sábado, 29 de junho de 2019


AGROTÓXICOS, O VENENO NOSSO DE CADA DIA

EDSON RIMONATTO

Quem trabalhou na agricultura nas décadas anteriores a 1970 possivelmente jamais ouviu nomes estranhos como transgênicos, agrotóxicos ou agroquímicos. De repente o Brasil se “modernizou” a foi invadido por corporações ligadas ao agronegócio, chanceladas por governos militares que submetem a tradicional agricultura familiar a um modelo capitalista, exportador. A Revolução Verde iniciada nas décadas de 1960 em diante foi um plano bem bolado das poderosas empresas de armamentos do pós-guerra para continuar lucrando mesmo em períodos de paz.  
Em vez de tanques e outros apetrechos bélicos, essas companhias passaram a produzir tratores, ceifadeiras e demais implementos agrícolas comercializados massiçamente nos países da periferia do capitalismo. As fabricantes de venenos a exemplo do agente laranja aplicado na pulverização das florestas do Vietnã, durante a guerra contra os Estados Unidos, passaram a se dedicar na produção desse e de novos agentes químicos para a erradicação de “pragas” que se multiplicam ano após ano.
O Brasil dos anos 1970 o regime militar intensificou propaganda para convencer a sociedade que a expansão da fronteira agrícola tornaria o Brasil num dos principais celeiros agrícolas do mundo. Era o modelo perverso do agronegócio que estava se enraizando no Brasil, com passivos ambientais e sociais sem precedentes aos frágeis biomas como a Amazônia. O Brasil pós-militarismo se redemocratizou, foi restabelecido o pluripartidarismo, eleições diretas e uma nova constituição mais progressista. No entanto, os novos velhos detentores do poder permaneceram, com novas roupagens, ainda mais fortalecidos à frente das instituições de comando.
A expectativa de ruptura deste secular modelo agrícola segregacionista rondou o cenário institucional dos governos populares no começo do século XXI. Nos quase vinte anos governando o Brasil, houve sim alguns avanços sociais, porém, pecou muito quanto ao item agricultura e meio ambiente. A expectativa de uma grande reforma agrária não vingou. Os governos populares, infelizmente se renderam a pressão da poderosa engrenagem do agronegócio, alojada nos interstícios do congresso nacional e do executivo, utilizando-se de artifícios e artimanhas para barganhar vantagens.
A liberação de sementes transgênicas e por conseqüência de inúmeros agrotóxicos até então proibidos pelas agências reguladoras, foi o estopim de um problema de saúde pública que se agravaria anos vindouros. Atolado em denúncias de corrupção, integrantes da tradicional elite brasileira, esperançosa em barganhar mais benesses como foi durante os governos populares, articulara um bem sucedido golpe político, recuperando as rédeas de um poder predatório, tanto social como ambiental.
Beneficiada por uma avalanche de propaganda enganosa, a elite agora teria que formalizar sua efetivação no principal posto de comando federal, a presidência da república. Como um vírus contagioso e letal, milhões de pessoas, depois de longa noite despertaram acreditando que um messias estava por vir para salvá-los do apocalipse. Entretanto, não foram suficientes os apelos para alertá-los do vírus cujo sintoma inicial foi a cegueira.
Não havia mais retorno, o tempo revelou o que muitos já sabiam um governo sem a mínima capacidade para o cargo, um sujeito forjado pela mesma elite financeira, empresarial e agrícola, que sempre se beneficiaram dos pomposos subsídios fiscais dos governos anteriores. No governo Temer foi necessário dois anos para que o cenário econômico e institucional do país se revelasse insustentável.
A bancada do agronegócio nunca foi beneficiada por barganhas políticas em tão pouco tempo de governo Temer. Somente com agrotóxicos, em 2018 foram batidos recordes em liberação de novos princípios ativos. Quem acreditava que governo anterior entraria para a história como o de maior concessão novas marcas de agrotóxicos, se equivocou.  O pior estaria por vir. Em seis meses de governo Bolsonaro, já foram liberados para uso 239 tipos de agrotóxicos.
