quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019


SANTA CATARINA, “LABORATÓRIO” DAS POLÍTICAS REFORMISTAS NA EDUCAÇÃO PÚBLICA

No começo da última década em diante o processo de depreciação do sistema educacional público adquiriu proporções assustadoras, cujos resultados nas avaliações do IDEB e PISA, colocam o Brasil nas últimas posições entre os países que integram a OCDE.  Uma das principais reformas ocorridas no final da década de 1990, a lei 9394/96 que instituiu a nova LDB, não foi suficiente para superar os gargalos históricos que impedem o Brasil de dar um salto de qualidade na educação. Essa guinada à revolução do ensino não ocorre e não ocorrerá pelo fato dos principais articuladores desse projeto reformista estarem vinculados a um plano político conservador em escala global, onde segue a lógica do consenso capitalista.
O controverso e polêmico PNE (Plano Nacional de Educação) que tramitou nas instâncias do legislativo federal por anos até sua aprovação em 2014 se notabilizaram em uma tênue esperança de reverter um quadro desolador sobre a educação pública brasileira. Diante de um cenário político confuso, de denúncias generalizadas de corrupção e de pressões dos credores no cumprimento das metas de inflação, cada vez mais saúde, educação, segurança, previdência etc., foram se transformando em bodes expiatórios das contínuas crises de gestão.  Já é praxe todo começo de governo as primeiras notícias divulgadas pelos porta vozes dos palácios são cortes e mais cortes no orçamento para o cumprimento de metas fiscais.
Adivinha qual o setor sempre mirado pelos governos de plantão pelos cortes? O processo de reforma conservadora da educação teve continuidade com a aprovação na nova BNCC (Base Nacional Curricular Comum) em 2018 que excluiu o ensino médio por ter sido contemplado por legislação própria. Tanto a base nacional curricular quanto a reforma do ensino médio ambos tem como pano de fundo transformar a educação brasileira em um produto mercantilizável, ou seja, um negócio a disposição do mercado. Nessa perspectiva, o discurso mais corriqueiro dos burocratas que integram os governos de plantão são tornar o Brasil uma potência e que isso deve acontecer pela melhoria da educação.
Quem conhece o chão das escolas públicas, o dia a dia dos professores, sabe que tais discursos são vazios. Hoje em dia quase 90% das escolas públicas brasileiras não apresentam as mínimas condições de infraestrutura para o exercício da profissão docente. Outro agravante são os salários recebidos pelos profissionais do ensino, onde recebem proventos abaixo do piso estabelecido por lei federal.  A eleição de Bolsonaro em 2018 acendeu o sinal amarelo para diversos seguimentos da sociedade, dentre elas a já decadente educação pública.
Tal pessimismo se dá quando nos discursos de campanha intensificou ataques inflamados ao currículo, considerando-o ideológico pelo fato de abordar princípios pedagógicos inspirados nas obras do educador Paulo Freire. Somente isso é suficiente para justificar a frágil compreensão desse governo em termos de correntes pedagogias e, principalmente, conceituação de ideologia.  O que peca no discurso e no próprio plano de governo é a inexistência de estratégias coerentes capazes de promover a chamada “revolução da educação”, como apregoam seus protagonistas de plantão.
O mesmo quadro negativo refletido pelos educadores frente ao projeto ultraconservador do governo federal, também é sentido no estado de Santa Catarina, com a eleição de Carlos Moises, aproveitando a onda bolsonarista. Tanto lá quanto aqui, o programa apresentado para a educação não deixa claro as estratégias para promover a transformação pretendida para a educação. Se no plano federal, a política do governo para a educação é enxugar o currículo dando destaque às áreas “exatas” às humanas. No instante que um plano de ensino sobrevaloriza áreas em detrimento de outras, está implícito um projeto de sociedade fragmentado, de sujeitos acríticos, maleáveis e dóceis.
Em nenhum momento se alimentou a esperança de que fosse indicado um nome à pasta da educação fora dos quadros do projeto reformista neoconservador. No governo anterior, as reformas impositivas à educação pública estadual já assinalavam um explícito retrocesso no ensino público. O que foi construído e se avançou em termos de educação transformadora, iniciada a partir do primeiro congresso internacional de educação no estado em 1998, foi se esvaziando com o passar dos anos.
As Propostas Curriculares e os PPP (Projetos Políticos Pedagógicos) foram teoricamente os poucos instrumentos relativamente transformadores conquistados pela escola pública catarinense na sua longa e difícil jornada de tentativa de consolidação profissional. Todos os anos nos dias que antecedem ao ano letivo, professores e demais profissionais do ensino se reúnem para redirecionar os caminhos que a escola seguirá durante o ano. Como é de praxe, a leitura de parágrafos do PPP segue um rito quase que sagrado pelos profissionais. Quando se tenta conciliar proposições do projeto pedagógico com os discursos gravados por membros do governo estadual e exibidos aos professores, vem a decepção.
Aquilo que se propugna como escola transformadora, capaz de superar as contradições e as desigualdades sociais, se transforma em revolta quando se sabe que o cargo de gestor executivo da pasta da educação estadual será ocupado por alguém afinado ao plano de mercantilização do ensino. Exatamente isso. No governo anterior, o secretário estadual de educação atualmente presidente do CNE (Conselho Nacional de Educação), firmou parceria com a FIESC (Federação Indústrias do Estado de Santa Catarina) e institutos como a fundação Ayrton Sena, para alavancar o programa reformista do ensino público.
