domingo, 24 de julho de 2016

BNCC (BASE NACIONAL CURRICULAR COMUM) E SEUS DESDOBRAMENTOS SEGUNDO A AGENDA EMPRESARIAL

O governo do Estado, Raimundo Colombo e seu Secretario da Educação Eduardo Deschamps deveriam ter aproveitado a oportunidade em que o Ministro de Educação Mendonça Filho estava no estado para debater a BNCC (Bane Nacional Curricular Comum), e ter realizado um “tour” por algumas escolas públicas estaduais da grande Florianópolis, e ter visto em loco o caos estrutural das mesmas. Bom mesmo seria conhecer as mais de mil escolas públicas estaduais, espalhadas pelo estado, que semelhantes as de Florianópolis enfrentam todo tipo de descaso como foi revelado na audiência pública ocorrida no dia 14 de julho último na sala Antonieta de Barros na ALESC.[1] http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com.br/
Duvido que alguém do governo, do conselho estadual de educação, das ADR (Agencias do Desenvolvimento Regional) ou da própria assembleia legislativa, ousaram em pegar o microfone e desconstruir discursos inverídicos como do ministro da educação quando afirmou que “a sociedade não pode dar as costas. Enquanto a causa da educação for exclusiva de educadores, acadêmicos e pesquisadores que atuam na área da educação, ela será uma causa secundarizada e a educação não pode, de maneira alguma, ser secundarizada. A verdadeira e única transformação social que o Brasil poderá vivenciar será pela educação”Na verdade, não revelou o ministro, que quem realmente está dando as costas à educação são os próprios governos que jamais a conceberam como prioridade nas suas gestões.
 Se assim fosse não teriam suprimido do orçamento geral da união, somente para 2016, cerca de nove bilhões de reais e nem aprovado um falso Plano Nacional de Educação que determina transferência de 10% dos royalties do pré-sal para o financiamento da educação até 2024. Todos sabem que esse percentual jamais será aplicado pelo fato da atual futura conjuntura econômica internacional, das revelações de corrupção na Petrobras (operação conhecida como lava jato) e a quebra do monopólio relativo à exploração desse recurso mineral. Outro fato que acredito deve ter sido omitido pelo ministro e pelo próprio presidente do CONSED (Conselho Estadual dos Secretários de Educação), Eduardo Deschamps, foi quanto ao descumprimento das legislações que estabelecem o Piso Nacional do Magistério e dos Planos de Carreiras que vêm sendo aprovados nos estados como de Santa Catarina, que revelam exatamente o oposto daquilo que foi dito pelo ministro, que são realmente os governos que dão as costas para educação.
Ninguém, certamente, teve a coragem de falar para o ministro que os professores da rede pública estadual não tiveram nem mesmo a reposição das perdas inflacionarias de 2015, que seus salários ficarão congelados por cerca de quatro anos, até 2018, quando se sabe que a inflação oscilará, em média, 11 a 12% ao ano? Não entendo como um secretário de educação ousou em afirmar no encontro sobre a BNCC em Florianópolis que “Santa Catarina tem experiência de currículo com a proposta curricular catarinense que inclui a formação de professores e a participação de professores e das instituições na elaboração da proposta”. A dúvida aqui é qual a proposta curricular que o mesmo se referiu, se é a de 1998 ou outra mais atual, que acredito que nenhum professor da rede pública estadual deve ter conhecimento.
O que deve ser mencionado, provavelmente ninguém do auditório teve a coragem de revelar, é que a proposta curricular de Santa Catarina, desde a sua elaboração em 1998 até o momento, mesmo com a revisão ocorrida em 2005, continua sendo um documento esquecido nas secretarias e bibliotecas das escolas, geralmente utilizadas como fonte de pesquisa por estudantes do magistério, professores pretendentes às vagas de ACT, quando as utilizam para as provas de seleção anuais, ou quando há concurso público do magistério. Fora disso, a proposta curricular se assemelha aos PPPs (Projetos Políticos Pedagógicos) das escolas que são ligeiramente discutidos e sofrem algumas modificações nos dois ou três dias de estudos de cada início de cada ano letivo.
Também por que discutir PPP e Propostas Curriculares, se as escolas brasileiras, especialmente as do ensino médio, os temas e avaliações estão sendo guiados pelos exames do Enem? Claro que não discutidos com todo afinco! Para conferir é só visitar uma das milhares de escolas públicas brasileiras, especialmente de SC, e acompanhar os conteúdos estabelecidos, métodos de avaliação e as reuniões de conselhos de classe. É também conferir o que estabelecem os Planos Nacional, estaduais e municipais de educação, as propostas curriculares e os PPP com aquilo que vem sendo ensinado. Está muito longe ainda de atingir o que pretendem esses dispositivos pautados em escolas transformadoras que estimulem a criatividade, o senso crítico, o trabalho cooperativo, etc..  
