BNCC (BASE NACIONAL CURRICULAR COMUM) E
SEUS DESDOBRAMENTOS SEGUNDO A AGENDA EMPRESARIAL
O
governo do Estado, Raimundo Colombo e seu Secretario da Educação Eduardo
Deschamps deveriam ter aproveitado a oportunidade em que o Ministro de Educação
Mendonça Filho estava no estado para debater a BNCC (Bane Nacional Curricular
Comum), e ter realizado um “tour” por algumas escolas públicas estaduais da
grande Florianópolis, e ter visto em loco o caos estrutural das mesmas. Bom
mesmo seria conhecer as mais de mil escolas públicas estaduais, espalhadas pelo
estado, que semelhantes as de Florianópolis enfrentam todo tipo de descaso como
foi revelado na audiência pública ocorrida no dia 14 de julho último na sala
Antonieta de Barros na ALESC.[1] http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com.br/
Duvido
que alguém do governo, do conselho estadual de educação, das ADR (Agencias do Desenvolvimento
Regional) ou da própria assembleia legislativa, ousaram em pegar o microfone e
desconstruir discursos inverídicos como do ministro da educação quando afirmou
que “a
sociedade não pode dar as costas. Enquanto a causa da educação for exclusiva de
educadores, acadêmicos e pesquisadores que atuam na área da educação, ela será
uma causa secundarizada e a educação não pode, de maneira alguma, ser secundarizada.
A verdadeira e única transformação social que o Brasil poderá vivenciar será
pela educação”. Na verdade, não
revelou o ministro, que quem realmente está dando as costas à educação são os
próprios governos que jamais a conceberam como prioridade nas suas gestões.
Se assim fosse não teriam suprimido do orçamento
geral da união, somente para 2016, cerca de nove bilhões de reais e nem
aprovado um falso Plano Nacional de Educação que determina transferência de 10%
dos royalties do pré-sal para o financiamento da educação até 2024. Todos sabem
que esse percentual jamais será aplicado pelo fato da atual futura conjuntura
econômica internacional, das revelações de corrupção na Petrobras (operação
conhecida como lava jato) e a quebra do monopólio relativo à exploração desse
recurso mineral. Outro fato que acredito deve ter sido omitido pelo ministro e
pelo próprio presidente do CONSED (Conselho Estadual dos Secretários de
Educação), Eduardo Deschamps, foi quanto ao descumprimento das legislações que
estabelecem o Piso Nacional do Magistério e dos Planos de Carreiras que vêm
sendo aprovados nos estados como de Santa Catarina, que revelam exatamente o oposto
daquilo que foi dito pelo ministro, que são realmente os governos que dão as
costas para educação.
Ninguém,
certamente, teve a coragem de falar para o ministro que os professores da rede
pública estadual não tiveram nem mesmo a reposição das perdas inflacionarias de
2015, que seus salários ficarão congelados por cerca de quatro anos, até 2018,
quando se sabe que a inflação oscilará, em média, 11 a 12% ao ano? Não entendo
como um secretário de educação ousou em afirmar no encontro sobre a BNCC em
Florianópolis que “Santa Catarina tem experiência de currículo com a proposta curricular
catarinense que inclui a formação de professores e a participação de
professores e das instituições na elaboração da proposta”. A dúvida
aqui é qual a proposta curricular que o mesmo se referiu, se é a de 1998 ou
outra mais atual, que acredito que nenhum professor da rede pública estadual
deve ter conhecimento.
O
que deve ser mencionado, provavelmente ninguém do auditório teve a coragem de
revelar, é que a proposta curricular de Santa Catarina, desde a sua elaboração
em 1998 até o momento, mesmo com a revisão ocorrida em 2005, continua sendo um
documento esquecido nas secretarias e bibliotecas das escolas, geralmente
utilizadas como fonte de pesquisa por estudantes do magistério, professores
pretendentes às vagas de ACT, quando as utilizam para as provas de seleção
anuais, ou quando há concurso público do magistério. Fora disso, a proposta
curricular se assemelha aos PPPs (Projetos Políticos Pedagógicos) das escolas
que são ligeiramente discutidos e sofrem algumas modificações nos dois ou três
dias de estudos de cada início de cada ano letivo.
