segunda-feira, 27 de março de 2017


COMO FORAM TRILHADOS OS CAMINHOS QUE RESULTARAM NA MAIOR ONDE DE ATAQUES AOS DIREITO DOS TRABALHADORES


Passados quase vinte anos da hegemonia petista a frete da presidência da república, a assembléia estadual do Sinte e as manifestações de rua, ambas ocorridas no do dia 15 de março de 2017, fizeram emergir antigas e costumeiras práticas de lutas, quase esquecidas e até mesmo desconhecidas pela maioria dos jovens. A primeira delas foi o surpreendente consenso de quase todas as forças políticas que integram o Sinte, que propuseram o início da greve no magistério estadual a partir do dia 20 de março. Essa proposta de data foi refuta pela maioria do público presente na assembléia, alegando não ter havido consulta e discussão na base.


Como proposição alternativa, foi sugerida e aprovada a data do dia 28 de março, onde haverá outra assembléia estadual, para deliberação ou não de paralisação dos trabalhadores do magistério público estadual por tempo indeterminado. A segunda cena curiosa foi a presença expressiva de bandeiras tremulando nas mãos de integrantes de centrais sindicais como a CUT e CTB, pouco vistas em manifestações nos últimos 15 anos de regime petista. O terceiro e último episódio “quase” inusitado foi a presença políticos, deputados federais e estaduais, do partido dos trabalhadores e de outros antigos aliados ao governo petista, caminhando lado a lado com os manifestantes e gritando palavras de ordem contrárias as reformas. 


Talvez a grande maioria dos manifestantes presentes em Florianópolis nesse dia, por desatenção ou desconhecimento dos fatos, não fizeram a mesma leitura em relação aos fatos mencionados acima. A pergunta que muitos gostariam de fazer é por que episódios “ditos isolados” como acima narrados devem ser frisados e merecedores de reflexões por parte da categoria do magistério, entre outras. O fato é que historicamente o povo, as demais categorias de trabalhadores em especial, suas opiniões e decisões sobre engajar-se ou não às lutas por conquistas de direitos, geralmente sofreram certo tipo de pressão ou influência de agremiações partidárias, entidades sindicais, etc, onde compartilhavam interesses comuns.


Até o final da década de 1990 havia certo consenso político e ideológico envolvendo categorias profissionais e movimentos sociais. Todos, com raras exceções, possuíam absoluta clareza quanto aos seus objetivos e os caminhos que deveriam trilhar para romper com um regime que explorava e aniquilava milhares e milhões de trabalhadores. Digamos que naquele momento, o capitalismo era o inimigo número um a ser perseguido e abatido, e o socialismo/comunismo, a esperança, a utopia possível. Desde a sua fundação em 1980, o partido dos trabalhadores alimentava essa vontade quase inconsciente em suas lideranças, bem como milhares de ativistas e simpatizantes, até a chegada ao poder em 2001, com a eleição de Lula.


Do dia para a noite, os que tinham prometido fartura, abundância, até mesmo o paraíso celeste (pós-morte, é claro) entraram em um longo período de hibernação. Progressivamente os discursos, antes inflamados e apaixonados, foram se suavizando, estatutos sendo alterações, tornado-se mais palatáveis e pragmáticos à ordem capitalista e às centrais sindicais, como a CUT. O fato é que uma legião de lideranças sindicais, agora aliados, foi absorvida em cargos de segundo e terceiro escalão em secretárias de estatais federais, outros tantos cooptados para formatação de consensos entre trabalhadores, categorias profissionais e governos.
Aquilo que muitos imaginavam que pudesse ocorrer, ou seja, a construção de uma ampla coalizão popular para o progressivo processo de ruptura das práticas seculares de exploração, nada disso aconteceu. No lugar de ações impactantes como reforma agrária e política, o que propôs o “governo popular” de Lula foi costurar alianças com partidos e setores reacionários do capital. Essa atitude intempestiva do partido dos trabalhadores provocou indignação e até mesmo o abandono definitivo de lideranças importantes fundadoras do partido.