Será que alguém mencionou no encontro que o governo do estado não vem cumprindo com que determina o PEE (Plano Estadual de Educação), como garantir a segurança nas escolas; reestruturação dos PPPs, etc., que o TCE estabeleceu prazo até 31 de agosto de 2016 para que SED faça os ajustes necessários? Na hipótese das recomendações do TCE não serem atendidas, os responsáveis serão punidos, ou seja, o Estado? Esse filme os professores já conhecem muito bem. Para saber mais sobre o teor da auditoria realizada pelo TCE nas escolas estaduais de Santa Catarina é só ler o artigo: “Auditoria realizada pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) revela o caos no ensino médio das escolas estaduais de Santa Catarina”. http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com.br/
Voltemos ao seminário sobre BNCC ocorrido em Florianópolis. O primeiro questionamento que se faz ou que talvez muitos fizeram é o motivo pelo qual o local escolhido para a abertura foi a sede da FIESC (Federação das Indústrias de Santa Catarina)? O fato é que a federação das indústrias do estado como demais entidades do seguimento empresarial vem subsidiando as reformas na educação em curso no estado e no país. O que se pretendem, portanto, é adequar a educação, especialmente o ensino médio público, as novas exigências do capital, cujo principal patrocinador é o Banco Mundial. Se formos observar os discursos proferidos por representantes dos seguimentos do capital dos quais vem influenciando os governos na definição dos planos educacionais, a proposta defendida por ambos é em defesa de um currículo enxuto direcionado ao tecnicismo, nos mesmos moldes da enfadonha lei 5.692/71 que vigorou durante o regime militar até 1998.
A BNCC em discussão no Brasil tem, nas suas entrelinhas, essa pretensão. Ou vocês acham que o propósito dos governos conservadores de plantão é formar sujeitos críticos e conscientes dos seus direitos como cidadão. Se fosse esse realmente a intenção, o processo tanto das discussões do PNE, PEE, PME, como da BNCC teriam seguido outros caminhos e não o que se seguiu, restringido a um punhado de professores, sem um debate mais consistente envolvendo a sociedade brasileira. Em sociedades mais democráticas e avançadas culturalmente temas importantes como esses sempre tem participação expressiva da população.
No Brasil se for feito uma enquete em todos os estados perguntando às pessoas se tem algum conhecimento ou se ouviram falar dessas estranhas siglas, acredito que o percentual dos que ouviram será ínfimo. Exceto, é claro, professores ou outros profissionais ligados à educação. Com um, porém, dirão que ouviram falar, porém não conhecem com clareza os objetivos e proposições estabelecidas por área de estudo, especialmente a sua. Na verdade é muito difícil de entender, pois mais parece uma colcha de retalhos, tamanha a complexidade. Por que razão então, o ex-ministro da educação Janine afirmou categoricamente quando recebeu a primeira versão da BNCC disse que a mesma não representava a posição do ministério ou do CNE a quem caberá a tarefa de aprovar a versão inicial? Não é um tanto quanto estranho tudo isso?
É exatamente esse o sentimento de milhões de educadores em todo território nacional. Desconhecimento. Se a intenção dos governos, mais especificamente do estado de santa Catarina, era realmente a construção de uma proposta de Base Curricular realmente transformadora, teria ocorrido em todas as regiões do estado, seminários ou encontros envolvendo os educadores para debater as 650 páginas da BNCC. É muita página para estudar para tão pouco tempo. Se essa etapa fosse contemplada, não seria necessário promover sorteio aleatório de professores para participar do seminário, menos ainda oferecer aos contemplados bônus pomposos no valor de 750 reais em dinheiro. Isso não é uma afronta ao profissionalismo. Nenhuma outra profissão se submete a uma situação tão vexaminosa como a do magistério. Pergunte para um medico, advogado, contador, etc, se ambos recebem algum bônus para participar de eventos relativos às suas profissões?
Se tivessem ocorrido encontros regionais, no momento da conclusão dos debates, seriam elaborados relatórios e eleitos representantes por escola que se comprometeriam pelo envio dos documentos e participariam das etapas estaduais. Quanto ao bônus, se o governo do estado cumprisse o que está estabelecido na lei do Piso e no PEE, o professor não precisaria estar recebendo esmolas para poder participar de tais eventos, que me parece, o bônus teve como propósito gerar conflitos e divisões nas escolas, provocando ciúmes entre aqueles que não tiveram a sorte de serem contemplados.
Enfim, tanto o governo do estado como o próprio MEC ambos estão conseguindo alcançar os seus objetivos em relação às reformas educacionais em curso, graças ao forte aparato estrutural articulado nos estados envolvendo as Federações Industriais, Undime, Conselho Estadual de Educação; Gereds e o Grupo Gestor das Escolas. Esse é o caminho! O pior é que o próprio governo federal vai se valer desses encontros nos estados para justificar a aprovação do documento. A questão, no entanto, são as proposições elencadas nos encontros por áreas especificas como do ensino de história, cujas propostas que foram sistematizadas na primeira fase apresentavam além de erros primários, a exclusão ou transposição de temas importantes para certos níveis sem um critério mais conciso.