Também
por que discutir PPP e Propostas Curriculares, se as escolas brasileiras,
especialmente as do ensino médio, os temas e avaliações estão sendo guiados
pelos exames do Enem? Claro que não discutidos com todo afinco! Para conferir é
só visitar uma das milhares de escolas públicas brasileiras, especialmente de
SC, e acompanhar os conteúdos estabelecidos, métodos de avaliação e as reuniões
de conselhos de classe. É também conferir o que estabelecem os Planos Nacional,
estaduais e municipais de educação, as propostas curriculares e os PPP com
aquilo que vem sendo ensinado. Está muito longe ainda de atingir o que pretendem
esses dispositivos pautados em escolas transformadoras que estimulem a
criatividade, o senso crítico, o trabalho cooperativo, etc..
Será
que alguém mencionou no encontro que o governo do estado não vem cumprindo com
que determina o PEE (Plano Estadual de Educação), como garantir a segurança nas
escolas; reestruturação dos PPPs, etc., que o TCE estabeleceu prazo até 31 de
agosto de 2016 para que SED faça os ajustes necessários? Na hipótese das
recomendações do TCE não serem atendidas, os responsáveis serão punidos, ou
seja, o Estado? Esse filme os professores já conhecem muito bem. Para saber
mais sobre o teor da auditoria realizada pelo TCE nas escolas estaduais de Santa
Catarina é só ler o artigo: “Auditoria
realizada pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) revela o caos no ensino médio
das escolas estaduais de Santa Catarina”. http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com.br/
Voltemos
ao seminário sobre BNCC ocorrido em Florianópolis. O primeiro questionamento
que se faz ou que talvez muitos fizeram é o motivo pelo qual o local escolhido
para a abertura foi a sede da FIESC (Federação das Indústrias de Santa
Catarina)? O fato é que a federação das indústrias do estado como demais
entidades do seguimento empresarial vem subsidiando as reformas na educação em
curso no estado e no país. O que se pretendem, portanto, é adequar a educação,
especialmente o ensino médio público, as novas exigências do capital, cujo
principal patrocinador é o Banco Mundial. Se formos observar os discursos
proferidos por representantes dos seguimentos do capital dos quais vem
influenciando os governos na definição dos planos educacionais, a proposta
defendida por ambos é em defesa de um currículo enxuto direcionado ao tecnicismo,
nos mesmos moldes da enfadonha lei 5.692/71 que vigorou durante o regime
militar até 1998.
A
BNCC em discussão no Brasil tem, nas suas entrelinhas, essa pretensão. Ou vocês
acham que o propósito dos governos conservadores de plantão é formar sujeitos
críticos e conscientes dos seus direitos como cidadão. Se fosse esse realmente
a intenção, o processo tanto das discussões do PNE, PEE, PME, como da BNCC
teriam seguido outros caminhos e não o que se seguiu, restringido a um punhado
de professores, sem um debate mais consistente envolvendo a sociedade
brasileira. Em sociedades mais democráticas e avançadas culturalmente temas
importantes como esses sempre tem participação expressiva da população.
No
Brasil se for feito uma enquete em todos os estados perguntando às pessoas se tem
algum conhecimento ou se ouviram falar dessas estranhas siglas, acredito que o
percentual dos que ouviram será ínfimo. Exceto, é claro, professores ou outros
profissionais ligados à educação. Com um, porém, dirão que ouviram falar, porém
não conhecem com clareza os objetivos e proposições estabelecidas por área de
estudo, especialmente a sua. Na verdade é muito difícil de entender, pois mais
parece uma colcha de retalhos, tamanha a complexidade. Por que razão então, o ex-ministro
da educação Janine afirmou categoricamente quando recebeu a primeira versão da
BNCC disse que a mesma não representava a posição do ministério ou do CNE a
quem caberá a tarefa de aprovar a versão inicial? Não é um tanto quanto
estranho tudo isso?
