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CULTURA DOS CEMITÉRIOS COMO IMPORTANTE ACERVO DE MEMÓRIA E CONHECIMENTO
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Foto - Jairo |
Geralmente
quem compra pacotes de viagens para a Europa ou até mesmo países sul americanos
estão incluídos nos roteiros, visitas obrigatórias em igrejas, museus e também cemitérios. Isso mesmo, cemitérios. Não com o intuito de visitar despretensiosamente sepulturas, a proposta vai muito mais além. O objetivo é observar criteriosamente a arquitetura das construções, suas
distribuições espaciais e representações simbólicas, artísticas, religiosas e
de poder; os sujeitos sepultados, famílias e laços de influência na condução do
processo político, cultural, filosófico, daquele momento histórico.
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Viram
o quanto que se pode aprender a partir de uma visita a um local que para muitos
traz calafrios, medo, etc. Talvez isso explica o fato de muitos cemitérios,
antigos, estarem hoje totalmente abandonados, tomados pelo mato, túmulos
depredados por atos de vandalismo. Estados Unidos, França, a Argentina, entre
outros tantos países, todos os anos milhões de pessoas visitam os principais cemitérios
dessas nacionalidades trazendo forte impulso ao PIB.
No
Brasil, visitar cemitérios é um programa quase que exclusivo ao dia dois de
novembro, feriado nacional dedicado aos mortos. Fora isso, algumas cidades
importantes como São Paulo e Rio de Janeiro, dois cemitérios se destacam, o da
Consolação e de São João Batista. Ambos recebem turistas do Brasil e de todos
os cantos do mundo, contendo serviços de guia e QR- COD para dar mais
informações ao público.
Em Santa Catarina são dezenas de cemitérios
antigos abandonados que poderiam hoje estar inseridos nos planos de
desenvolvimento turístico sustentável dos municípios. Revitalizar esses espaços
seria o primeiro passo. Em seguida, devem-se integrar os departamentos de
cultura, educação e meio ambiente, com vistas a desmistificar e sensibilizar a
sociedade sobre a riqueza cultural material e imaterial desses ambientes.
Na
região sul de Santa Catarina, incrível que pareça, existem inúmeros cemitérios
que já deveria há muito tempo estarem tombados pelo Instituto do Patrimônio
Histórico. Muitos desses espaços são datados do final do século XIX e início do
XX. Os túmulos guardam registros importantes da sociedade da época, em especial
aspectos da religiosidade cristã, representados por meio de símbolos sacros. O
fato é que parte de toda essa preciosidade cultural está se perdendo e, junto,
a memória de gerações que nos antecederam.
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A
comprovação de que estamos perdendo um rico tesouro cultural material e
imaterial foi revelado na última quarta feira, 15 de setembro, quando fomos
visitar dois cemitérios no município de Praia Grande e outros três em
municípios do RS que fazem fronteira com SC. Jamais imaginei que iria me
deparar com um lugar repleto de memória, de extraordinária simbologia para os
cristãos, tão desprezado, tão maltratado. O mato já cobria o que restava dos
poucos túmulos ainda intactos. Os demais jazigos, já estavam completamente
descaracterizados pela ação do tempo e atos de vandalismo. Pela estrutura dos
túmulos o cemitério aparentava ter sido instalado ali, junto à rodovia estadual
Praia Grande/Jacinto Machado há quase um século.
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Observando
registros ainda possíveis de serem compreendidos nas lapides, algumas sepulturas
datam dos anos 1950, porém, é possível que haja outras sepulturas bem mais
antigas, pois essa estrada servia no passado como passagem dos tropeiros que
subiam e desciam a serra transportando gado e demais mantimentos. Tanto eu
quanto os dois companheiros presentes sobre aquele rico acervo histórico, fomos
tomados por sentimentos que misturava incitação e frustração.
Qual
ou quais motivos as forças políticas do município e região deixaram chegar um
espaço tão simbólico e promissor turisticamente naquelas condições? É claro que
o estado deplorável daquele histórico cemitério é apenas um exemplo de tantos
outros ambientes desprezados pelas autoridades. O que deve ser feito de
imediato para salvar o pouco do que resta daquele rico acervo cultural é pressionar
do poder público do município de Praia Grande para que assuma a
responsabilidade de preservá-lo.
No
projeto Geoparque Caminho dos Canyos que integram sete municípios, o objetivo
do plano é promover a preservação e o desenvolvimento sustentável das
potencialidades geológicas, históricas, artísticas e culturais dessa região. Ao
mesmo tempo em que o projeto geoparque propõe a revitalização do tropeirismo
como protagonista da ocupação dessa região, comete o grave equívoco de
dispensar devidas atenções aos cemitérios, locais que poderão estar sepultados
muitos desbravadores desconhecidos.
A
presença do imigrante italiano e do alemão é observada nos costumes locais bem
como na arquitetura das edificações. Não podemos excluir desse prelúdio
ocupacional regional, os indígenas e os negros africanos. Esse último empregado
como mão de obra escrava pelos proprietários de terras em várias atividades
laborais. A comprovação da presença de remanescentes africanos pode ser
constatada visitando a comunidade quilombola São Roque, na região da Pedra Afiada,
município da Praia Grande. É um lugar histórico que ainda conserva elementos
importantes da cultura luso africana e que deveria receber todas as atenções no
projeto Geoparque.
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Quanto
a etnia alemã, quando aqui chegaram muitas famílias eram convertidas ao
luteranismo. Sendo assim uma das primeiras iniciativas dos grupos foi a
edificação de uma igreja e de um cemitério, ambos exclusivos para quem seguisse
o culto luterano. Um bom exemplo de riqueza histórica e conservação é o
cemitério situado na comunidade de Itoubava, município de Araranguá. No tour
cemiterial da quarta feira dia 15 de setembro visitamos outros dois, um na
Praia Grande e outro na comunidade de Villa Lothammer, município de Torres.
Ambos também bem conservados e munidos de certas peculiaridades históricas.
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Por
ser um cemitério luterano, todos ali sepultados são ou foram convertidos ao
culto luterano. Quando se diz que é um ambiente rico culturalmente e repleto de
curiosidades, isso se deve ao fato de que os que estão ali sepultados são
membros de famílias alemãs que migraram para região a partir do início do
século XX. Cada túmulo conta fragmentos da história, que ajuda compreender o
cenário social e político local e global daquele momento. Conforme relatou um
colega conhecedor da cultura germânica regional, o mesmo informou que há em uns
dos cemitérios da região, cidadão sepultado e cujo padrinho de batismo teria
sido o líder alemão Adolfo Hitler.
Relatou que, antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial, as notícias que chegavam da Alemanha descreviam um país em franco desenvolvimento e cujo responsável era Hitler. Muitos alemães ou descendentes que habitavam essas terras externavam enorme apresso ao chanceler alemão, a exemplo desse cidadão de Torres que resolveu dar o nome do líder alemão ao seu filho. Carta foi enviada a Adolfo Hitler convidando-o para padrinho de batismo. Não podendo vir ao Brasil para celebrar o ritual de batismo, o líder alemão agradeceu e enviou à família trezentos marcos como presente de agradecimento.
Certamente
deve haver muito mais relatos curiosos e intrigantes adormecidos nesses ambientes, que poderão ser
silenciados para sempre se o processo de depreciação cultural permanecer. Isso
serve também para outros segmentos patrimoniais. Um exemplo é uma imponente
residência construída em 1881 na cidade gaúcha de Mampituba, que pertence à
família Muller. Conforme relatos a casa foi construída por escravos, pois nessa
época, sete anos antes da abolição, as famílias abastadas da região possuíam
escravos.
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O
estilo arquitetônico da residência é luso brasileiro, construída toda em pedra,
com argamassa entremeada. É interessante aqui destacar que obra embora já
decorridos 140 anos da sua construção, toda a estrutura em pedra continua
intacta, exceto o reboco que está descascando em alguns pontos. Essa
satisfatória condição da estrutura em pedra não é vista na cobertura, construída
em madeira e telha de barro. É possível constatar que um lado do telhado da
residência está comprometido, com risco iminente de desabamento.
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Conforme
está descrito no projeto Geoparque caminho dos Canyons Sul, no segmento
educação, o mesmo traz o seguinte enunciado no aspecto educação: “desenvolver estratégias para envolver
professores, estudantes e seus familiares em ações que contribuam com o
conhecimento e a valorização do patrimônio natural e cultural do território, a
conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável da região”. Partindo
desse enunciado, esperamos que esse singelo texto possa contribuir com
sugestões ao grupo gestor do projeto geoparque, inserindo no seu escopo a
temática cemitério, como campo de pesquisa a cultura material e imaterial
regional.
Prof.
Jairo Cesa
https://canionsdosul.org/
file:///C:/Users/LOJA349/Downloads/Patrimonio_Funerario_Catarinense_web.pdf
https://canionsdosul.org/educacao/