Em vez de medidas que favorecesse milhões de trabalhadores esperançosos por salários mais compatíveis, saúde, segurança e educação dignos, três anos depois de ter tomado posse, veio a primeira das muitas medidas antipopulares que favoreceriam exclusivamente os donos do capital. A REFORMA DA PREVIDÊNCIA de 2003, que deu prosseguimento ao programa neoliberal do governo FHC, em 1998, foi uma delas. Depois veio o grande pacote de medidas reformistas antipopulares do governo Dilma, o chamado AJUSTE FISCAL, que já serviria de tubo de ensaio para a reforma previdenciária de 2015 e de sua continuidade no começo de 2017 na era Temer.   Tudo em prol dos bancos, corporações, fundos de pensões, ambos controladores dos mercados de ações e papeis das dívidas públicas dos países subdesenvolvidos.
Tanto a reforma da previdência como a trabalhista, ambas estavam passando por estágios de encubação nos governos Lula e Dilma. Lembram da Emenda Constitucional 41, que estabeleceu, em nome da “justiça social”, o teto máximo de remuneração para os trabalhadores do sérvio público em 2.400 reais e contribuição de 11% para aqueles que quisessem exceder o teto. Foi um ataque direto aos servidores públicos, punindo-os com o fim da integralidade salarial. Além do teto máximo de remuneração, a EC-41, impôs outras maldades aos trabalhadores que o próprio FHC não conseguiu implementar com a proposta da PL-9 de 1999, que estabelecia os fundos de previdência complementar, que foi reprovada graças a oposição do PT no congresso nacional.   
Outros pontos contidos na proposta de emenda e combatidos pelos trabalhadores sem sucesso foram: a) imposto para inativos, aposentados e pensionistas; b) idade mínima para ter direito a seguridade; c) redução do valor das pensões e a quebra da paridade e da integralidade dos proventos. Na época da aprovação dessa emenda, surgiram indícios de que o partido dos trabalhadores teria promovido verdadeiro movimento para a aprovação da emenda que alterava a previdência seguindo as recomendações do FMI. Segundo o boletim n. 30, de abril de 2016, do SINDESEF-SP, filiado a CSP-CONLUTAS, a aprovação da emenda ocorreu graças a compra de apoio político e votos de parlamentares.[1]
Não há dúvida que tal proposta de reforma teve o apoio direto de parlamentares e segmentos ligados aos fundos de pensão, beneficiados com a possibilidade de acumular lucros bilionários dos trabalhadores que recorressem ao plano de aposentadoria complementar. Mesmo com toda pressão dos trabalhadores, a proposta foi aprovada no congresso e homologada pelo governo Lula.
Embora o capital vislumbrasse no segundo governo Dilma a possibilidade de elevar seus lucros, muito maior até que na fase do boom econômico, 2011 a 2014, de crédito abundante, suprimi-la do poder, como o fizerem no final de 2016, através de impeachment, ampliaria as chances das forças ultraconservadoras de assumirem definitivamente as rédeas do Estado para agilizarem as amplas reformas estruturais, iniciadas com Dilma. O ajuste fiscal e a EC-47, que estabeleceu novas regras para aposentadoria, se constituiu em caminho já trilhado pelo PT e que Michel Temer aproveitaria para dar continuidade, cloro que seria feito sem qualquer pudor e com o apoio inicial da classe média brasileira. Lembram das manifestações de ruas dos vestidos de amerelo e verde?  
O que muitos não imaginavam talvez até os que foram às ruas vestidos de trajes patrióticos para defender o impeachment, foi o modo brutal como a proposta de reforma previdenciária foi elaborada que retira o direito de aposentadoria para quase todas as categorias, elevando o tempo de contribuição para ter direito a uma remuneração integral, para pelo menos 49 anos ou 72 anos de vida. Outro detalhe, se o cidadão/ã quiser se aposentar aos 65 anos deverá começar a trabalhar a partir dos 16 anos de idade. Numa conjuntura econômica instável e desfavorável ao trabalhador como a atual e com perspectivas nada animadoras para os próximos anos, poucos serão os que serão absorvidos no mercado formal de trabalho. Com isso as idades para a aposentadoria se elevarão.
