segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019


REFORMA DA PREVIDÊNCIA PODE SER COMPARADA A UM “BRUMADINHO” DENTRO DE SUA CASA

Passado o período de lua de mel eleitoral do governo Bolsonaro, que não chegou durar dois meses, a população já assimilou o primeiro golpe quando veio a público a proposta da reforma da previdência que ataca conquistas históricas. O que todos questionam é por que tanto interesse de mais uma reforma se já há pouco tempo ocorreram outras duas importantes mudanças nas regras de aposentadorias e trabalhistas, uma em 2013 que criou o fundo de previdência privada, e a mais recente, em 2017, a reforma trabalhista, que legalizou a contratação de trabalhadores intermitentes, terceirizados, entre outros aditivos.
 São dispositivos legais que possibilitam a retenção de vultosas somas de recursos dos trabalhadores nas mãos do governo e dos donos do capital. Somando-se a reforma previdência de 2013 e a trabalhista de 2017, ambas já, aparentemente, se mostravam ter concluído as recomendações do sistema rentista e predatório do capital, que empobreceu um pouco mais a população.  Em 2016, levantamento feito pelo IBGE revelou que mais de cinqüenta milhões de brasileiros estavam abaixo da linha da pobreza, ou seja, possuíam renda mensal inferior ou igual a R$ 350 reais/mês.
É claro que dois anos depois esses números devem ter se elevado ainda mais. Mas o mercado quer mais, não se contenta com que vem abocanhando dos países cada vez mais miseráveis. A expertise dessa vez foi indicar alguém mais experiente, estatuto e insensível, que não se rendesse às lamentações de milhões de brasileiros que se esperneariam no instante que conhecesse o maldoso plano de reforma previdenciária que condenaria à escravidão às próximas gerações de trabalhadores. Deve ser entendido que as reformas já executadas pelos governos anteriores e que a proposta prevista, são imposições do grande capital.
O ajuste fiscal é exatamente o que se pretende, limitar o máximo de recursos públicos para saúde, educação, seguridade, sobras para o pagamento bilionário dos juros da dívida pública. Notaram que no instante que o projeto deu entrada no congresso as bolsas reagiram positivamente no mundo todo. Imagina, são cerca de 1trilhão de reais economizados nos próximos 10, 20 anos, dinheiro de pessoas que se aposentariam nos próximos dez e que terão que trabalhar por mais cinco ou dez anos além do tempo estabelecido.
Será um massacre contra a população que começa cedo a atividade laboral, 10 anos ou até menos idade para sobreviver. O que está por trás dessa farsa criada sobre o déficit da previdência, repetida a exaustão pelo governo, é o pomposo fundo previdenciário privado, que forçará o trabalhador a criar poupança que lhe garanta algum ganho quando se aposentar.
O processo é distinto do atual modelo que tem como premissa o compartilhamento solidário, ou seja, trabalhadores, patrões e governo, participam depositando parte dos recursos no fundo previdenciário que lhe são devido. A proposta do governo é romper o princípio solidário, que é assegurado pela constituição de 1988. Se aprovado o texto como está, cada trabalhador poderá depositar o valor que lhe convém a um fundo particular, com promessa de “capitalização” até o momento que estiver apto para se aposentar.
E quem não tiver a “sorte” de criar esse fundo, como fica? A promessa do governo é que completará esse valor até chegar ao patamar de um salário mínimo. Todos nós sabemos o poder de compra hoje do salário mínimo. O futuro do salário mínimo não é nada animador, pois a cada ano o governo vem promovendo reajustes abaixo da inflação. O trágico dessa proposta é que foi inspirada em países, como o Chile, que provaram ser um tremendo fracasso. No Chile, 9 de cada 10 aposentados ganham menos de 60 do salário mínimo, que é de 450 dólares.
Os índices de suicídio de idosos no Chile tiveram crescimento elevado desde a implantação da reforma previdenciária. O estranho e até mesmo compreensível é o silêncio dos protagonistas da reforma, Paulo Guedes e Armínio Fraga, em não mencionar em suas falas tais episódios funestos.    Por que será o silêncio? O que falam é que a reforma será bom para o mercado, pois sendo aceita pelo mercado, a população terá benefícios futuros.  
