quinta-feira, 16 de março de 2017

AS PRECÁRIAS POLÍTICAS DE SANEAMENTO BÁSICO EM ÂMBITO FEDERAL E O PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO EM ARARANGUÁ


No dia 19 de fevereiro de 2017, um domingo, o programa Fantástico da rede globo apresentou reportagem, que não causa mais estranhamento à população, sobre o caos do saneamento básico no Brasil. As informações e imagens divulgadas não deixam qualquer dúvida que a alta incidência de doenças epidêmicas como a Dengue, Zika Vírus, Chikungunya e agora a Febre Amarela estão estreitamente vinculadas às precariedades das políticas públicas de saneamento básico, que estão asseguradas pela constituição federal e outras resoluções, porém muito longe ainda de ser universalizada.



Entretanto, antes de discorrer sobre o que mostrou a reportagem e o atual cenário do saneamento no país, estado de Santa Catarina e municípios do extremo sul do estado catarinense, no quesito saneamento básico, é importante elencar as legislações em vigor referentes ao tema e as perspectivas para o futuro. Na verdade os planos de melhorias das condições de saneamento básico no Brasil, que envolve abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, etc., constam na Constituição Brasileira de 1988, nos artigos 1°, III, que trata sobre a dignidade da pessoa humana; e o Art. 225, onde afirma que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as atuais e futuras gerações.
Com base em tais prerrogativas constitucionais, em 2007, vinte anos depois de promulgada a constituição federal de 1988, o governo brasileiro finalmente sancionou a lei n° 11.445/2007 que estabeleceu as diretrizes sobre as políticas de saneamento básico brasileiro.  A finalidade desse programa, segundo artigo publicado no Portal Brasil em 2012 seria universalizar o serviço de saneamento básico até 2033.  Desde a promulgação da lei em 2007, já se passaram 10 anos. Todos os diagnósticos levantados apresentam um cenário pessimista quanto ao cumprimento do prazo previsto para que 98% do território brasileiro sejam cobertos com 98% de água potável; 88% com esgoto tratado e 100% dos resíduos sólidos coletados. 
É possível também perceber que um dos principais vetores responsáveis pela proliferação de doenças típicas de regiões tropicais como a dengue, ocorre devido ao não cumprimento das diretrizes constitucionais e da legislação sobre saneamento de 2007. Quanto aos estados e municípios que apresentam os piores indicativos de cobertura de saneamento por domicílio, a região norte e nordeste há décadas vêm liderando a lista em água tratada e coleta de esgoto. O documentário, “quem paga é você”,[1] exibido no fantástico, procura derrubar certos mitos que ainda permeiam o imaginário de cidadãos/ãs, até mesmo de políticos oportunistas, que tentam vender a imagem de que o sul do Brasil é exemplo de região pujante, de elevado nível de desenvolvimento social e saneamento básico.  Esse falso argumento vem servindo de pretexto para intensificar a difusão de propagandas separatistas da região com o restante do país.
Se o sul fosse realmente o que muitos ainda presumem, região modelo para o resto do país, o estado de santa Catarina não estaria na vergonhosa posição de 14° entre os demais 27 estados em número de domicílios atendidos por rede de esgoto. Esse percentual é referente a coleta de esgoto e não ao tratamento, que é muito menor ainda. Para quem mora no Rio Grande do Sul, deve ter sido constrangedor ter uma cidade como Gravataí na lista como uma das piores em recolhimento de esgoto, ficando na posição 94 entre as 100 cidades brasileiras.
 O município gaúcho é um exemplo da situação caótica do estado nesse quesito, e a tendência é piorar se for mantida a atual conjuntura de um estado basicamente quebrado financeiramente.  Das cinqüenta maiores cidades do RS, somente 30% do esgoto é coletado e, desse total, 15% é tratado. O quadro é mais preocupante ainda quanto as 316 localidades atendidas pela CORSAN (Companhia de Água e Saneamento) do Rio Grande do Sul que presta serviço para 6 milhões de pessoas de um total de 11 milhões que corresponde a população do estado. Apenas 12,78% das localidades atendidas pela companhia estatal gaúcha apresentam sistema de tratamento de esgoto.[2]
 No Brasil são 35 milhões de pessoas que consomem água sem tratamento. Quanto ao esgoto, a situação é mais assustadora, mais da metade das cidades não possuem ainda rede de coleta. Somente 42% do total de esgoto coletado são tratados. Isso significa que parte desses resíduos é lançada no solo, que escorre para as fossas pluviais, contaminando os lençóis freáticos, córregos, lagos, rios e oceanos. O que é estarrecedor são os gastos públicos com doenças no Brasil oriundas da falta de saneamento, que poderiam estar erradicadas se houvessem mais investimentos públicos. Quanto menos se investe em saneamento básico maiores são os gastos com internações hospitalares e tratamentos, especialmente com doenças que se proliferam devido a falta de higiene. De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde) a cada real investido em saneamento se economizaria 4 reais com doenças.
O inconveniente com o saneamento básico não é exclusividade do Brasil. No mundo, de acordo com dados da ONU, que reconheceu o saneamento básico como um direito humano em dezembro de 2015, mais de 900 milhões de pessoas não tem acesso a água tratada. O quadro é mais desolador quando se constata que o percentual de pessoas sem banheiros e esgotamento sanitário atinge os 2,5 bilhões.[3] É claro que a maior volume de pessoas desassistidas por tais políticas estão na Ásia, África e América Latina. No ranking dos 17 países latino americano que possuem relativa eficiência no sistema de coleta de esgoto, o Brasil ocupa a 10ª colocação, ficando atrás de países como Venezuela, Argentina, Uruguai, Chile, entre outros. O Chile cobre hoje 98% da população com água tratada. 
Foi a partir da declaração das nações unidas que a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) decidiu lançar como tema da campanha da fraternidade de 2016 (Casa Comum, Nossa Responsabilidade) uma referência a precariedade do sistema de saneamento básico, que afeta a todos. Em termos comparativos e também para corroborar que a afirmação acima é incontestável, os municípios de Franca/SP, o primeiro em saneamento, e Ananindeua/PA, o último, apresentam dados estatísticos referentes aos gastos públicos no tratamento de doenças provenientes da falta de higiene. O importante é que esses números podem servir de referências para os demais municípios e estados brasileiros.


Enquanto em Franca foram disponibilizados 405 mil reais no tratamento de diarréias; 12 mil com a dengue e 726 mil com a leptospirose, em Ananindeua, os números confirmam que a falta de políticas na área ambiental é uma das agentes das super lotações dos hospitais, especialmente as pediatrias. Observe os números e compare: em doenças diarréicas o município paraense gastou aproximadamente 18 milhões de reais; dengue foi 1.6 milhão e leptospirose, 44 mil reais. O volume de recursos em internações chegou a quase 20 milhões, ou seja, 47 vezes mais que Franca.
As cinco cidades que apresentam as piores taxas de saneamento estão localizadas no norte do Brasil, região que concentra o maior número de rios de água doce do planeta e com sérios riscos de contaminação. É na grande Belém, portanto, que está o município de Ananindeua, o último da lista dos 100 em saneamento. Com uma população de quinhentos mil habitantes, o município possui apenas 28,81% da população com água tratada. Das 10 cidades que apresentam os melhores parâmetros em saneamento básico (água e esgoto tratado) apenas uma se situa no nordeste, as outras nove ficam em Minas Gerais, São Paulo e Paraná, essa última com quatro cidades: Maringá, Ponta Grossa, Cascavel e Londrina.
A cidade com melhor percentual em água tratada e saneamento básico é Franca, no estado de são Paulo, com 99,96% de água tratada e 99,96 com sistema de rede de esgoto sendo que 98% são tratados. Na reportagem uma das moradoras do município paulista é entrevistada onde afirmou ser muito elevada a conta mensal, porém, está satisfeita pelos benefícios resultantes. O segredo do sucesso, segundo relatou um dos representantes do poder público do município paulista, é o planejamento que vem sendo feito há muitos anos.
Serão muitos anos e bilhões de reais necessários para reverter o estado caótico do saneamento básico no Brasil, segundo levantamento feito pela ONU. Somente na grande Belém, seriam necessários investimentos na casa dos 7 bilhões de reais. O fato é que quase toda a arrecadação do município é para o custeio da folha de pagamento, entre outras finalidades.  O incômodo não é somente em cidades do nordeste e norte que lançam seus esgotos nos córregos e rios. O município de São Paulo, um dos mais ricos do Brasil, joga direto nos rios os esgotos produzidos por cerca de seis milhões de habitantes.
Quem acompanha diariamente os noticiários dos tele jornais são comuns reportagens exibindo o esgoto sendo lançado nos principais rios que cortam a cidade paulista, o rio Tietê e o rio Pinheiros. Não bastava o mau cheiro, tem também os transtornos na cidade em dias de intensas chuvas, ocasionando inundações e deslizamentos nos morros. Há cerca de um ano a cidade de São Paulo enfrentou um dos maiores racionamentos de água da sua história, tudo por conta da falta de planejamento e fiscalização dos governos que se sucederam em relação aos mananciais que abastecem o município. 