Um exemplo é concentrar o ensino da história antiga, das primeiras civilizações, passando pela mesopotâmia, egípcia, greco/romana, idade média, entre outras, no ensino fundamental.  Devido a complexidade que é trabalhar esses períodos históricos, dificilmente os estudantes do ensino fundamental conseguirão assimilar com destreza todo esse complexo cabedal de informações. Já o ensino médio de história, quem é professor sabe, nenhuma universidade pública ou particular muniu os atuais profissionais da área, com todo vasto campo de informações contido na BNCC. As próprias universidades terão que se ajustar, com a inserção de disciplinas e metodologias novas, etc. Como ficam os atuais profissionais? Serão garantidos aos mesmos cursar outra universidade ou cursos intensivos de reciclagem? É óbvio que não vão garantir. A estratégia, portanto, será o livro didático, única e principal ferramenta a disposição dos professores. É só seguir os capítulos que, com certeza, terão exercícios, cujas respostas estarão escritas em vermelho no livro anexo, exclusivo do professor.
Se haviam dúvidas quanto as reais pretensões da formulação da BNCC, acredito que agora com a nova versão apresentada, as mesmas estão sanadas. A intenção foi reunir um grupo de intelectuais escolhidos a dedo de algumas instituições de ensino superior ou pesquisadores, e montar um simulacro, formato receituário de conteúdos ditos essenciais a serem “ensinados” no ensino básico. Não podemos esquecer que no CONED (Conferência Nacional dos Educadores)  de 2010 havia sido tirada uma proposta de currículo que, embora não fosse o ideal, em tese, atendia as expectativas dos profissionais da educação e das entidades que os representavam. No entanto, a proposta base sofreu alteração quando o movimento “Todos Pela Educação”, entre outros, vinculados ao receituário do capital, assumiram as coordenadas do processe que resultou no modelo de proposta que se segue.
Quando se diz que a BNCC é na sua essência um complexo receituário de conteúdos minuciosamente recortados, lendo-os, não deixa qualquer dúvida. Escolher ou recortar certos conteúdos que devem ser ensinados na escola, a partir das séries iniciais até o ensino médio, já se presume que outros assuntos, também importantes, poderão se deixados de fora. Foi exatamente o que ocorreu. Por que unificar um currículo, “dito mínimo”, que na verdade se tornará “máximo”, quando se sabe da enorme diversidade geográfica, cultural, étnica, da sociedade brasileira e global? Se se estabelece o que deve ser ensino e como deve ser, o professor irá perder sua condição de artesão, construtor, pesquisador, se configurando em uma espécie de monitor treinado, que se guiará pelo livro didático. Não haverá segredo algum, é só seguir a “correia de produção”.
Como ficam aquelas escolas que se dedicam a trabalhar com temas diversos do cotidiano que afetam diretamente o comportamento e as relações interpessoais? Temas como gênero, violência, questões ambientais, que não estão inseridos na BNCC, e que necessitam ser trabalhada durante todo o processo de aprendizagem? O fato é que tais assuntos não são contemplados nos exames do ensino médio nacional, portanto tornam-se desnecessários?
Se a ideia é a padronização do currículo, já se subtende que por traz dessa iniciativa existe todo um jogo de interesses, econômico, político e, especialmente, ideológico. Isso porque quatro quinto dos estudantes brasileiros estudam em escolas públicas. Se o livro didático será distribuído para cada estudante, o único conhecimento que terão acesso serão aqueles contidos nos manuais. Como querer acusar o professor de pretenso doutrinador, ideologizador ou comunista, no qual resultou no movimento “escola sem partido”, quando a própria BNCC, os conteúdos selecionados e distribuídos por níveis, estão repletos de subjetividade e parcialidade política, de uma pequena fração conservadora da população sobre os demais grupos.  
Isso não deixa duvidas, seguindo o modelo de avaliação que se pretende ou que está sendo adotado embasado numa proposta de Exame Único (ENEM) para todos os estudantes brasileiros. Um modelo de avaliação que atende as especificidades recomendadas pelos organismos financiadores internacionais como o Banco Mundial. Com base nas avaliações é possível acompanhar os desempenhos das escolas, dos profissionais da educação e promover os ajustes necessários. Não estaria, também, por traz desse modelo de financiamento e avaliação estudantil e institucional uma forma de partidarização das escolas. Quem querer ousar e não seguir as regras do jogo já montado será excluído.  
Mudanças curriculares como as que vêm sendo propostas assegurarão lucros bilionários para empresas do setor editorial, entre outras que produzem e comercializam equipamentos utilizados nas escolas. Não estaria aí um dos motivos da pressa que querer finalizar as discussões da BNCC rapidamente. Outra dúvida que certamente incomoda muitos professores: por que criar uma nova base curricular se há pouco tempo foi aprovado em âmbito nacional o PCN (Proposta Curricular Nacional), onde milhares de cópias foram distribuídas em todas as escolas brasileiras? Quem quiser conferir é só ir às bibliotecas, claro, as escolas que as possuem, e conferir nas prateleiras. Estão todos lá. Muitos ainda estão nos pacotes, jamais foram abertos.
Prof. Jairo Cezar
               
       
       



[1] Audiência Pública na ALESC revela a situação caótica das escolas públicas estaduais de Santa Catarina

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