sexta-feira, 19 de novembro de 2021

 

OS ATROPELOS DAS AUDIÊNCIAS SOBRE A REVISÃO DO CODIGO AMBIENTAL DE SC: A FALSA LEGITIMIDADE DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Foto - Jairo


Santa Catarina nas últimas duas décadas vem sendo destaque nos noticiários nacionais por se tornar palco de acontecimentos climáticos extremos a exemplo do Furacão Catarina em 2004. Tornados, ciclones bombas, tempestades severas e estiagens intermitentes prolongadas já fazem parte do cotidiano do estado. Acreditar que tais acontecimentos são ciclos da própria natureza é negligenciar a ciência que vem dando provas suficientes da influência antrópica na dinâmica climática global. O modelo econômico predatório impulsionado pelo lucro desmedido está colocando a espécie humana numa encruzilhada difícil, mudar comportamentos ou sucumbir para sempre.

Uma das tentativas para minimizar o ímpeto predatório do lado humano irracional e que estão trazendo efeitos positivos significativos são os conjuntos de normatizações formais, como as constituições. Em termo geral, a constituição de 1988 foi o primeiro documento que tratou a temática ambiental com importância devida. Códigos florestais, leis de crimes ambientais, lei da mata atlântica e outras tantas normatizações em escalas estaduais e municipais integram esse intricado e complexo aparelho jurídico de proteção ambiental.

Todo esse conjunto de regras e organizações ambientais não terá efeito positivo em Estados contaminados por vícios institucionais. A corrupção, o mandonismo, a troca de favores, as falcatruas, etc, são alguns exemplos de vícios que transformam normas de proteções ambientais em letras mortas. O código florestal de 1965 deixava claro em suas dezenas de páginas que quem desmatasse estariam suscetíveis as sansões legais. Milhões de hectares de florestas foram dizimados durante a prevalência dessa lei.

Foto - Jairo


Atendendo o lobby dos desmatadores, o congresso nacional em 2012 aprovou lei criando um novo código florestal, onde isentariam de pena todos que cometeram crimes contra as florestas até 2008.  A pressão de certos segmentos econômicos como do agronegócio vem sendo decisivo nas decisões relativas à fragilização das regras de proteção ao meu ambiente. As câmaras de vereadores, assembleias legislativas e o congresso nacional são instituições com funções de formular leis. Nesse sentido, os ocupantes às cadeiras desse poder são tão ou mais importantes que prefeitos, governadores e presidentes.

Aí explica o fato das ferrenhas disputas às cadeiras das respectivas casas legislativas, entrando no circuito decisório a força do mandonismo local e regional. Rastreando as casas legislativas municipais, estaduais e o próprio congresso, o que se nota é a expressiva incidência de legisladores filiados em partidárias de ideologias conservadoras, ou seja, que defendem a manutenção do status quo produtivo e social. Essa superioridade numérica nas casas legislativas garante a aprovação de leis favoráveis àqueles que os representam. No caso dos códigos florestais, por exemplo, raros são os capítulos ou dispositivos pensados nos benefícios ao meio ambiente.

Foto - Jairo


O polêmico e controverso Código Ambiental de Santa Catarina aprovado em 2009 e que serviu de modelo para a elaboração do código florestal brasileiro sancionado em 2012, ratifica o que foi dito acima, um documento altamente permissivo às atividades de riscos ambientais. Na época da sua aprovação estava em vigor a lei 4771/65, sobre o código florestal brasileiro. O descompasso entre as normatizações da lei catarinense e a federal resultou em uma enxurrada de ações na justiça exigindo a sua revogação.

Um dos itens mais polêmicos do código catarinense, motivo de criticas e denúncias junto ao STF foi acerca dos limites de APP nas margens de rios. Enquanto a norma geral estabelecia 30 metros para determinados cursos de água, a legislação catarinense definia apenas 5 metros nesses mesmos cursos. A justificativa apresentada pelo STF contrária à legislação catarinense foi fundamentada nos frequentes episódios climáticos extremos como estiagens, enchentes e deslizamentos de terras, como as que tiraram a vida de 135 pessoas em 2008.

   

Foto - Jairo

Doze anos depois da aprovação da lei n. 14.675/09 e vetada pela justiça, porém defendida pelo agronegócio e demais segmentos econômicos, novamente a assembleia legislativa e setores produtivos iniciaram as discussões visando à reformulação do respectivo código ambiental. Como aconteceu há doze anos, todo o processo está sendo atropelado, excluindo do debate ONGs e universidades. Em 2009 o relator do projeto era o deputado Romildo Triton, MDB, tendo nas costas vários processos por envolvimento em crimes ligados a perfuração de poços artesianos no estado.