Em 1986 foram detectados os primeiros mosquitos transmissores da dengue no Brasil. Se naquele momento fosse desenvolvido planos voltados para a universalização do saneamento básico no Brasil, hoje, 30 anos depois, certamente o país não estaria submetido ao drama de doenças há muito tempo erradicadas do cenário nacional. Segundo o presidente da sociedade brasileira de dengue e arboviroses, Artur Timerman, existem 65 vírus parecidos com a dengue, e oriundos do mosquito. Mesmo com o desenvolvimento das três vacinas que estão em fases experimentais, como a dengue, zika vírus, etc. outras dezenas de vacinas deverão ser produzidas para o combate das demais moléstias.


Outro ponto que chamou a atenção na reportagem e que merece uma análise reflexiva cuidadosa foi com relação ao município fluminense de Duque de Caxias, expondo um dos piores indicadores em saneamento no estado e no Brasil. É preciso ter muito cuidado e senso crítico quando se assiste reportagens como a que foi exibida pelo fantástico referente ao saneamento básico no Brasil. A reportagem pode estar repleta de vícios e interesses escusos, ou seja, querer aguçar a indignação da população com o que é público, convencendo-a que transferindo para a iniciativa privada o controle de seguimentos como saneamento básico, os problemas estarão solucionados.  A aprovação da venda da CEDAE (Companhia Estadual de Água e Esgoto) do Rio de Janeiro, pela Assembléia Legislativa, no dia seguinte a reportagem do fantástico, pode ter sido uma estratégia montada pela própria Rede Globo com intuito de neutralizar ou minimizar as manifestações contrárias a privatização.
  O problema do saneamento básico na cidade de Duque de Caxias como de outras tantas no rio não justifica a venda da companhia. Talvez fosse essa a finalidade dos últimos governos, sucatear ao máximo a companhia para depois vendê-la. Hoje a empresa cobre apenas 38.7% da população do estado fluminense. A situação do sistema de saneamento básico do estado se agravou ainda mais com os grandes eventos esportivos como os jogos pan americano, copa do mundo e olimpíada. Grande parte dos recursos disponibilizados tanto pela iniciativa privada como pelo estado foram destinados às obras voltadas para os eventos, produzindo a quase paralisia de investimentos em saneamento básico. Imperceptíveis foram as metas ambientais cumpridas pelos organizadores dos eventos, como o próprio município carioca.[4]
Com base em informações postadas no portal da transparência, o governo federal destinou para obras de infraestrutura esportiva no município do rio de janeiro o montante de 3.8 bilhões de reais.  No entanto, seguindo as políticas da generosidade, os jogos possibilitaram a isenção de impostos na mesma proporção para dezenas de empresas envolvidas direta e indiretamente nos preparativos das obras para os espetáculos. Dos quase quatro bilhões subsidiados pela união ao município carioca, foram investidos um pouco mais de 700 milhões de reais em saneamento urbano. Todos devem ter acompanhado o drama da baia da Guanabara, cuja meta de despoluição não foi cumprida, que atualmente o esgoto continua sendo despejado sem qualquer tratamento.
A Oscip Trata Brasil que desde a sua fundação em 2007 vem prestando serviço importante para a sociedade e governos, apresentando proposições voltadas à solucionar as demandas de saneamento básico, postou na sua página na internet, documentário de 36 minutos de duração, com o título: “A Realidade do Saneamento Básico no Brasil”. A reportagem exibe imagens e entrevistas com profissionais da área da saúde, engenheiros, pesquisadores, escritores, atletas, atores e cidadãos comuns, expondo suas opiniões acerca do saneamento básico brasileiro.  O que chama atenção no documentário é que as opiniões ou reflexões feitas pelos entrevistados trazem a sensação de isenção ou influência política partidária. Ninguém que ocupe cargos nas instâncias do executivo e legislativo foi entrevistado.
É importante ponderar aqui algumas reflexões feitas na reportagem do fantástico (casa comum, nossa responsabilidade) bem como estatísticas e números que contribuirão para mensurar a tamanha desproporção da cobertura dos serviços de saneamento básico que atinge a população. Na fala de uma das entrevistadas, ela se diz envergonhada por ter de transitar diariamente pelas marginais do rio pinheiro e tiete, cujas águas recebem toneladas de rejeitos orgânicos diariamente. No Brasil, como foi relatado no vídeo, são cerca de 7 mil comunidades irregulares, sendo que 97% do esgoto produzido não são coletados. O fato é que os governos municipais se eximem de qualquer ação de melhorias em áreas invadidas enquanto não forem regulamentas.