É exatamente
esse o sentimento de milhões de educadores em todo território nacional.
Desconhecimento. Se a intenção dos governos, mais especificamente do estado de
santa Catarina, era realmente a construção de uma proposta de Base Curricular
realmente transformadora, teria ocorrido em todas as regiões do estado,
seminários ou encontros envolvendo os educadores para debater as 650 páginas da
BNCC. É muita página para estudar para tão pouco tempo. Se essa etapa fosse
contemplada, não seria necessário promover sorteio aleatório de professores para
participar do seminário, menos ainda oferecer aos contemplados bônus pomposos no
valor de 750 reais em dinheiro. Isso não é uma afronta ao profissionalismo.
Nenhuma outra profissão se submete a uma situação tão vexaminosa como a do
magistério. Pergunte para um medico, advogado, contador, etc, se ambos
recebem algum bônus para participar de eventos relativos às suas profissões?
Se tivessem
ocorrido encontros regionais, no momento da conclusão dos debates, seriam elaborados
relatórios e eleitos representantes por escola que se comprometeriam pelo envio
dos documentos e participariam das etapas estaduais. Quanto ao bônus, se o
governo do estado cumprisse o que está estabelecido na lei do Piso e no PEE, o
professor não precisaria estar recebendo esmolas para poder participar de tais
eventos, que me parece, o bônus teve como propósito gerar conflitos e divisões
nas escolas, provocando ciúmes entre aqueles que não tiveram a sorte de serem contemplados.
Enfim,
tanto o governo do estado como o próprio MEC ambos estão conseguindo alcançar
os seus objetivos em relação às reformas educacionais em curso, graças ao forte
aparato estrutural articulado nos estados envolvendo as Federações Industriais,
Undime, Conselho Estadual de Educação; Gereds e o Grupo Gestor das Escolas.
Esse é o caminho! O pior é que o próprio governo federal vai se valer desses
encontros nos estados para justificar a aprovação do documento. A questão, no
entanto, são as proposições elencadas nos encontros por áreas especificas como
do ensino de história, cujas propostas que foram sistematizadas na primeira
fase apresentavam além de erros primários, a exclusão ou transposição de temas
importantes para certos níveis sem um critério mais conciso.
Um exemplo
é concentrar o ensino da história antiga, das primeiras civilizações, passando
pela mesopotâmia, egípcia, greco/romana, idade média, entre outras, no ensino
fundamental. Devido a complexidade que é
trabalhar esses períodos históricos, dificilmente os estudantes do ensino
fundamental conseguirão assimilar com destreza todo esse complexo cabedal de informações.
Já o ensino médio de história, quem é professor sabe, nenhuma universidade
pública ou particular muniu os atuais profissionais da área, com todo vasto
campo de informações contido na BNCC. As próprias universidades terão que se ajustar,
com a inserção de disciplinas e metodologias novas, etc. Como ficam os atuais
profissionais? Serão garantidos aos mesmos cursar outra universidade ou cursos
intensivos de reciclagem? É óbvio que não vão garantir. A estratégia, portanto,
será o livro didático, única e principal ferramenta a disposição dos
professores. É só seguir os capítulos que, com certeza, terão exercícios, cujas
respostas estarão escritas em vermelho no livro anexo, exclusivo do professor.
Se
haviam dúvidas quanto as reais pretensões da formulação da BNCC, acredito que
agora com a nova versão apresentada, as mesmas estão sanadas. A intenção foi
reunir um grupo de intelectuais escolhidos a dedo de algumas instituições de
ensino superior ou pesquisadores, e montar um simulacro, formato receituário de
conteúdos ditos essenciais a serem “ensinados” no ensino básico. Não podemos
esquecer que no CONED (Conferência Nacional dos Educadores) de 2010 havia sido tirada uma proposta de
currículo que, embora não fosse o ideal, em tese, atendia as expectativas dos
profissionais da educação e das entidades que os representavam. No entanto, a
proposta base sofreu alteração quando o movimento “Todos Pela Educação”, entre
outros, vinculados ao receituário do capital, assumiram as coordenadas do
processe que resultou no modelo de proposta que se segue.
