segunda-feira, 13 de março de 2017

CAMAPNHA DA FRATERNIDADE 2017 TRAZ PARA O DEBATE AS FRAGILIDADES E AMEAÇAS SOFRIDAS PELOS BIOMAS BRASILEIROS


Nas últimas décadas os biomas brasileiros sofreram um assustador recuo das suas áreas naturais pressionados pelas políticas desenvolvimentistas do agronegócio, da mineração, da indústria e de ocupação imobiliária desordenada  de ecossistemas frágeis como a faixa litorânea coberta pelo bioma da mata atlântica. O que é intrigante é que muitas vezes tais invasões irregulares são avalizadas pelo próprio poder público e órgãos ambientais que têm atribuições fiscalizadoras.
A redução da cobertura natural desses biomas, somada as frágeis políticas de saneamento básico (coleta e tratamento de esgoto, destinação do lixo sólido, tratamento de água e drenagens) está mobilizando entidades ambientais, organizações cientificas, universidades, igrejas, parlamentares, entre outros, para a promoção de discussões e encaminhamentos de ações na tentativa de sensibilizar as autoridades competentes, em âmbito federal, estadual e municipal, no cumprimento das legislações de proteção dos biomas e a aceleração da universalização da cobertura de saneamento.
A cúria católica brasileira demonstrando sensibilização às demandas ambientais que comprometem a sobrevivência de milhares de vidas humanas e de centenas de espécies vivas em extinção, nas duas campanhas da fraternidade 2016 e 2017, inseriu saneamento básico e biomas como lemas de discussão em todas as comunidades durante o período da quaresma. É inquestionável a iniciativa assumida pela CNBB, bem como de outras vertentes cristãs em atar compromissos em campos sociais tão sensíveis e polêmicos, como política e meio ambiente. Nas décadas de 1970 e 1980, quando a América Latina estava sobre o domínio dos sanguinários regimes ditatoriais, religiosos integrantes da doutrina católica de vários países como o Brasil adotaram abertamente uma postura crítica às políticas anti-sociais dos governos militares e saíram a campo para mobilizar e preparar o povo para as lutas contra os regimes opressores.
O movimento que passou a ser denominado Teologia da Libertação teve o engajamento de lideranças religiosas e simpatizantes das causas sociais, cujos textos bíblicos, as celebrações e demais eventos religiosos assumiram conotações mais política, ou seja, buscar nos livros dos apóstolos e nas práticas do dia a dia de Jesus Cristo, os fundamentos filosóficos para exprimir  as reais causas das injustiças sociais e encontrar possíveis soluções. A iniciativa da Teologia da Libertação era engajar a população nos movimentos sociais, sindicados, associações, cooperativas, para a sensibilização e tomada de posicionamento político com propósito de combater e romper com o modele de produção perversa que mantinha milhões de indivíduos na América Latina, dentre eles o Brasil, em situação de miséria absoluta.
Assumir uma posição em defesa dos mais carentes e injustiçados que embora tradicionalmente sempre se constituiu teoricamente como propósito do clero católico, porém, sem qualquer efetivação das cúpulas conservadoras, bispos e papas, redundaram em severas criticas perseguições e até banimentos de integrantes importantes do clero progressista. O enfraquecimento da doutrina libertária e a progressiva ascensão das alas conservadores da igreja que prestaram apoio velado aos governos neoliberais na América latina motivaram o violento recrudescimento das forças progressistas e na difusão de programas econômicos que resultaram no esgotamento dos recursos naturais.
Sobre tais práticas, muitos religiosos deixaram o conforto dos conventos e a rotina de suas paróquias para abraçar as causas sociais e ambientais, indo residir em pequenas comunidades distantes e esquecidas do poder público, tendo que enfrentar a fúria de grileiros de terras, desmatadores e contrabandistas de espécies da fauna e da flora. A defesa das florestas e a difusão de práticas econômicas sustentáveis, extrativismo e pequenas culturas para a subsistência, foram e ainda são hoje praticadas graças ao incansável apoio de pessoas como da religiosa Norte Americana Dorothy Stand, assassinada em 2005 por pistoleiros encomendados.
Nesse mesmo ano na cidade de Cabrobó, BA, o bispo Luiz Cáppio, iniciou greve de fome, em protesto contra a transposição do rio São Francisco. Mesmo com a postura extrema do religioso, não foi suficiente para frear a continuidade do projeto, cuja transposição comprometeu e vem comprometendo inúmeros biomas e a própria integridade do rio São Francisco. A participação de ativistas civis e religiosos nas causas ambientais no Brasil traz para reflexão os problemas e as demandas existentes em todos os ecossistemas.
Por ser o catolicismo uma das correntes do cristianismo que mais agrega seguidores em todos os municípios brasileiros, o tema “Fraternidade: biomas brasileiros e a defesa da vida” se constituem como oportuno para que em cada município, comunidade, igreja e residência, durante as reuniões e a leitura da cartilha da campanha da fraternidade, sejam trazidas para o debate e a reflexão as demandas dos biomas locais.
Com ênfase ao município de Araranguá, o bioma da Mata Atlântica, como está ocorrendo em toda a faixa litorânea do estado e Brasil, vem perdendo, ano após ano, expressiva parcela da cobertura vegetal pressionada pela expansão urbana e especulação imobiliária sobre os remanescentes florestais. O agravante é que todo esse imenso processo de devastação, não somente em Araranguá, está tendo o consentimento velado dos poderes constituídos, legislativo e executivo, e de seus órgãos ambientais, que se incumbem dos licenciamentos ambientais, muitos dos quais questionáveis por suspeitas de irregularidades.