Legislações, planos diretores e outras tantas ações geralmente impositivas para melhoria do saneamento básico não alcançam os efeitos desejados, pelo simples fato de a população estar ausente dos debates. A ação educativa permanente, nas escolas, nas associações de moradores, sindicatos, etc., seria uma das formas mais apropriadas de esclarecer e empoderar a sociedade dos instrumentos que garantam sua participação nos debates sobre políticas de saneamento.
Quando se fala de educação, especialmente da educação ambiental no ensino formal, se pensa quase que exclusivamente em ações que já viraram clichês, descontextualizadas e sem criticidade, como campanhas de plantio de árvores, produção de redações, poesias, teatros, etc. Discutir saneamento, água tratada, coleta e tratamento de esgoto, parece ser ainda um tabu, algo proibido de ser discutido nos espaços escolares. O escritor Mauricio de Souza, como colaborador da OSCIP Trata Brasil, elaborou inúmeros gibis sobre o tema saneamento básicos onde aproveitando seus personagens tradicionais na montagem das histórias como Mônica e Chico Bento.[5]  




Um dos principais aliados da sociedade e que poderia contribuir para que os municípios não mais utilizassem desculpas fajutas para prorrogar seus planos de saneamento, é o ministério público. Dá para contar nos dedos aqueles cujos promotores e juízes desempenham papel permanente de pressão ao legislativo e ao executivo para fazer cumprir as legislações em vigor. Dentre as medidas estão as resoluções contidas nos planos de gestão de saneamento, planos diretores e códigos ambientais municipais.  São papel permanente do Ministério Público, das administrações municipais e dos demais órgãos envolvidos na área de saneamento como as fundações municipais do meio ambiente, a promoção da educação ambiental.                     
Sobre a reportagem do fantástico que mostrou o caos do esgotamento sanitário na cidade de duque de Caxias, há um aspecto que se assemelha a muitos municípios brasileiros como Araranguá, que são as ETE (Estação de Tratamento de Esgotos). Em muitos municípios embora as ETE esteja prontas e inauguradas não entraram em funcionamento por inúmeros motivos. A ETE de Araranguá, no bairro Vila São José, inaugurada em dezembro de 2016, o funcionamento de alguns equipamentos se deve a conexão da rede elétrica da estação a um poste localizado na propriedade de um rizicultor que o utiliza para irrigação do arroz. Enquanto o posteamento não for efetivado a respectiva usina não poderá entrar em funcionamento.



Mas as questões do saneamento básico em Araranguá e nos demais municípios que integram a bacia do rio Araranguá compartilham com o mesmo drama das cidades brasileiras em índices vergonhosos de coleta e tratamento de esgoto. No entanto a viabilização das metas de cobertura com saneamento básico nos municípios da bacia foi discutida entre os integrantes do comitê que resultou num plano de recursos hídricos na bacia, com metas, ações e estratégias que subsidiarão os municípios na elaboração de suas diretrizes. Dentre as demandas elencadas estão: tratamento de esgotos domésticos; adequação do lançamento da indústria, mineração e agricultura; melhoria das técnicas agrícolas; destinação adequada dos resíduos sólidos; racionalização do uso da água; estímulo ao reuso da água e retenção das águas pluviais; redução das perdas nos sistemas de abastecimento.[6]
O plano da bacia hidrográfica, cuja data da sua publicação foi em junho de 2015, definiu como uma de suas principais metas de curto prazo a solução do sistema de coleta e tratamento de esgoto em todos os municípios da bacia. A promessa é que num prazo de cinco anos, em 2020, deva ser executado cinqüenta por cento do sistema de saneamento, e 100%, até 2030. Atualmente, apenas 4% do esgoto sanitário da bacia recebem tratamento.   
Em relação ao Plano Municipal de saneamento básico e plano de gestão integrada de resíduos sólidos, em junho de 2014 Araranguá apresentou sua proposta, cuja consultoria foi dada pela UNESC/PARQUE CIENTÍFICO TECNOLÓGICO.  Antes de discursar os diagnósticos, as diretrizes e estratégias de execução do plano, convém mencionar algumas importantes legislações municipais que serviram de subsídios para sua formatação.  Um aspecto que deve ser considerado nesse plano e que motivou sua elaboração foi à lei 11.445/07, sobre as políticas de saneamento básico, cujo descumprimento incorrerá aos municípios penalidades como o não recebimento de recursos federais para projetos de infraestrutura.  Para todos os municípios brasileiros foram estabelecidos prazos para que as metas sejam efetivadas. Porém, o que vem se tornando comum é a prorrogação dos prazos, cujas justificativas são, entre outros motivos, a crise econômica.
Em escala local, as leis complementares 148/2012, sobre o código de posturas; 149/12, código ambiental, dentre outras leis aprovadas em dezembro de 2016, pertinentes ao plano diretor, ambas foram construídas apregoando os princípios da sustentabilidade. Outras legislações que constituem o arcabouço de normatizações, muitas das quais talvez desconhecidas pelos cidadãos araranguaenses, proporcionam aos munícipes certo viés progressista, isso teoricamente, pois na prática quase todo território araranguaense apresenta deficiências nas áreas de infraestrutura e saneamento, semelhantes ao século XIX.


Para amparar tais afirmações, basta ponderar algumas leis aprovadas há pouco mais de dez anos e outras mais recentes, em que se presume jamais foram cumpridas. Pois vejamos: lei n°. 1.877/99 na qual foi regulamentada mediante o decreto n°. 861/99, que impõe aos proprietários de lotes ou terrenos no perímetro urbano para mantê-los limpos sob pena de cobrança de multas. Sobre o tema terrenos baldios, em 2007, a respectiva lei sofreu alterações, que resultou na lei n°. 2.577/07, parágrafo único, determinando que constatado o não cumprimento do proprietário de suas obrigações de conservação, o poder público fará a notificação, tendo o infrator 30 dias para o cumprimento da norma, ou seja, a limpeza dos terrenos. 
Também sobre limpeza urbana, na primeira gestão do prefeito Mariano Mazzuco, em 2007, o mesmo sancionou a lei n° 2.586/07, cujo Art. 1, I, estabelecia que constitui atos lesivos à limpeza urbana: depositar ou lançar papéis, latas, restos ou lixo de qualquer natureza, fora dos recipientes apropriados, em vias, calçadas, praças e demais logradouros públicos, causando danos à conservação da limpeza urbana. Além do mais a lei proíbe o lançamento de restos de construções em vias públicas, a obrigatoriedade do recolhimento de embalagens de agrotóxicos pelas empresas que comercializam o produto, etc. O município deverá também promover campanhas de conscientização da população através dos meios de comunicação, escolas, sobre matérias recicláveis e biodegradáveis, entre outras obrigações.[7]


Em 2002 o prefeito municipal de Araranguá, Primo Menegalli, sancionou a lei n° 2.125/02 autorizando que as escolas municipais implementem o programa de recolhimento, reciclagem e comercialização do lixo coletado. A lei também autoriza que sejam feitas doações por parte de empresas e comércios do município de recipientes para o armazenamento dos materiais coletados. Podendo os recipientes conter as logomarcas das entidades doadoras. Há de se conjecturar que no momento da aprovação da lei sobre reciclagem, o município possuía um programa específico de coleta de material reciclável nos bairros, contendo catadores credenciados e veículos adaptados para o transporte até o seu destino final.[8] Atualmente, embora algumas escolas tenham em suas dependências recipientes exclusivos de coleta seletiva, todo o material condicionado nas lixeiras é jogado ao veículo transportador e direcionado ao aterro sanitário.  
Se em 2002, uma das inquietações dos integrantes dos dois poderes municipais envolverem as escolas com atividades de reciclagem e comercialização de materiais reaproveitáveis, que talvez não desse em nada, em 2004, mais uma vez os legisladores e o poder executivo do município foram “contagiados” pela causa ambiental, votando e sancionando a lei n° 2.255/04 que estende o programa de reciclagem para todas as repartições públicas e autarquias, com o compromisso também de estender as repartições estaduais e federais.[9] Seria compromisso também da administração pública o trabalho de divulgação a partir de material informativo a todos os servidores. A pergunta que se faz é a lei realmente entrou em vigor e por quanto tempo?
Entre o final da década de 1990 até 2010, a exemplo das legislações citadas acima, não há relatos de ter havido no passado tantas leis aprovadas tratando do tema meio ambiente, coleta, reciclagem, conscientização e educação ambiental. Em 2005, uma emenda na lei orgânica do município, autorizava através da lei n° 2.307/05 que as repartições públicas do município, prefeitura, câmara de vereadores, escolas, creches, autarquias, postos de saúde, promovesse a coleta seletiva de resíduos sólidos, sendo que todo o material útil seria doado às entidades sociais credenciadas. Aquilo que não fosse reaproveitado terá como destino o aterro sanitário.