Alguém lembra ter havido na história brasileira algum momento em que o mercado foi bondoso para a sociedade?      Acredito que ninguém.  Outra pergunta: quem se lembra da famosa frase dita pelo economista Delfin Neto, quando foi ministro durante os governos militares, Costa e Silva, Médice e Figueiredo? O slogan era: “Fazer o bolo crescer, para depois dividir”.  Até hoje a população brasileira vem esperando parte do bolo prometido, que nunca veio e virá.
Qualquer economista, com um pouquinho mais lucidez, sabe que o empobrecimento da população não é um bom negócio para a economia de nenhum país. Menos consumo de alimentos, energia elétrica e outros bens de consumo comprometem a produção. Isso é fato, não mesmo? É o que ocorrerá com o Brasil no futuro muito próximo, quando 9 de cada 10 idosos tiverem que roubar, como já acontece no Chile, para ser preso e sobreviver, pois sabem que na prisão poderão se alimentar.
A alegação dos porta vozes do mercado é que com a aprovação da previdência as taxas de juros irão cair, atraindo a confiança dos investidores. Jogar a culpa na previdência social, à elevação dos juros e o baixo investimento na produção, é algo quase que insano. Todos sabem que as taxas de juros têm vetores variáveis políticos, e não fatores da previdência.
Outro detalhe importante que o governo se recusa esclarecer para a sociedade. A reforma da previdência não vai resolver o déficit da previdência, ao contrário, vai se elevar ainda mais. Como isso ocorrerá? No instante que o cidadão migrar para o fundo de capitalização não irá mais contribuir para o sistema solidário. Portanto, o governo terá perda de recursos necessários para o pagamento dos atuais e futuros aposentados nos próximos quarenta anos.
No sistema atual os trabalhadores do serviço público recolhem 11 por cento para o fundo, o governo contribui com a alíquota de 22% como empregador. Outro aspecto a ser considerado, os servidores públicos têm hoje de cobrir aposentadorias dos militares e congressistas. Esses dois estratos do serviço público causam juntos déficits consideráveis da previdência, pois não contribuem o suficiente em comparação do gasto que se tem com suas aposentadorias.
Ninguém do governo ou setores do congresso, em nenhum momento alertou que tal reforma irá desfigurar dispositivos importantes da Constituição relativas à seguridade social. E por que não tocam nesse assunto? A resposta é simples. Tudo que estiver fora do texto da constituição será mais fácil de promover alterações no futuro. Sendo assim, ninguém impedirá que nos próximos 5 ou 10 anos, novas alterações ocorram no texto da reforma como a ampliação do tempo para aposentadoria para homens e mulheres.
Para desmentir o que o governo vem afirmando sobre os servidores públicos, hoje essa categoria tem o tempo mínimo de contribuição de 25 anos, e o da iniciativa privada de 20 anos. O que se pretende agora é criar uma alíquota igual para todos até o limite de R$ 5.800,00 que é o teto da previdência. A partir desse valor, as alíquotas se tornam diferentes e progressivas até atingir 22%. Agregando esse percentual da alíquota mais importo de renda, cobrado na fonte, o servidor público terá metade de sua renda comprometida.
Acredito que poucos devem saber que a proposta maldosa de reforma do governo Bolsonaro não excluirá nem mesmo os aposentados. Na proposta aparece a alíquota extraordinária acima de 22% que pode ser cobrado pelos estados para resolver suas caixas. É importante que se diga que esse projeto de reforma é, sim, confiscatório, no qual intensificará o empobrecimento e o aumento dos gastos com saúde pública e segurança pública. Uma população empobrecida resulta no aumento de doentes e da população carcerária. A tendência é a elevação assustadora dos gastos com saúde pública e a construção de mais e mais presídios. Não nos esqueçamos da tragédia de Brumadinho que matou mais de duas centenas de pessoas. A reforma da previdência será, sem sombra de dúvida, milhares de "brumadinhos" acontecendo progressivamente dentro das casas dos brasileiros. 
Prof. Jairo Cezar
OBS: Texto produzido a partir de entrevista concedida pela Professora de Economia da UFRJ, Denise Lobato Gentio, ao programa Faixa Livre do dia 22/02/2019.
         


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