  
Observando os mapas acima, com destaque a área territorial correspondente ao município de Araranguá, é possível constatar a vasta devastação da cobertura florestal  original (mata, restinga arbórea, restinga herbácea, banhados e áreas alagadas) nas últimas décadas, vindo a decrescer sensivelmente a partir de 2005.[1] Dos vinte municípios que integram as bacias do Rio Araranguá e Mampituba (afluentes catarinenses) o município de Araranguá está na posição 13° entre os que mais desmataram, ou seja, sua cobertura vegetal original atualmente é de 7,64%.[2]  
São inúmeras as licenças de supressão duvidosa de espécies da flora nativa no município. Dois casos polêmicos devem servir de parâmetros, devendo ser relembrados e discutidos nas reuniões e nas celebrações durante a campanha da fraternidade, são eles: a abertura de Rua no Morro Azul, bairro urussanguinha, e o corte de vegetação nativa centenária nas margens do antigo trecho da Br. 101, próximo a Aravest.  Tanto um quanto o outro foram motivos de críticas e protestos tanto de ambientalistas como dos próprios munícipes. 
A escolha de seis biomas para serem inseridos na cartilha da campanha da fraternidade, causou espanto e preocupação por parte de especialistas no assunto pelo fato de não terem sido incluídos no documento outros dois importantes biomas ou sub biomas, os manguezais e a restinga, considerados os mais ameaçados entre todos os ecossistemas. Como acontece em outros municípios da faixa costeira de Santa Catarina, em Araranguá, os balneários Morro dos Conventos, Morro Agudo, Ilhas e Barra Velha, sofrem os efeitos nefastos e irreversíveis da expansão imobiliária em áreas de APP (restinga), biomas que concentram extraordinária biodiversidade e vestígios arqueológicos que comprovam a presença humana na região há cerca de quatro mil anos ou mais.  
Nessas comunidades, os coordenadores dos grupos de famílias da campanha da fraternidade deveriam ou devem se debruçar nessa problemática, informando e mobilizando a população para resistir à fúria do capital sobre os frágeis biomas. Cabe também, nessas comunidades, a profunda discussão sobre os decretos assinados em 2016 pelo poder executivo de Araranguá, onde foram criadas a MONA (Monumento Natural Morro dos Conventos), a APA (Área de Preservação Ambiental), e a Resex (Reserva extrativista) em Ilhas.
Não poderia também ficar excluído do debate, o papel e a importância dos movimentos e organizações ambientais que prestam serviço voluntário em defesa desses biomas. No caso do Morro dos Conventos, o destaque fica para a OSCIP PRESERV’AÇÃO, entidade ambiental fundada em 2011, cujos integrantes, a exemplo de outros ambientalistas, também sofrem pressões e ameaças devido as suas firmes posições de resistências à ganância do capital ao frágil santuário Morro dos Conventos.                    
Há de se pressupor, que durante a seleção e organização dos conteúdos relativos ao tema “casa comum” da campanha da fraternidade de 2017, os responsáveis não tenham levantado discussões acerca de assuntos polêmicos que poderão afetar os biomas brasileiros como o projeto de lei n. 3.729/04, sobre licenciamentos, que tramita no congresso federal e que poderá ser votado ainda no primeiro semestre de 2017. A proposta de lei tem por objetivo flexibilizar os procedimentos (tempo e a burocracia) para a liberação de licenciamentos para projetos de infraestrutura em todos os biomas brasileiros.  Na hipótese de aprovação no congresso e sancionado pelo presidente da república, a legislação permitirá que o próprio empreendedor elabore, ele mesmo, um termo autodeclaratório, dispensando do dito licenciamento órgãos como IBAMA, FATMA/SC, bem como as próprias FAMAS.
Segundo os preceitos políticos e filosóficos contidos nas escritas e discursos proferidos pelo Papa Francisco, sua posição como de toda cúpula católica são para dedicar-se aos mais necessitados e as injustiças sociais. Não seria o projeto de lei que aprovado trará novos procedimentos como a flexibilização de licenciamentos nos vários biomas brasileiros um ato de injustiça social, de degradação humana, e condenável pelo próprio vaticano mediante a encíclica “em defesa da casa comum”?  Esse documento, lançado em 2015, pelo papa Francisco, não deixa dúvidas quanto a sua posição política, ideológica e a preocupação com o planeta, com o acelerado processo de degradação ambiental.
Prof. Jairo Cezar
                             


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