Portanto, em todas essas repartições deveria ter disponível três categorias de recipientes, para rejeito, recicláveis e para pilhas (baterias e assemelhados). Seria também de competência do poder público fixar nesses espaços, cartazes informativos bem como atividades de palestras, reuniões e educação ambiental com os servidores municipais.[10] Quem circula diariamente por essas repartições públicas não vê qualquer indício de que a respectiva lei esteja sendo cumprida.
Quem já não se irritou e se sentiu constrangido de estar transito pelas vias públicas do município e de repente pisar sobre as fezes de animais, especialmente cães. Como forma de disciplinar os cidadãos que costumam passear com seus animais por essas vias, também em 2005, na administração do ex-prefeito Mariano Mazzuco foi sancionada a lei n° 2.313/05 que obrigava o condutor de animais a recolher os resíduos deixados pelos mesmos, sob pena de multa de ½ (meia) UFM (Unidade Fiscal Municipal).[11] Quando a lei foi aprovada, o Art. 3 estabelecia que o poder público municipal teria 60 dias para sua regulamentação. Alguém já deve ter notado que todo dia sete de setembro, quando centenas de cavalos e cavaleiros desfilam pelas ruas, as fezes dos animais não são recolhidas pelos seus condutores.
Como forma de agilizar processos de licenciamento ambiental e outras atribuições até então de responsabilidade do órgão ambiental estadual e federal, em 2007 foi aprovada a lei 2.608/07 que criaria a FAMA (Fundação Municipal do Meio Ambiente). Dentre as inúmeras atribuições do órgão, que estão distribuídas em 25 artigos, o que chama atenção é o artigo 2° que lhe reserva, entre outras coisas, programas de educação ambiental e a preservação do patrimônio arqueológico do município. Apesar da tentativa de convencer a população de que a fundação tem um caráter apartidário, a escolha de quem vai ocupar o cargo de superintendente é atribuição do executivo municipal.[12]
Embora a lei federal n° 11.445/07 que trata sobre as políticas de saneamento básico tenha sido sancionada em 2007, o município de Araranguá, sob pena de não ter direito a recursos federais na área de saneamento, o legislativo municipal aprovou em 2010 a lei n° 2.859/10 estabelecendo a política municipal de saneamento ambiental e macro drenagem. O objetivo dessa lei, como deve ter acontecido em todos os municípios brasileiros, é fazer cumprir as mesmas diretrizes da lei federal, ou seja, universalizar a ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados com saneamento básico. Na realidade a respectiva lei se configura um tanto complexa, pelo fato de sua execução exigir uma ampla transformação infraestrutural e cultural.[13]
No mesmo ano que foi criado a lei que trata sobre as políticas municipais de saneamento ambiental, o legislativo municipal, em outubro de 2010, aprovou lei contendo 63 artigos definindo critérios específicos para as políticas ambientais do município.  O fato é que apesar de ser uma lei extensa e com muitos detalhes, cinco aspectos contidos nela são merecedores de atenção: o art. 2°, I, XIII, VII e o Cap. XIV. Conforme o artigo citado e o seu inciso I, o mesmo assegura a conservação do equilíbrio ambiental e a proteção do patrimônio arqueológico.  Sobre os procedimentos que visam assegurar a proteção ao meio ambiente, a lei introduziu o inciso XIII, que impõe ao poder público e ao órgão ambiental, programas de educação ambiental, inclusive para as comunidades. O capitulo XIV da respectiva lei, clarifica os princípios da educação ambiental e de que modo contribui para a construção de valores e atitudes saudáveis com o meio ambiente.[14]
Apesar do plano de saneamento básico municipal ter sido aprovado em 2014, contendo informações importantes obtidas a partir de um intenso diagnóstico feito em toda extensão do município por profissionais especializados de diferentes áreas, três anos depois da apresentação, são pífias as ações concretizadas. A questão do lixo, especialmente o recolhimento, somente no final de 2016 que os serviços adquiriam aparente normalidade. No entanto, quanto a padronização das lixeiras, placas informativas, incentivo a compostagem, separação, também nada foi feito. As lixeiras, especialmente as que estão fixadas na área central da cidade, além de estarem em locais inapropriados, canteiros públicos, apresentam péssimo estado de conservação.
