quarta-feira, 21 de abril de 2021

 

A PRESSÃO IMOBILIÁRIA SOBRE OS REMANESCENTES DA MATA ATLÂNTICA NA FAIXA COSTEIRA DE ARARANGUÁ

A fundação SOS Mata Atlântica postou em sua página virtual artigo publicado no Jornal Valor Econômico que merece profunda reflexão ao que está ocorrendo na faixa costeira do município de Araranguá. O título do artigo é "De Olho nos Impactos da Urbanização nos Municípios da Mata Atlântica”, onde a autora do mesmo faz uma breve radiografia da pressão imobiliária na minúscula e frágil faixa costeira brasileira. Relata ela que um quarto da população brasileira está concentrada hoje em 4% de área territorial.

O fato é que legislações foram criadas a exemplo do Estatuto das Cidades para imporem regramento aos municípios brasileiros em seus planos diretores, garantindo o empoderamento da população nas discussões e definições de regras mais protetivas ao meio ambiente. O bioma Mata Atlântica, no entanto, é o bioma mais ameaçado frente as investidas do segmento imobiliário no complexo cordão arenoso litorâneo. Nos últimos anos as notícias ou reportagens mais lidas e ouvidas na imprensa e de entidades ligadas ao meio ambiente foram sobre o aumento do desmatamento e queimadas do que ainda resta dos remanescentes da mata atlântica.

A situação do bioma mata atlântica e dos demais, tende a se agravar ainda mais, pois temos um governo, onde o ministro do meio ambiente insistentemente desrespeita leis para favorecer os infratores. Um exemplo aconteceu no norte do país, onde Ricardo Salles foi contra o superintendente da polícia federal por ter aprendido o maior carregamento de madeira ilegal da história do Brasil. Olha só isso, o ministro se opondo aqueles que combatem os crimes ambientais e a favor dos criminosos ambientais! Isso eu jamais tinha presenciado.  É baseado nesse comportamento pernicioso de quem deveria resguardar as leis ambientais que estamos acompanhando atônitos uma das maiores escaladas escandalosas de crimes ambientais por todo o país.

A certeza da impunidade é o ingrediente que faz movimentar essa terrível engrenagem suicida desses ecossistemas.  O Morro dos Conventos e toda faixa costeira do município de Araranguá também estão sendo palcos de projetos de alto risco de impactos ambientais. O Plano diretor, muito menos legislações federais, estaduais ou decretos, como as que criaram as três unidades de conservação não estão sendo suficientes para frear a fúria obsessiva do segmento imobiliário, que é chancelado pelo poder público. A promessa de construção de uma ponte ligando Hercílio Luz e Morro dos Conventos já está alterando significativamente o cenário geográfico e cultural de toda região.

Se pegarmos o mapa da região dos últimos dez anos será possível observar a brutal ocupação de novas residências sobre remanescentes da mata atlântica. Os impactos sociais e ambientais já são observados, principalmente nos finais de semana, onde centenas de veículos e embarcações invadem trechos ambientalmente sensíveis junto à foz do rio Araranguá. Pescadores familiares com suas pequenas embarcações têm de compartilhar o mesmo espaço do rio com Jet ski e lanchas. O barulho ensurdecedor dos sons automotivos no entorno da foz é outro agravante comprometedor.

   Uma das conquistas obtidas pela população araranguaense e que poderia servir de instrumento mediador aos projetos de infraestrutura na faixa costeira, os gestores públicos insistem em negá-los. Estou me referindo aos decretos municipais que criaram três unidades de conservação em dezembro de 2016.   No caso do Morro dos Conventos, foram dois, o da APA e o da MONA-UC Morro dos Conventos, ambos definem regras de como esses ecossistemas devem ser gestados. Desde 2017 as reuniões com a participação dos delegados de dezenas de delegados que integravam o Grupo Gestor do Projeto Orla não vem acontecendo, o que demonstra nítida participação proposital do poder público para fazer valer os interesses do mercado. 

O que se viu nesse período foram órgãos como o COAMA (Conselho Municipal do Meio Ambiente) e o Poder Legislativo atuando para suprimir artigos dos decretos, bem como dispositivos do próprio plano diretor. Foram manobras bem articuladas, realizadas às pressas. Zoneamentos no Morro dos Conventos, que haviam sido decididos coletivamente, por exemplo, áreas definidas como de preservação permanente, de repente, em uma sessão da câmara, vereadores propuseram mudanças, é claro que atendendo pressão de algum setor interessado.  

Todo o trecho que integra o Paiquerê à Barra Velha foi transformado em APA (Área de Preservação Ambiental). Diferente do decreto que criou o MONA, a APA se define como plano mais flexível ambientalmente. No entanto, qualquer projeto a ser executado nos limites da APA deve ou deveria cumprir com todos os dispositivos descritos do decreto. A conservação, recuperação dos ecossistemas da mata atlântica e a proteção da fauna e da flora nativa são alguns deles.

O interessante é que sobre as proibições impostas pela APA, o inciso primeiro está assim redigido: fica proibida a supressão de fragmentos de vegetação nativa primária e secundária, em estágio médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica. Lembro que em uma das reuniões do grupo gestor surgiu a proposta de um seguimento social para a supressão do inciso II do Art 4, da APA, relativo às proibições. A alegação do grupo era de que o respectivo inciso repetia o que o inciso anterior definia. Parecia simples, não era.  O inciso revogado dizia o seguinte: “é proibido a degradação ou intervenção na vegetação de restinga”.

 Nós, integrantes da OSCIP PRESERV’AÇÃO e de outras entidades participantes nos posicionamos contrario a proposta, pois sabíamos que  suprimindo esse inciso poderia  fragilizar ainda mais o decreto. As perguntas que fazemos sobre os reais motivos da desmobilização do grupo gestor do Projeto Orla e da supressão de itens importantes do decreto da APA, podem ser respondidas com o que vem acontecendo atualmente na parte baixa do Balneário Morro dos Conventos. O corte de remanescentes da mata atlântica para a abertura de ruas em um trecho do balneário poderá abrir precedentes para novas investidas do setor imobiliário especulativo à outras áreas consideradas de preservação permanente. Se os próprios decretos da APA e da RESEX não são respeitados, quem garantirá que o decreto do MONA-UC, será?

Lembro das dezenas reuniões do Projeto Orla onde um dos assuntos mais abordados era o desenvolvimento da região sem comprometer o frágil ecossistema da faixa costeira. Uma das demandas mais defendidas principalmente pelos integrantes da OSCIP PRESERV’AÇÃO era que qualquer projeto imobiliário ou turístico para a região fosse condicionado a obras estruturantes como a instalação de um sistema de tratamento de esgoto.

Por que a insistência nesse item? Toda área, do Paiquerê até a parte baixa do Morro dos Conventos, o lençol freático está a menos de um metro de profundidade. Em períodos de chuvas mais volumosas, principalmente no verão quando a população no balneário dobra de tamanho, as fossas sépticas são tomadas pela água, podendo escorrer e contaminar o solo e o mar com clorofórmios fecais.

Na gestão passada, uma ou duas vezes o tema tratamento de esgoto no Morro foi abordado, porém, sem qualquer plano mais efetivo. Na atual gestão, em nenhum momento tanto o prefeito quanto os seus secretários trataram desse assunto. Não mencionaram que para novos licenciamentos de projetos de infraestrutura e edificação imobiliária deveria primeiro ter no local um sistema de tratamento do esgoto.

Se o órgão ambiental municipal, MPSC e MPF não tomarem medidas imediatas contra os abusos/crimes ambientais praticados pelo poder público no Morro dos Conventos, em pouco tempo o “Paraíso do Sul”, como queiram, poderá aparecer com mais frequência na lista do IMA (Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina), durante as temporadas de verão, como uma das praias impróprias para o banho. Aí veremos como ficará o turismo sustentável, declamando em verso e prosa pelas administrações públicas.

Prof. Jairo Cesa      

Um comentário: