sábado, 6 de julho de 2019


MERCOSUL/UNIÃO EUROPÉIA: O CAMINHO PARA RECOLONIZAÇÃO DO BRASIL E DOS PAÍSES VIZINHOS

Dois ou três dias depois de referendada a tratativa do maior acordo econômico do planeta envolvendo o MERCOSUL e UNIÃO EUROPÉIA tratei de pesquisar em vários sites de jornais relevantes possíveis críticas ao mega plano, pois desconfiava haver interesses econômicos obscuros e não divulgados, que poderão tornar os países do MERCOSUL mais submissos ainda ao bloco europeu. Todas as tentativas de buscas foram em vão, o que encontrei foram manchetes ou enormes reportagens de puro entusiasmo, exaltação aos mentores, evidenciando o fato como o acontecimento do milênio, a redenção de séculos de atraso estrutural sobre milhões de sul americanos.
O que permeou no imaginário dos que sempre desconfiam de eventuais promessas de milagres econômicos como ditos pelos lideres governamentais do cone sul e a imprensa entreguista, é que havia algo sinistro nesse acordo que deveria ser evidenciado. Não há dúvida que tais peripécias foram articuladas pelos porta vozes do ultraconservadorismo neoliberal periférico, Maurício Macri e Bolsonaro, para evidenciá-los num momento conjuntural tenso de queda vertiginosa de popularidade. O que se revelou estranho na homologação do acordo foi o presidente Bolsonaro ter mudado suas convicções diante do posicionamento negativo do super ministro Guedes, tempos atrás, que declarou que todos deveriam esquecer o MERCOSUL.
No caso da vizinha Argentina, o presidente Macri, em pouco mais de um ano como presidente do país conseguiu a proeza de catapultar milhões de cidadãos argentinos num abismo de miseráveis sem precedentes na história recente daquele país. Diante de um cenário econômico confuso e incerto, para as eleições gerais marcadas para outubro de 2019 na Argentina, as pesquisas colocam em destaque o bloco partidário oposicionista da ex-presidente Cristina Kirchner, que se lançará como candidata a vice presidente e com reais possibilidades vencer o pleito. 
Para o capitalismo ultraliberal periférico, uma virtual derrota de Macri no pleito de outubro poderá comprometer o bloco do MERCOSUL e as tratativas do acordo com a União Européia.  Portanto, aí estão um dos fatores da aproximação estratégica entre Bolsonaro e Macri, representantes diretos dos interesses do capitalismo globalizado na região, conquistar a simpatia da opinião pública. O acordo de livre comércio tenderia a melhorar o grau de popularidade dessas duas lideranças, alimentando expectativas positivas das elites regionais à continuidade das políticas reformistas de cunho neoliberal.   
O segredo dos grandes jornais e emissoras de TV de terem discretamente evidenciado pontos negativos da integração, está no futuro processo institucional do MERCOSUL, ou seja, neutralizar a todo custo uma possível ascensão de forças esquerdista no comando dessas nações. Uma região cujo PIB vem apresentando baixo crescimento ano após ano, uma manchete na capa de um dos jornais com a descrição MERCOSUL-União “Européia assinaram o Maior acordo da história e que poderá render 100 bilhões ao Brasil”, soou como música aos ouvidos da elite.
Esse fato faz lembrar outro episódio semelhante ocorrido há pouco tempo, a descoberta do pré-sal cujos jornais não pouparam páginas para enaltecer o feito. Na argentina os jornais conservadores também não pouparam apoio ao plano de integração, visto como essencial à guinada econômica da região. O resultado do pré sal todos sabemos que fim teve.
Conhecendo um pouco da história dos países que congregam o bloco do MERCOSUL, a partir da ocupação territorial pelos impiedosos solados das metrópoles espanhola e portuguesa, milhares de toneladas de ouro, prata, entre outras riquezas foram pilhadas e enviadas à Europa. Um continente decadente e atrasado até então, de repente, se transformaria numa das regiões mais poderosas do planeta. Cinco séculos depois do domínio e exploração imperial ibérica sobre a América Latina, como estão hoje os povos remanescentes habitantes do Peru, México, Brasil, Bolívia, etc?  
Em nenhum momento, tanto Espanha, Portugal, Holanda, França, Inglaterra, entre outros, que se construíram a partir dos escambos e pilhagens nas Américas, África, Ásia, tiveram a humildade de reavaliar o passado e reconhecer dívidas históricas com essas regiões.  A avassaladora entrada clandestina de milhares de imigrantes africanos e asiáticos no território europeu através do mar mediterrâneo, sem dúvida é um ato inconsciente de ajustamento de contas da histórica colonização européia em seus territórios por décadas.
A formação de blocos econômicos como a zona do euro, o NAFTA e o MERCOSUL, se constituiu como projetos de proteção aos mercados locais. Entretanto, diante do gigantesco descompasso tecnológico entre o bloco do MERCOSUL e europeu, jamais o primeiro adquiriu status de soberania econômica, permanecendo subjugado às potências industrializadas. O argumento contrário de parcela significativa do parlamento argentino e demais setores produtivos do MERCOSUL ao acordo é que a iniciativa favorecerá a forte indústria européia, beneficiadas por fortes investimentos públicos e protecionismo tecnológico.
Em tempo de elevação de barreiras protecionistas a exemplo dos Estados e China que se digladiam elevando taxas de seus produtos como forma de proteger suas indústrias e produtores, de repente, o União Européia, vista também como protecionista, se mostra cordial abrindo seus mercados as “nações amigas” do sul. O que os lideres das potências européias vêem no horizonte com o acordo com o MERCOSUL é a oportunidade de minimizar perdas das quais terão com as disputas comerciais entre EUA e China, que são hoje mercados importantes à exportação de manufaturas.
Desde que Bolsonaro assumiu a presidência vinha assumindo posições contrárias à permanência do Brasil no acordo de Paris sobre o Clima. Discordava da postura de pesquisadores e organizações renomadas distribuídas pelo mundo das quais comungavam opiniões comuns afirmando que o planeta está sim aquecendo e comprometendo a própria existência humana. Foi no encontro do G20, no Japão, no final de junho de 2019, que o presidente brasileiro voltou atrás na decisão, prometendo continuar no acordo do clima.
Esse recuo se deveu as condicionantes impostas pelos principais líderes das potências européias à integração com o MERCOSUL. Entre as dezenas de proposições elencadas aos países do MERCOSUL à entrada no acordo, uma delas, vista como mais importante, é o combate ao desmatamento na Amazônia. Esse ponto é o que mais preocupa nações como França, Alemanha, Noruega, etc. Na ocasião o próprio ministro das relações exteriores do Brasil tentou convencer os governos protagonistas europeus do acordo, que o governo brasileiro está tendo total compromisso com a floreta amazônica.
Alguns dias depois do lançamento da minuta do acordo de integração comercial, o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) lançou relatório sobre o desmatamento na Amazônia, que bateu recorde no mês de junho de 2019. A área desmatada é 88% superior a do mesmo período em 2018. O relatório mostrou que somente num único final de semana foi devastado mais de cem quilômetros quadrados de floresta. Esses números absurdos podem colocar fim definitivo aos bilionários recursos do fundo amazônico repassado pelos governos da Noruega e Alemanha, que totalizaram mais de quatro bilhões de reais.
O impasse do governo brasileiro com os financiadores do fundo se agravou no instante que Bolsonaro se manifestou contrário ao modo como os recursos estavam sendo geridos. Propôs a supressão de dois conselhos do fundo e destinação de parcela do dinheiro ao pagamento de indenização de proprietários de áreas transformadas em Unidades de Conservação. Essa decisão causou irritação aos doadores dos recursos que ameaçam cancelar futuros repasses.
A idéia da criação do acordo comercial entre Europa e América do Sul é antiga e vem se arrastando há mais de três décadas. Por ser amplamente complexo, é muito difícil chegar a um consenso por envolverem realidades culturais e econômicas tão distintas. O que pegou todos de surpresa foi, de repente, num curto prazo de seis meses de governo Bolsonaro, as negociações do acordo de livre comércio parece ter sido resolvido como um passe de mágica.
Não há dúvida que o segredo dessa “façanha” está no modo como os articulistas brasileiros e argentinos vêm se posicionando politicamente frente a alguns líderes de potências mundiais como os EUA, de total subserviência. É obvio que o empresariado europeu, setor agrícola em especial, não irá abrir mão dos pomposos subsídios públicos que tornam seus produtos competitivos no mercado globalizado. Diferente da MERCOSUL onde os subsídios públicos são discretos. O resultado disso é o custo elevado e pouco competitivo do produto final.
Para entender o atual cenário é importante voltar um pouco no tempo e entender como a América Latina foi forjada.  No século XVIII, sem exceção, o comércio mundial era controlado pelo poderoso império britânico. Os países que antes eram colônias ibéricas no continente americano, depois do rompimento administrativo com suas metrópoles foram tomados por uma avalanche de produtos e dinheiro da grande potência industrial britânica.
Esse domínio permaneceu até o final do século XIX, quando outra potência assumiu o lugar, os Estados Unidos. Desde a época colônia e domínio imperial britânico e americano, esses países se especializaram na exportação de produtos primários de pouco valor agregado. Em contra partida, nos tornando consumidores vorazes de produtos manufaturado de elevado valor agregado.
A desindustrialização crescente e os pífios investimentos em educação e tecnologia contribuíram e contribuirá ainda mais para a perpetuação dessa relação desigual e de subordinação. As tratativas de selar o acordo definitivo de integração se efetivarão num futuro próximo, como acreditam os integrantes diretos dos dois governos do cone sul. No caso brasileiro, os críticos do plano acreditam que tenderá intensificar a primarização da economia, seguindo o mesmo modelo mercantilista exportador do passado.
Se a idéia é se especializar em commodities, mineração e produção agrícola, o caminho já está sendo trilhado com parcos investimentos em educação e pesquisa científica. Não se torna em vão, portanto, o sádico ataque do atual governo contras as universidades públicas, com o corte significativo de verbas voltadas ao financiamento de pesquisas, entre outros fins.    
A fragilização das relações trabalhistas que se concretizou a partir da reforma trabalhista foi outra ação que atende diretamente aos interesses a elite burguesa nacional e internacional. Usaram como pretexto à reforma trabalhista o restabelecimento do emprego. Pouco mais de um ano depois da reforma, o Brasil vem batendo recorde em fechamento de postos de trabalho. Hoje são quase vinte milhões de brasileiros sem trabalho ou que vivem de bico para sobreviver.
  O que está em curso agora é a reforma da previdência, cuja justificativa é a mesma da reforma trabalhista, recuperar a confiança dos investidores para que o país cresça e promova emprego e renda. O mesmo discurso, não é mesmo? Depois de concluída a previdência, qual será o argumento para justificar a crise do emprego que permanecerá? A resposta poderá estar no tamanho do Estado, que deverá ser reduzido ainda mais.  Educação, Saneamento Básico e o que ainda resta de setores estratégicos como mineração, energia elétrica, etc, poderão estar nas futuras pautas de negociações com o grande capital.   
Quanto menor o Estado ou estado mínimo, mais fragilizadas as relações trabalho e capital. Todo esse desmonte estrutural dará ampla vantagem a União Européia sobre o MERCOSUL numa possível concretização do plano de integração. O escritor Uruguaio Eduardo Galeano expôs com brilhantismo no livro “As Veias Abertas da América Latina” o resultado de séculos de ocupação colonial nas Américas. Até hoje o segue que escorreu das veias de milhões de mexicanos, peruanos, bolivianos, chilenos, paraguaios, argentinos, brasileiros, venezuelanos, colombianos, entre tantos outros, jamais foram estancados. 

Prof. Jairo Cezar      
     

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