Mesmo o relatório conclusivo do plano municipal de saneamento básico de Araranguá conter uma gama expressiva de imagens obtidas pelos profissionais nas visitas feitas nos bairros e comunidades do interior, munido de uma câmera fotográfica e de bicicleta, transitei por alguns bairros para constatar em loco a atual realidade. É de se sentir constrangido quando se transita por bairro como o Jardim Cibele, cuja população se encontra em total abandono pelo poder público municipal. É tão desolador e insalubre o local que me senti completamente incapaz de tirar uma única foto devido ao risco de sofrer alguma represália por parte dos moradores.
Portanto, me encorajei e dialoguei com um cidadão residente no bairro, que me informou que há muito tempo estão desassistido pelo poder público, que acredita que atual administração prestará uma atenção especial ao bairro. A própria escola municipal do bairro, é também um reflexo do abandono do bairro. Além da aparência nada atraente aos olhos dos adultos e das crianças, se percebe que o poder público deu início a construção de um ginásio de esportes que não saiu das pilastras. O mato e os efeitos do tempo estão comprometendo toda a estrutura do ginásio, como também de outras construções inicias com recursos federais. São elas, o centro de convivência da terceira idade orçado em R$ 1.415.575,86, cujo prazo de conclusão seria no final de 2015 e a Arena Poliesportiva iniciada em 2013 e orçada em quase quatro milhões de reais.   
O lixo, estradas esburacadas, terrenos baldios, matagal nas calçadas, falta de lixeiras para acondicionar os resíduos sólidos, entulhos de construções, descarte de móveis e esgoto escorrendo nos córregos e fossas pluviais são praticas ainda corriqueiras na área central e bairros do município. Está ai, portanto, o motivo pelo qual de ter sido detectado no município alguns focos do mosquito transmissor da dengue e outras doenças oriundas da precariedade dos serviços de saneamento básico.
Em reportagem com o título “esgoto sanitário já é realidade em Arranguá’ publicada na página eletrônica do jornal correio do sul, o texto discorre a opinião da bióloga Janara Benvenutti Gamba, da empresa Rio Vivo, que coordenou os trabalhos de instalação da usina de tratamento de esgoto no bairro urussanguinha e do diretor geral do Samae, Everson Casagrande, sobre a importância do projeto para a qualidade de vida da população do município. Segundo a bióloga, todos os testes recomendados à eficiência do sistema foram feitas, cabendo agora o incentivo a população para que façam suas ligações à rede.
A bióloga também alertou que “um município sem tratamento de esgoto, as fezes humanas lançadas no solo e que contaminam a água e os alimentos podem produzir 50 tipos de contaminações transmitidas de uma pessoa doente para outra sadia. A elevação da expectativa de vida e a redução de verminoses podem ser pretendidas através da correta disposição dos esgotos”.  Já o diretor do Samae, ressaltou que “outra importante razão do tratamento do esgoto é a proteção do meio ambiente. Para contribuir com a saúde pública e com a recuperação ambiental, é importante que cada morador faça a ligação”.[15]
Quanto ao sistema de esgotamento sanitário no bairro Parque Alvorada, com custo orçado de R$ 3.547.914,00, que atenderá quando estiver em pleno funcionamento 15.200 pessoas, três meses depois de sua inauguração em dezembro passado, a usina não entrou ainda em funcionamento e nem prazo previsto para acontecer. Qualquer cidadão tem consciência que quando se procede a inauguração de algum imóvel, estrada, rodovia ou, nesse caso, uma usina de tratamento de esgoto, as mesmas devem estar prontas, acabadas para entrar em funcionamento, não é mesmo?
Quem visitar o local onde estão instalados os tanques e outros equipamentos referentes a usina vai perceber que não foram fixados os postes com rede elétrica para o funcionamento da usina. O que se vê é um rabicho ou um fio ligado a um poste no terreno de um agricultor que fornece energia a uma bomba d’água para irrigação do arroz. Não há nenhum sinal ou movimentação por parte do Samae na solução imediata dessa pendência. Esperamos que não ocorra com a ETE do Parque Alvorada, o mesmo episódio ocorrido no bairro Vila São Jose, quando a construção da estação foi abortada na metade por falhas  no projeto.