Atualmente o presidente da comissão mista criada para discutir a revisão do código é o deputado Valdir Cobalchini, também do MDB. Além de Cobalchini, completam a comissão mista os deputados Moacir Sopelsa, MDB; Milton Hobus, PSD; José Milton Sheffer, PP e Fabiano da Luz, PT. Até pode ser justificável a participação desses deputados, exceto, Fabiano da Luz, por integrar um partido que historicamente foi construído sobre uma base popular, de defesa de princípios elementares, como a proteção do meio ambiente.

Foto - Jairo


Sua participação na comissão reflete exatamente essa ruptura com tais princípios. Visitando sua página nas redes sociais, bem como do PT, não foi possível visualizar qualquer comentário acerca do real motivo de estar integrando uma comissão, cujos demais integrantes são favoráveis a revisão do código para favorecer exclusivamente os seus pares.   

 Oitos audiências públicas pelo estado foram agendadas, onde estão sendo coletadas demandas da sociedade á ser incluída no texto base, prevista para ser sancionado ainda esse ano. Imagine são menos de dois meses para revisar mais de 300 artigos. Afinal, por que tanta pressa? A resposta foi dada pelo próprio deputado Cobalchini na pagina oficial do MDB. Lá foi dito que a revisão visa eliminar burocracia para agilizar processos de licenciamento. Disse também que defende o desenvolvimento respeitando o meio ambiente, que é preciso dar respostas breves ao setor produtivo.

Claro que toda essa celeridade como pretende o deputado deve ter um motivo muito específico, atender interesses de grupos econômicos. A flexibilização ainda maior das legislações de proteção ambiental irá escancarar ainda mais a porteira da destruição do pouco que restou dos remanescentes da mata atlântica. Essa certeza de que nossos biomas estarão realmente ameaçados com o código ambiental revisado pode ser confirmada ouvindo as sugestões e proposições encaminhadas nas audiências.

Antes de tecer opiniões ou críticas sobre o teor das audiências realizadas procurei assistir as gravações disponibilizadas na pagina da TV ALESC, exceto o encontro em Içara, pois lá estive presente. O fato que chamou a atenção nas audiências foi a expressiva presença de representantes de setores ligados direta e indiretamente no campo e empresarial. Quanto as demandas discutidas havia consenso na defesa de temas como a descentralização dos licenciamentos ambientais, tornando-os autodeclaratório; a autonomia aos municípios para decidir regras em APPs urbanas e a flexibilização acerca do manejo das araucárias, etc.

Os itens acima destacados, entre outros, suas inserções no novo código ambiental poderá trazer muito mais desastres ambientais. Por exemplo, a transferência da gestão das APPs urbanas aos municípios. Em Santa Catarina parcela significativa das cidades é cortada por rios, riachos e córregos. Em quase todas, as margens sofreram ações antrópicas com obras de infraestrutura suscetíveis as inundações e deslizamentos. Conforme o código florestal brasileiro e a lei n. 16.432/14, código ambiental catarinense, os mesmos vedam licenciamentos para novas ocupações num limite mínimo de 15 a 30 metros dependendo da extensão dos cursos d’água.

A intenção de transferir aos municípios a responsabilidade de definir suas APP poderá resultar em regras distintas de limites de APP numa mesma bacia hidrográfica e uma profunda confusão jurídica. Outro aspecto importante a ser considerado sobre a municipalização é que nas discussões sobre o tema prevalecerá a pressão do lobby empresarial/imobiliário sobre os legisladores e gestores municipais, propondo minimizar as regras ao máximo.

O setor empresarial capitaneado pela FIESC e demais entidades congêneres insistem na tese de que as regras ambientais em curso a exemplo do licenciamento impedem investimentos no estado na ordem de trinta bilhões de reais. Como assim? Afirmam que as atuais resoluções sobre licenciamentos estão pautadas em critérios burocráticos que engessam o desenvolvimento. A proposta defendida é instituir o licenciamento autodeclaratório, ou seja, permitir ao empreendedor ou qualquer cidadão a contratação de profissionais para elaborar o documento.

Falando sobre descentralização ou municipalização dos licenciamentos, atualmente o órgão responsável nas tratativas desse tema é o IMA (Instituto do Meio Ambiente) de Santa Catarina, além de outros municípios maiores com boa infraestrutura técnica. Se há demora ou muita burocracia nos licenciamento como alegam o setor produtivo, a culpa não é do órgão licenciador estadual, mas da sua fragilidade estrutural. Para tornar mais o órgão mais célere, caberia ao governo muni-lo com grande plantel de técnicos capacitados como de analistas ambientais. Não o faz pelo fato de ter no seu portfólio a intenção de municipalizar serviços hoje de sua alçada.

O atual presidente do IMA, que também participa das audiências, declarou em um dos encontros ser favorável à descentralização, porém, com compromisso, ressaltou. Como esperar compromisso quando se sabe muitos municípios além de poucos terem órgãos ambientais, aqueles que possuem carecem de infraestrutura mínima. Outro detalhe. Muitas fundações ambientais são vinculadas ao poder executivo, cujos superintendentes e demais profissionais exercem cargos comissionados, ou seja, indicados pelo prefeito. Como imaginar que haverá isonomia e imparcialidade nas decisões dos laudos ambientais com essa configuração?

A participação da FIESC em todas as audiências responde os reais interesses na agilização da revisão do código ambiental e sua imediata aprovação até o final do ano. Na página da entidade, na internet, estão relatadas as quatro premissas defendidas pela federação: 1- a aplicação do código ambiental catarinense sobre todos os biomas no estado; 2- a prevalência do código ambiental catarinense, ao código florestal brasileiro e a lei da mata atlântica e regulamentar o licenciamento auto declaratório.

Por que defender a prevalência do futuro código ambiental em detrimento código florestal e a lei da mata atlântica. A resposta está na permissibilidade do documento catarinense, principalmente no quesito empreendimentos sobre áreas de remanescentes da mata atlântica. Se ainda hoje áreas remanescentes de mangues e restingas são preservadas, temos que louvar a lei 11.426/2006, lei da mata atlântica.  

Essa revisão atropelada do código ambiental também explica a ausência de entidades importantes no debate como universidades, setores ligados à educação e ONG. Nas centenas de falas ouvidas nas audiências, a única vez o tema educação foi citada aconteceu  no encontro de Rio das Antas, oeste do estado. O incrível é que a fala não veio de um professor/a ou representante da Secretaria da Educação do Estado, mas por uma engenheira sanitarista.

Relatou a proponente que todos são responsáveis pelos resíduos produzidos, por isso a necessidade de dar ênfase a “logística reversa”. Além disso, alertou a necessidade de trabalhar a educação ambiental nas escolas, que está sendo esquecida. Que é preciso sensibilizar as crianças sobre a necessidade de defender o meio ambiente. O mais incrível foi à resposta dada pelo presidente da comissão mista, o deputado Cobalchini. Disse que a sugestão da proponente foi muito interessante, que até aquele momento não havia recebido nenhuma proposta relativa ao tema educação.

É importante aqui ressaltar que educação ambiental nas escolas faz parte dos PCNs estando inserido no currículo como tema transversal, devendo ser trabalhada em todas as áreas do conhecimento. Imagine o absurdo, foi excluído do debate da revisão do código, departamentos da secretaria de educação estadual voltada à educação ambiental. Em 2010 o governo do estado assinou decreto n. 3.726/2010 criando o ProEEA (Programa Estadual de Educação Ambiental). Como acreditar que um código ambiental que mudará significativamente o cenário ecológico do estado não teve a participação de professores, diretores, supervisores e outros tantos profissionais que integram as redes de ensino municipal e estadual.

É inacreditável que ONGs e demais organizações em defesa do meio ambiente está foram dessa discussão. A resposta acerca da ausência dessas instituições nas audiências está no site da ONG APREMAVI, de Rio do Sul, com o seguinte título: Revisão do Código Ambiental de Santa Catarina segue na Trilha dos Retrocessos.

O documento assinado por quase cinquentas organizações em defesa do meio ambiente traz informações que mostram o motivo da ausência no processo de revisão do código ambiental catarinense. Ambas as organizações denunciam haver manobras articuladas entre parlamentares da ALESC e o setor produtivo a revisão do código sem uma discussão mais profunda com a sociedade. O erro, segundo as organizações, são os prazos exímios estabelecidos para revisar mais de 300 artigos.

A relativização de medidas de proteção ambiental será e está sendo a tônica nas audiências. Pior é que tudo isso está acontecendo num momento em que o congresso nacional e o atual governo procuram fragilizar ainda mais as legislações ambientais e organismo protetores. As audiências públicas estão servindo de pano de fundo para dar um falso sentido de legitimidade ao processo. Todos os trâmites estabelecidos na revisão do código comprovam existir uma escancarada violação dos princípios democráticos de participação social, como define o artigo 225, caput, da constituição federal.

Prof. Jairo Cesa

 

https://apremavi.org.br/revisao-do-codigo-ambiental-de-santa-catarina-segue-na-trilha-dos-retrocessos/

https://www.blogger.com/blog/post/edit/8334622275182680372/740421506726665708

eisestaduais.com.br/sc/lei-ordinaria-n-16342-2014-santa-catarina-altera-a-lei-n-14675-de-2009-que-institui-o-codigo-estadual-do-meio-ambiente-e-estabelece-outras-providencias

https://www.canalrural.com.br/noticias/justica-mata-atlantica-codigo-florestal-sc/

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2006200915.htm

http://mdb-sc.org.br/cobalchini-defende-agilidade-na-revisao-do-codigo-do-meio-ambiente-de-sc/

https://www.sed.sc.gov.br/programas-e-projetos/30939-educacao-ambiental

https://www.educacaoambiental.sde.sc.gov.br/Documentos/PROEEA.pdf

 

 

 

 

 

Um comentário:

  1. É o tal faz de conta que discutem com a sociedade...muito bom vc mostrar a realidade, já prevendo o que acontecerá no futuro... excelente texto!

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