O rolo compressor neoliberal não esmaga somente a previdência dos trabalhadores. Outra bomba relógio que está sendo armada pelo governo e setores conservadores do congresso nacional é a reforma trabalhista, mais destrutiva ainda que a reforma previdenciária. Ou seja, é a primeira vez nos quase 70 anos de CLT que os trabalhadores estão sendo submetidos a uma terrível onda de ataques contra direitos conquistados através de lutas.
Se a reforma trabalhista for aprovada como se pretende, provavelmente com o apoio de dezenas de sindicatos e centrais trabalhistas pelegas, os trabalhadores serão submetidos a um regime de submissão que muito se assemelhará ao século XIX, com jornadas longas e extenuantes, sem férias, décimo terceiro e seguro desemprego.  A aprovação na câmara, na quarta feira, 22 de março de 2017, do projeto que regulamenta a terceirização irrestrita para todos os seguimentos laborais, consiste no fim definitivo da CLT e a decretação de um processo de espoliação contra o trabalhador jamais visto na história brasileira.
Acredite, a terceirização beneficiará exclusivamente o empresariado sedento por lucros, ou seja, o capital. Isso porque, com a contratação do trabalhador/a terceirizado/a, o custo financeiro com o mesmo será de 30 a 40% menor que o formal. Além do mais, com a redução salarial, estados e municípios poderão sofrer uma forte estagnação da suas economias, pois reduzirá o poder de compra do trabalhador. Centenas de pequenos municípios brasileiros sobrevivem hoje graças a renda dos aposentados. Menor ganho salarial redundará também numa menor contribuição previdenciária e tributária.
O fato é que já havia há algum tempo discussões sobre o tema terceirização com organizações trabalhistas no Brasil inteiro. No entanto, pegou muita gente de surpresa, até mesmo políticos envolvidos nesse debate, quando do desengavetamento de outro projeto formatado na década de 1990, muito pior do que estava sendo debatido. A proposta coloca os trabalhadores numa condição de precarização absoluta do trabalho, podendo até o contratante admitir força de trabalho por tempo parcial. Isso permite a legalizado os chamados bicos, ou seja, um trabalhador pode ter vários contratos temporários. Adeus férias, décimo terceiro e, por fim, aposentadoria. Quanto ao direito à greve, o projeto de lei se aprovado autoriza a contratação de substitutos terceirizados e temporários para ocupar a vaga dos grevistas.
Enfim os trabalhadores brasileiros estão diante de um cenário preocupante, capaz de retroagir suas condições laborais e de direitos ao século XVIII. Para as empresas, será muito mais lucrativo demitir o trabalhador concursado e contratá-lo novamente. Isso deve ocorrer em setores mais sensíveis e lucrativos como bancos e grupos de comunicação. Na realidade foi o setor financeiro, banqueiros em especial, os que mais atuaram nos bastidores do poder para a aprovação dessa lei.
 As organizações sindicais como a CUT vêm se mobilizando para tentar reverter esse desmonte no sistema trabalhista brasileiro. No entanto, mesmo assim, as centrais não conseguem se entender e tomar posições conjuntas. O fato é que há centrais sindicais como a Força Sindical que é favorável a esse novo plano.   Aí estão, portanto, as contradições e mentiras deslavadas divulgadas pela mídia entreguista e pelo próprio governo para tentar convencer o povo em apoiar as reformas, bem como a terceirização, afirmando que são necessárias para reativar a economia e tirar o país da crise.
 Imagine agora, 49 anos de trabalho extenuante, semi- escravidão, possivelmente sem direito a férias, décimo terceiro e, por fim, sem perspectiva de que irá desfrutar da aposentadoria, pois certamente morrerá bem antes. Reajustes e ganhos reais de salários, também será outra utopia para quase todas as categorias profissionais.  A nova legislação trabalhista propõe suprimir o item que defende o acordado sobre o negociado que está na legislação do trabalho. Se o congresso aprovar esse ponto, o que valerá para os reajustes salariais será aquilo que for negociado, não o que está redigido na CLT.