Quem achou que os abomináveis e insaciáveis donos do agronegócio já estariam satisfeitos com toda essa avalanche de pesticidas liberados, também caiu do cavalo. Outros 539 componentes químicos estão na lista de espera para liberação. Esses números dão mostras que a população brasileira está se contaminando num ritmo assustador. O número de pessoas intoxicadas com agrotóxicos e que estão contraindo doenças degenerativas, neurológicas, entre outras, está gerando enorme colapso nas unidades de saúde em todo o Brasil. O pior é que esse desarranjo produzido pelo governo e seus comandados têm o respaldo técnico de laboratórios e agencias reguladoras que avalizam os pesticidas como não prejudiciais à saúde.
Um dos agrotóxicos mais temidos e já proibidos em muitos países da Europa e estados nos Estados Unidos,  que possivelmente não será renovada licença na União européia em 2020 é o CLOPIRIFÓS. Por que tanta preocupação com esse princípio ativo químico. Em primeiro lugar esse agrotóxico veio substituir o tradicional DDT, muito utilizado na agricultura no passado. Em segundo lugar, o Clopirfós, de acordo com inúmeros estudos concluídos, o último em março de 2019 na Universidade de Colúmbia, EUA, testes comprovaram que a ingestão do produto é responsável pelo autismo e lesões cerebrais em crianças.
Outros estudos confirmam que o mesmo agrotóxico provoca a desregulação hormonal que ativa a tireoide. Esses hormônios, nas mulheres grávidas, são fundamentais para o desenvolvimento do cérebro do feto. As pesquisas foram mais além, descobrindo que crianças em contato com esse princípio ativo apresentam uma redução de até 2,5 pontos de QI (Quociente de Inteligência). No Brasil, em 2009 foram comercializados 3 toneladas de agrotóxico. Nove anos mais tarde, em 2017, esse volume ultrapassou o dobro de 2009, chegando a 6,4 toneladas.
 O que está ocorrendo no Brasil com os alimentos consumidos pela população é algo insano, passivo de medidas intervencionistas de organismos internacionais como a FAO/ONU contra o governo brasileiro. Já é provado que o alimento que chega à mesa de milhões de brasileiros vem de produtores familiares, que pouco apoio recebe dos governos em forma de subsídios. O grosso dos recursos ou subsídios públicos é destinado ao agronegócio, que atua no cultivo de poucas culturas como a soja, cana de açúcar, algodão, milho, para exportação.
O maior importador de soja subsidiada com dinheiro público no Brasil é a China, que transforma essa commoditie em ração para alimentar o gado. A cana, grande parcela é para produção do etanol como combustível para a indústria automobilística. Portanto, o discurso apresentado pelo agronegócio reafirmando que esse seguimento é a alavanca para o progresso do Brasil, não condiz com a realidade. Os preços pagos pelos insumos agrícolas, fertilizantes, sementes e químicos comercializados no Brasil são convidativos ao produtor, não pelo fato de haver concorrência, mas pelos benefícios fiscais recebidos pelas grandes corporações do setor instaladas no Brasil.
A agroecologia que é um sistema milenar de cultivo e adotado por quase todas as civilizações tende a reverter o futuro sombrio da alimentação no planeta. Antes da Revolução Verde expressiva parcela da população estava concentrada no campo adotando práticas agroecológicas de baixo impacto ambiental. Cada agricultor produzia grande diversidade de culturas, parte dessa demanda colhida era comercializada na própria comunidade ou municípios vizinhos.
Na época se produzia arroz, feijão, milho, amendoim, batata, cebola, mandioca, etc, sem o uso de ferramentas modernas e insumos químicos como agrotóxicos para o combate de pragas. No entanto, o mapa da fome no mundo e no Brasil era muito menor que os registrados atualmente. A revolução verde abocanhou pequenas propriedades rurais ampliando desse modo a concentração de terras no Brasil.
A população do campo se viu pressionada a entregar suas terras aos bancos para o pagamento de dívidas de empréstimos que se tornaram impagáveis frente aos juros exorbitantes cobrados pelos bancos. Um enorme exército de pequenos e médios proprietários rurais se vê despossuídos de suas terras e são empurrados para as periferias das cidades.
O campo cada vez mais se moderniza na ótica do capital, se especializando em culturas específicas e de elevado impacto ambiental. A contradição que se vê nesse modelo agrícola inspirado na revolução verde é o discurso exortado pelos seus defensores afirmando que a Revolução Verde poria fim a fome no mundo. Os relatórios de estudos apresentados por organizações que monitoram a fome no planeta confirmam que milhões de pessoas estão a mercê de uma hecatombe sem precedente. No entanto nunca se produziu tanto como atualmente, porém a fome vem aumentando em escala geométrica.  O fato é que o que se produz são culturas que são definidas pelo mercado que seguem cotações diárias, como cana, soja, fumo, para produção e ração e combustíveis.
Hoje quem decide o que produzir e a quantidade é o mercado, independente se milhões de pessoas passam fome por falta de alimentos. De tempo em templo o governo lança números otimistas das safras de grãos no Brasil, sempre afirmando equivocadamente que o agronegócio é o que dá suporte a balança comercial, pois sem ele o Brasil quebraria.  O próprio governo federal é o principal garoto propaganda desse perverso modelo agrícola nada sustentável.
Armar o campo vem se revelando como meio eficaz para perpetuar a perversidade desse modelo produtivo agressivo alimentado pela ganância e destruição de biomas e comunidades tradicionais. Quanto aos subsídios assegurados às companhias que comercializam agrotóxicos e outros insumo no Brasil, na última quinta feira, 27 de junho de 2019, o MPF de Brasília, realizou audiência pública para tratar do assunto. Foram inúmeras entidades que participaram do encontro. Um dos participantes afirmou que em 2018 do governo brasileiro deixou de arrecadar 2,07 bilhões de dólares em impostos relativos aos agrotóxicos. De cada dólar gasto com agrotóxicos, 1,28 dólares são destinados somente para tratamentos de desintoxicação de pessoas pela ingestão desses produtos.
No fórum foram relatadas experiências relevantes que estão sendo adotadas por países como a Dinamarca, onde 10% das fazendas do país estão adotando o cultivo de orgânicos. Em 2017, treze por cento das vendas de alimentos na Dinamarca foram de orgânicos. Para estimular ainda mais esse seguimento os governos vêm intensificando as políticas de subsídios aos agricultores que desejarem ingressar nessa atividade.  
No encontro citaram o exemplo da Tributação Verde adotada em Santa Catarina, que é pioneira no Brasil. O decreto da Tributação entrou em vigor em abril de 2019 onde são taxados fungicidas, herbicidas, pesticidas, entre outros químicos de uso agrícola em 17% em tributos. É um exemplo que poderia ser copiado por outros estados da federação, abrindo caminho para a inserção de uma nova cultura voltada ao cultivo de orgânicos.
Lembraram os presentes do fórum da ADI n. 5553, que julga a constitucionalidade do decreto n. 7.660/2011, sobre isenções fiscais ao comércio de agrotóxicos no Brasil. A ADI tramita no STF desde 2006. O decreto promoveu incentivos fiscais como o abatimento no pagamento de ICMS e IPI para 24 substâncias ou princípios ativos. O argumento dos defensores do fim desses benefícios é que não é razoável beneficiar setores ou produtos que contribuem para a degradação do meio ambiente, bem como no aumento de doenças oriundas do consumo de água e alimentos com presença de agrotóxicos.
Prof. Jairo Cezar 
   




Nenhum comentário:

Postar um comentário