Conforme relatou integrante da UNDIME (União dos Dirigentes Municipais) em encontro ocorrido em 2017 em Florianópolis, o mesmo afirmou que a FIESC está concentrando esforços para que até 2024 todos os municípios catarinenses possam ter cumprido as 20 metas o Plano Municipal de Educação. Não relatou o membro da entidade acima que até o momento, nem um terço das metas foram cumpridos, principalmente a meta sobre a oferta do ensino infantil. Em âmbito estadual, a realidade não é diferente. O atual secretário da educação foi escolhido seguindo critérios compatíveis ao programa de parceria firmada entre FIESC, FECOMÉRCIO, UNDIME e Governo do Estado, todos em “defesa da educação”.
Em sua fala já como secretário da educação disse: “meu papel como gestor da educação será o desenvolvimento sustentável da indústria, inovação e aperfeiçoamento da gestão e a intervenção entre as empresas e as instituições de ensino e pesquisa”. Como membro do Instituto Euvaldo Ladi, entidade da federação das indústrias do estado de SC, sua atuação na entidade esteve pautada no desenvolvimento de estratégias para o fortalecimento da educação e inovação tecnológica.
Quando se trata de inovação tecnológica se subtende que as escolas estejam bem estruturadas com laboratórios aptos para o aprimoramento dessas habilidades cognitivas dos estudantes. É importante o secretário saber que todos os laboratórios de informática que funcionavam precariamente foram desativados em 2017. Hoje o que restam nas escolas é um amontoado de equipamentos sucateados e inutilizados ocupando espaços em salas, estantes e armários. Os poucos aparelhos que sobraram, a exemplo da EEBA de Araranguá, que possui quatro sistemas funcionando precariamente, estão disponíveis na biblioteca para atender cerca de 800 estudantes.
Essa é a inovação tecnológica que se quer desenvolver nas escolas públicas da rede estadual de ensino de Santa Catarina, sem laboratórios de informática? Não há dúvida que serão quatro anos de intenso massacre aos professores da rede estadual. Se fosse diferente, não teria uma deputada eleita pelo mesmo partido do governador de Santa Catarina, assumindo uma postura ridícula de estimular os pais e estudantes a gravarem e denunciarem nas redes sociais, professores que apregoassem opiniões contrárias ao governo federal, na lógica da “escola sem partido”, proposta ridícula apregoada por mentes doentes.
O fato positivo foi a decisão lúcida de um ministro do STF de ter derrubado decisão judicial da corte de Santa Catarina que assegurava a permanência da página da deputada disponível para publicar denúncias de professores em sala de aula. Tal postura da deputada é uma afronta a própria constituição federal, que assegura direito aos professores de exercerem sua profissão sem com liberdade. Essa ação da deputada como de outros que compartilham dessa postura nefasta e nada producente, é semelhante à adotada no regime militar quando cidadãos eram vigiados, presos, torturados e mortos, só pelo fato de terem opiniões e pensamentos divergentes ao regime.
Em se tratando de caos generalizado na educação pública da rede estadual, o problema atinge também escolas tradicionais e reconhecidas no estado inteiro por seu excelente serviço pedagógico oferecido à população. O exemplo é a Escola Básica Castro Alves com mais de 60 anos de existência, que hoje se definha dominada por problemas estruturais onde põe em risco diário cerca de 1000 estudantes. O quadro é tão desolador que na primeira semana do início do ano letivo a escola virou notícia nos principais veículos de comunicação do município e região.
As reportagens ressaltaram as demandas estruturais da escola que há anos não recebe qualquer manutenção. Se a unidade está ainda em funcionamento se deve ao empenho dos professores e da comunidade num todo que todos os anos realizam eventos para arrecadar recursos visando reparos estruturais paliativos. Somado a forros e paredes quase desabando, a escola sofre com ar condicionados que não funcionam, quedas de energia, assentos destruídos, etc. Não incluiu nessa reportagem o aspecto pedagógico, que também sofre os mesmos descasos que os estruturais.[1]
Até quando devemos esperar por soluções. Fatos como aqui relatados fazem lembrar as tragédias ambientais de Minas Gerais, os incêndios da Boate Kiss, Museu Nacional do Rio e o centro de treinamento do flamengo com centenas de vidas ceifadas pelo descaso das autoridades. Tanto a Escola Básica Castro Alves como a EEBA, ambas vem há anos dando sinais visíveis de que algo trágico poderá ocorrer.  É preciso que tragédias com vidas perdidas ocorram para depois tomar providências e ouvir lamentações e desculpas?
A esperança mais uma vez contra as mazelas às escolas públicas e ataques previstos aos direitos dos professores é a organização da categoria. Foi através disso que asseguramos algumas conquistas como a descompactação da tabela salarial e a não municipalização de algumas escolas da rede estadual. Não há dúvida que o estado de Santa Catarina servirá como laboratório das reformas educacionais propostas pelo governo federal, pois é o único estado cujo governo é do mesmo partido de bolsonaro.

Prof. Jairo Cezar             


[1] https://uaaau.com.br/educacao/castro-alves-pede-socorro

Nenhum comentário:

Postar um comentário