há provas científicas suficientes que confirme sendo responsável por certos carcinomas.

Afirmou também que não são os agrotóxicos os que mais causam intoxicação no Brasil, mas medicamentos, animais peçonhentos, produtos sanitários, raticidas, produtos químicos industriais, drogas, etc. Para o professor, os agrotóxicos de uso agrícola são responsáveis apenas por 3% das intoxicações. Ratificou que é importante sim a existência de uma nova lei como propõe o PL 1469/22, pois dará mais celeridade à aprovação de pesticidas com formulações mais modernas. Também enfatizou que o sistema de produção agrícola no Brasil é bem diferente da Europa. Por ter o Brasil um clima predominante tropical, a presença de pragas na agricultura é mais suscetível que em regiões de clima temperado. Portanto, faz-se necessário aqui o emprego de mais agrotóxicos para o combate de pragas.

Na seqüência da audiência a vez de falar foi do professor MARIO URCHEI[4], PESQUISADOR DA EMBRAPA E DIRETOR DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO SIMPAF (SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO AGROPECUÁRIOS. Acredito que o senador que coordenou a sessão de audiência não se sentiu muito confortável acerca das verdades ditas pelo professor Mario sobre a problemática econômica e social advinda do modelo agrícola perverso brasileiro. No final da apresentação o senador fez critica acusando o professor de ter desviado o foco do tema, que era o PL.

O professor Mario iniciou a fala fazendo uma abordagem da profunda crise ambiental que está devastando sociedades inteiras.  Enfatizou as contínuas ondas de calor que a ano após anos vem se tornando mais fortes e destrutivas, causando aumento gradativo dos níveis dos oceanos. Destacou que atualmente no Brasil são mais de 125 milhões de pessoas vivendo em condições de insegurança alimentar, onde grande parcela é de mulheres, que vive no norte e nordeste brasileiro.

Como imaginar um país que sofre carência alimentar, cuja expectativa da sabra agrícola 2022 é superior a um trilhão de reais. De fato, a agricultura brasileira não é sustentável, pois favorece ao agronegócio exportador. Vivemos uma reprimarização da economia, ou seja, continuamos seguindo o modelo primário exportador de trezentos a quatrocentos anos atrás. Em contrapartida o país passa por uma crescente desindustrialização. Não há dúvida, segundo o professor Mario, o desmonte da regulação de agrotóxicos favorecerá exclusivamente grandes companhias transnacionais que controlam esse mercado.

Esse desmonte das políticas sobre os agrotóxicos afetam em cheio órgãos encarregados pela fiscalização em todos os níveis da cadeia produtiva. O que deveria acontecer em vez de estar gastando tempo e dinheiro público discutindo uma PL que trará mais danos ao meio ambiente e às pessoas, era estar debatendo políticas que incentivassem a produção agroecológica, ou seja, plano de transição sustentável muito discutido nas COPs e tendo o Brasil um dos signatários. Um bom exemplo de tema auspicioso a biossegurança é a PL 3668/2022, sobre bio insumos e marco jurídico.

Para concluir a explanação, o professor Mario Urchei fez algumas menções críticas a EMBRAPA, empresa na qual atua como pesquisador. Arguiu que a mesma vem sofrendo profundo desmonte nos últimos anos. A pressão de segmentos do mercado e de políticos faz com que as pesquisas sejam direcionadas seguindo viés tecnológico, priorizando aspectos econômicos em detrimento do social.

Após brilhante explanação do professor Mario, a vez de explanar foi da advogada Naiara Bittencourt, que atua na organização terra de direitos.  O tema explanado pela Na iara foi INCONSTITUCIONALIDADES E COLISÕE LEGAIS do PL-1459/2022 e seus riscos a saúde e a biodiversidade. Se alguém tinha dúvidas sobre o afrontamento dessa PL às inúmeras legislações vigentes dentre elas a Constituição Federal, na explanação da advogada, esses questionamentos ficaram sanados. Quanto à lei maior, a CF, a inconstitucionalidade do PL aparece nos art. 170, inciso V, VI; arts. 196; 220; 225 e 240 §4. A realidade é que o texto da PL foi profundamente modificado comparado ao texto original de vinte anos atrás, elaborado pelo ex-deputado Blario Maggi.

Uma das principais críticas feitas pela advogada ao atual texto é quanto à mudança do nome agrotóxico para Produto voltado ao Controle Ambiental. Essa substituição induz as pessoas a acreditarem que pesticidas, herbicidas, fungicidas, etc, não são tão tóxicos como era advindo de agrotóxicos, já historicamente incorporado no imaginário da sociedade, como substâncias que intoxicam, matam.  O projeto também confronta com a Lei. 9.782/1999 relativa ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.

Vale ressaltar que termo descrito na proposta sobre risco inaceitável é considerado extremamente vago e certamente irá gerar inseguranças jurídicas no setor. O que ficou explicito na proposta é a perigosa intenção de assegurar mais poderes de decisão sobre liberação e avaliação de agrotóxicos ao MAPA – Ministério da Agricultura e Produção Agropecuária, em detrimento de outros órgãos da saúde e meio ambiente. Outro risco visto no projeto é dar agilidade as agencias como a ANVISA nas análises e liberações de produtos tóxicos, além do mais, dispensar registros de agrotóxicos produzidos no Brasil destinado a exportação. A pergunta é como ficará à saúde dos trabalhadores envolvidos nessa atividade, estando expostos ao contato com substâncias tóxicas?

Há outros dispositivos importantes que o projeto de lei desconsidera, como direito ao meio ambiente equilibrado, que está presente na constituição federal por meio do Art. 225. Fere também a lei n. 6938/1981 que dispõe sobre PNMA (Política Nacional do Meio Ambiente), que dá efetividade ao art. 225 da CF, no fato de certo produto usado na agricultura trazer riscos ao meio ambiente. E não fica só nisso. Há outros dispositivos deixados de lado como no projeto de lei como a Declaração do Rio-92 sobre meio ambiente (Princípio 15 – que rege sobre precaução); Declaração de Jhoanesburgo, África do Sul, sobre desenvolvimento sustentável; Protocolos de Quioto e de Cartagena, sobre biossegurança.

Quase todos os dias são noticiados casos envolvendo mortandade de abelhas no Mundo e no Brasil, cujas suspeitas recaem à pulverização por certos tipos de agrotóxicos muitos dos quais já banidos em outros países. A morte de abelhas e outros insetos pulverizadores podem comprometer definitivamente à atividade agrícola e o ciclo reprodutivo de milhares de espécies da flora brasileira. Em 2018, durante a COP 14, o Brasil foi signatário da convenção sobre a diversidade biológica, onde foi aprovado o plano de conservação de polinizadores. Mas parece que esse compromisso ratificado em 2018 foi esquecido ou deixado de lado pelos congressistas e o atual governo.

É explícita a quantidade de equívocos no projeto de lei que facilmente pode ser declarado inconstitucional, principalmente no fato do projeto retroagir no que tange ao direito ambiental. A ADI 4066, do STF, deixa claro que qualquer legislação não pode retroagir em relação à proteção do meio ambiente.  Além do mais o REXT 286789 (Recurso Extraordinário), também do STF, garante competência aos estados e municípios em decidirem sobre o uso ou não de certos agrotóxicos. Essa competência as instâncias menores também está inserida na Constituição Federal, no artigo 24 §2. No entanto o projeto de lei em questão retira, ou seja, dificulta os estados e municípios restringirem a aplicação de certas moléculas de agrotóxicos. Se aprovado como está no texto, os entes federados deverão comprovar cientificamente que produtos em questão são realmente perigosos à saúde humana e ao meio ambiente.  

O projeto também cria complicações ao princípio da participação popular nas decisões sobre o ambiental, que está presente no Princípio 10 da Declaração do Rio assinada em 1992.  Na declaração Fala-se muito no empoderamento da sociedade no acompanhamento e tomada de decisão das políticas públicas voltados a um meio ambiente equilibrado. Entretanto o PL do veneno que tramita no congresso ataca em cheio esse princípio. Não é somente o principio 10 que está no alvo do projeto de lei.

Outro retrocesso visto no documento e que pode influenciar ainda mais o uso indiscriminado de agrotóxicos são dispositivos que discorrem sobre propaganda. Atualmente a publicidade de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, obrigam os fabricantes e demais responsáveis a fazerem advertências sobre os malefícios decorrentes de seu uso, conforme descrito no art. 220 § 4 da CF. O projeto de lei, no entanto, omite esse item, não trata mais sobre propaganda de agrotóxico.

O último debatedor da sessão no senado foi o ADVOGADO PAULO AMARAL, que é Consultor da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Fez críticas acirradas aos debatedores anteriores que criticaram o PL, afirmando serem maléficos aos ecossistemas. Enfatizou que todos devessem ler a fundo o projeto para que não cometessem equívocos de interpretação. Esclareceu que é necessário alterar o termo agrotóxico, pois trará justiça. Destacou também que mais de cinqüenta por cento dos produtos tóxicos utilizados no Brasil, que causam doenças, não são de agrotóxicos de uso agrícola. Usou o exemplo do Botox, substância usada no tratamento do rosto, considerado um dos mais mortais do mundo. Disse que uma dosagem de 028 g pode matar mais de cem milhões de pessoas.

Um aspecto elencado pelo advogado que segundo ele é caracterizado como avanço diz respeito ao Art. 12 do PL que trata sobre Sistema Unificado de Cadastro e Utilização de Agrotóxicos. Conforme § 1 desse artigo, todos que utilizarem tais substâncias: engenheiros agronômicos ou florestais, agricultores usuários e prestadores de serviços para terceiros na aplicação deverão obrigatoriamente estarem cadastrados.

Há cerca de um ano realizei uma inspeção nas casas agropecuárias da minha região simulando querer comprar o agrotóxico glifosato. Dentre as lojas visitadas apenas uma solicitou que eu apresentasse o receituário fornecido por um profissional, como estabelece as legislações.  Um dos argumentos ouvidos por muitos vendedores foi de que o produto desejado tem toxidade mínima, não precisando da autorização do profissional. No § 5 do Art. 12 do PL diz que o receituário agronômico obtido pelo Sistema Unificado de Utilização deverá conter, no mínimo: identificação e assinatura do responsável técnico, do aplicador e do usuário, ou seja, a lei não restringe um ou outro agrotóxico.

Quem cometer infrações no gerenciamento e manuseio de agrotóxicos, conforme estabelece o Art. 56 da PL terá pena de reclusão de 3 a 9 anos e multa. Se houver dano à propriedade alheia a pena aumentará de 1/6 a 1/3, e, na hipótese de morte, aumentará de 2/3 até o dobro. O fato é que se desconhecem no Brasil exemplos de alguém ter sido processado e sentenciado por cometer crime relativo a abusos por agrotóxicos na agricultura. Todos que trabalham com culturas que usam substâncias tóxicas sabem ou deveriam saber que na aplicação de agrotóxicos na agricultura teria que seguir uma serie de protocolos obrigatórios, como o período de quarentena após a aplicação dos químicos.

As legislações em vigor não autorizam pulverização de agrotóxicos em áreas urbanas, pois se fosse permitido teria também seguir os mesmos protocolos observados no campo.   Entretanto, que mais acontece nos municípios interioranos são infrações desse tipo, principalmente de produtos secantes para supressão de ermas e demais plantas nos perímetros urbanos. O agravante é que muitas vezes são realizadas pelo próprio poder público.



 

 

 

 

 

 

       

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