Quando
se diz que a BNCC é na sua essência um complexo receituário de conteúdos minuciosamente
recortados, lendo-os, não deixa qualquer dúvida. Escolher ou recortar certos
conteúdos que devem ser ensinados na escola, a partir das séries iniciais até o
ensino médio, já se presume que outros assuntos, também importantes, poderão se
deixados de fora. Foi exatamente o que ocorreu. Por que unificar um currículo, “dito
mínimo”, que na verdade se tornará “máximo”, quando se sabe da enorme
diversidade geográfica, cultural, étnica, da sociedade brasileira e global? Se
se estabelece o que deve ser ensino e como deve ser, o professor irá perder sua
condição de artesão, construtor, pesquisador, se configurando em uma espécie de
monitor treinado, que se guiará pelo livro didático. Não haverá segredo algum,
é só seguir a “correia de produção”.
Como
ficam aquelas escolas que se dedicam a trabalhar com temas diversos do
cotidiano que afetam diretamente o comportamento e as relações interpessoais?
Temas como gênero, violência, questões ambientais, que não estão inseridos na
BNCC, e que necessitam ser trabalhada durante todo o processo de aprendizagem?
O fato é que tais assuntos não são contemplados nos exames do ensino médio
nacional, portanto tornam-se desnecessários?
Se a
ideia é a padronização do currículo, já se subtende que por traz dessa
iniciativa existe todo um jogo de interesses, econômico, político e,
especialmente, ideológico. Isso porque quatro quinto dos estudantes brasileiros
estudam em escolas públicas. Se o livro didático será distribuído para cada
estudante, o único conhecimento que terão acesso serão aqueles contidos nos
manuais. Como querer acusar o professor de pretenso doutrinador, ideologizador
ou comunista, no qual resultou no movimento “escola sem partido”, quando a
própria BNCC, os conteúdos selecionados e distribuídos por níveis, estão
repletos de subjetividade e parcialidade política, de uma pequena fração conservadora
da população sobre os demais grupos.
Isso
não deixa duvidas, seguindo o modelo de avaliação que se pretende ou que está
sendo adotado embasado numa proposta de Exame Único (ENEM) para todos os
estudantes brasileiros. Um modelo de avaliação que atende as especificidades
recomendadas pelos organismos financiadores internacionais como o Banco Mundial.
Com base nas avaliações é possível acompanhar os desempenhos das escolas, dos
profissionais da educação e promover os ajustes necessários. Não estaria, também,
por traz desse modelo de financiamento e avaliação estudantil e institucional uma
forma de partidarização das escolas. Quem querer ousar e não seguir as regras
do jogo já montado será excluído.
Mudanças
curriculares como as que vêm sendo propostas assegurarão lucros bilionários para
empresas do setor editorial, entre outras que produzem e comercializam
equipamentos utilizados nas escolas. Não estaria aí um dos motivos da pressa que
querer finalizar as discussões da BNCC rapidamente. Outra dúvida que certamente
incomoda muitos professores: por que criar uma nova base curricular se há pouco
tempo foi aprovado em âmbito nacional o PCN (Proposta Curricular Nacional),
onde milhares de cópias foram distribuídas em todas as escolas brasileiras? Quem
quiser conferir é só ir às bibliotecas, claro, as escolas que as possuem, e
conferir nas prateleiras. Estão todos lá. Muitos ainda estão nos pacotes,
jamais foram abertos.
Prof.
Jairo Cezar
[1]
Audiência Pública na ALESC revela a situação caótica das escolas públicas
estaduais de Santa Catarina
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