Sobre a questão da coleta seletiva do lixo, inserida no plano municipal de saneamento básico e que no passado recente resultou em leis especificas sancionadas pelos prefeitos, Primo Menegalli e Mariano Mazzuco, obrigando a separação do mesmo em escolas e demais repartições públicas, que jamais se concretizou, chama a atenção a reportagem publica pelo jornal Enfoque Popular da edição do dia 06 de março de 2017, com a seguinte manchete de capa: “Solução Para o Lixo”. Na mesma capa está escrito a seguinte frase: “debate sobre a implantação da coleta de lixo em Araranguá vem ganhando corpo. Grupo estuda projeto de lei que deve ser elaborado por vereador Igor Batista Gomes (PV)”

O que se constata é que quando velhos ou novos vereadores assumem a cadeira do legislativo, esquecem ou não é hábito fazerem levantamento minucioso das leis que foram aprovadas pelos seus colegas na câmara e sancionadas pelo executivo. Excelentíssimo vereador, admite-se que pela sua capacidade investigativa de historiador de formação, deve ter vasculhado a página virtual da prefeitura, clicando o ícone Leis Municipal e constatado que já existem leis aprovadas tratando do assunto reciclagem. O que deve ser feito é recuperar as respectivas leis e fazer os ajustes necessários e colocar em prática.
É entendível, até mesmo salutar, visitar municípios como Criciúma com longa experiência em coleta seletiva adotada em alguns bairros. Contudo, Araranguá em termos de caminhada na área da reciclagem não fica nada atrás do município vizinho, Criciúma. Basta manter contado com os organizadores de a extinta COOPERAR (Cooperativa de Trabalho e Produção dos Recicladores de Araranguá) e saber do extenso trabalho prestado à causa social e ambiental durante os nove anos de funcionamento.
Prof. Jairo Cezar  



[1] http://g1.globo.com/fantastico/edicoes/2017/02/19.html
[2] http://agenda2020.com.br/2016/08/saneamento-basico-enterrar-canos-tambem-e-preciso/
[3] https://nacoesunidas.org/assembleia-geral-da-onu-reconhece-saneamento-como-direito-humano-distinto-do-direito-a-agua-potavel/
[4] http://esquerdaonline.com.br/2017/02/08/
[5] http://turmadamonica.uol.com.br/revistasabesp/
[6] http://www.aguas.sc.gov.br/jsmallfib_top/DHRI/Planos%20de%20Bacias/Plano%20da%20Bacia%20Hidrografica%20do%20Rio%20Ararangua/Relatorio%20C%20-%20Elaboracao%20do%20Plano%20de%20Rec%20Hidricos%20da%20Bacia%20Hidrografica%20do%20Rio%20Ararangua.pdf
[7] https://leismunicipais.com.br/a1/sc/a/ararangua/lei-ordinaria/2007/259/2586/lei-ordinaria-n-2586-2007-dispoe-sobre-os-atos-de-limpeza-urbana-e-da-outras-providencias
[8] https://leismunicipais.com.br/a1/sc/a/ararangua/lei-ordinaria/2002/213/2125/lei-ordinaria-n-2125-2002-dispoe-sobre-o-recolhimento-armazenagem-aproveitamento-e-comercializacao-de-lixo-em-escolas-da-rede-municipal?q=2002
[9]https://leismunicipais.com.br/a1/sc/a/ararangua/lei-ordinaria/2004/226/2255/lei-ordinaria-n-2255-2004-autoriza-o-poder-executivo-municipal-a-implantar-e-executar-o-programa-servico-publico-recicla
[10] https://leismunicipais.com.br/a1/sc/a/ararangua/lei-ordinaria/2005/231/2307/lei-ordinaria-n-2307-2005-dispoe-sobre-a-coleta-diferenciada-dos-residuos-solidos-produzidos-nas-dependencias-dos-orgaos-publicos-municipais-de-ararangua
[11] https://leismunicipais.com.br/a1/sc/a/ararangua/lei-ordinaria/2005/232/2313/lei-ordinaria-n-2313-2005-dispoe-sobre-a-obrigatoriedade-de-recolhimento-dos-residuos-fecais-de-animais-conduzidos-em-espacos-publicos
[12] https://leismunicipais.com.br/a1/sc/a/ararangua/lei-ordinaria/2007/261/2608/lei-ordinaria-n-2608-2007-institui-a-fundacao-ambiental-do-municipio-de-ararangua-sc-fama
[13] https://leismunicipais.com.br/a1/sc/a/ararangua/lei-ordinaria/2010/286/2859/lei-ordinaria-n-2859-2010-estabelece-a-politica-municipal-de-saneamento-ambiental-e-macro-drenagem-e-estabelece-outras-providencias
[14]https://leismunicipais.com.br/a1/sc/a/ararangua/lei-ordinaria/2010/293/2930/lei-ordinaria-n-2930-2010-institui-a-politica-ambiental-do-municipio-de-ararangua-e-da-outras-providencias

[15] http://www.grupocorreiodosul.com.br/jornal/tratamento-de-esgoto-ja-e-realidade-em-ararangua/

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