Nessa perspectiva a tendência é de muitos jovens não quererem acessar ao sistema previdenciário por acreditar que jamais terão possibilidades de desfrutar os recursos ao qual contribuíram. Não há qualquer sinal de dúvida que a justificativa do governo para a reforma da previdência não é exatamente o que vem afirmando, que é deficitária e que implodirá no futuro. O que se vê através dos meios de comunicação especialmente dos próprios órgãos do governo é um abarrotamento de informações falsas que confundem a população. Está se misturando tudo, previdência particular (regime geral) e pública.  Ambas são distintas e seguem procedimentos próprios. A própria constituição federal não diz que o servidor público é parte da seguridade federal.
A previdência social que engloba assistência e atendimento à saúde é sim superavitária, porém, nas ultimas décadas os governos estão se utilizando de recursos do caixa da previdência para custeio de outros campos. Na verdade o discurso apresentado é, sim, ideológico, ou seja, repleto de interesses como forma de confundir ou jogar uma categoria contra outra. Lembram o que disse Fernando Henrique Cardoso na época da primeira reforma: “os aposentados são todos vagabundos”. Vê o absurdo. Somente em 2015, mais de 500 bilhões de reais foram utilizados para o pagamento de amortizações da dívida pública brasileira. Nesse mesmo ano os gastos com previdência foram de 460 bilhões.
Esses números aviltantes da dívida também escondem outros absurdos que merecem ser mencionados. Enquanto os valores previdenciários custeraram cerca de 90 milhões de brasileiros, os bilhões da dívida pública foram diretamente para  uma dezena ou centena de mãos. Não é um absurdo?  Outros dados que revelam a farsa da previdência. Entre isenções fiscais, dívida pública e sonegação fiscal, o Brasil deixa de arrecadar mais de um trilhão de reais por ano.
 Se fossem tomadas medidas como: a auditoria da dívida pública; fins das isenções e o combate as sonegações, o país poderia ter um aporte anual de recursos equivalentes a 40% desse montante, ou seja, mais de 400 bilhões de reais. Se o déficit previdenciário divulgado é de cerca de 200 bilhões anuais, os 40% vindos dos sonegadores, entre outros, não solucionariam o problema? A equação é simples. O falta então?       
As manifestações gigantes do dia 15 de março não há dúvida que serviu de termômetro para o governo Temer avaliar o cenário para manter ou tomar outras medidas quanto ao projeto de reforma previdenciária. A primeira vista, muitos até acreditaram que a fragmentação do projeto transferindo para os estados e municípios a responsabilidade com a reforma da previdência para os servidores públicos, seria algo positivo.  De repente caiu a ficha. A fragmentação proposta pode ser até muito pior que a proposta original.
Como um político experiente e astuto, a intenção do governo foi dividir os trabalhadores e inviabilizar a greve geral dos professores e outras categorias que estão previstas. No momento que joga para os estados e municípios a autonomia para promover suas reformas, as regras das aposentadorias deverão ter de se adequar aos dispositivos federais. Outro aspecto que favorecerá o governo. Lembram da PLP-343, que trata da proposta de RECUPERAÇÃO FISCA dos estados? Então, aí está a jogada. Os estados possuem dívidas com o governo federal, portanto, o acordo firmado com as unidades federativas para a renegociação das dívidas era de que fizessem os ajustes fiscais: congelamento dos salários, proibição de novos contratos e o aumento da contribuição previdenciária.
O curioso nisso tudo é que três dias depois da divulgação da notícia de que o governo federal excluiria do projeto os servidores públicos estaduais e municípios, no dia 24 de março, o governo Colombo, de SC, apresentava na casa da agronômica, o esboço do projeto SCPREV que trata sobre a aposentadoria dos servidores estaduais. Na realidade essa proposta de reforma do governo do estado já tinha sido apresentada em 2015. O texto traz itens que seguem a mesma fórmula do governo federal, isto é, estabelecer um teto máximo de 4.600 reais e criar um fundo complementar de 8% para o estado e servidores que quiserem obter um provento acima do teto. Os recursos do fundo seriam geridos por uma fundação privada. Foi possível entender agora a manobra do governo federal?  Uma luta que até então se projetava ser unificada, poderá se fragmentar, dando suporte ao governo federal na aprovação das reformas.
Prof. Jairo Cezar         




[1] http://www.sindsef-sp.org.br/portal/conteudo/jornais/encarte_nao-a-reforma-de-dilma.pdf

Um comentário: