quarta-feira, 22 de outubro de 2025

 

O FANTASMA DO ASSOREAMENTO DO BRAÇO DE RIO QUE CORTA ILHAS, ARARANGUÁ, ATORMENTA O IMAGINÁRIO DA COMUNIDADE

 


De todas as barras ou foz distribuídas na extensa faixa litorânea do estado catarinense, inquestionavelmente, a Foz do Rio Araranguá é a que se mostra mais complexa, decorrente da geomorfologia local e a dinâmica oceânica. A foz do rio Araranguá recebe água de dezenas de afluentes e subafluentes de uma bacia hidrográfica de tamanho médio, constituída por 22 municípios de duas microrregiões, a AMESC e da AMREC.   

Quase todas as nascentes que juntas formam a Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá, estão na base ou sobre a serra geral, cuja água, de início, tem um teor de pureza inigualável. Acontece que, a água cristaliza, que brota das rochas, em muitos pontos da bacia, algumas centenas de metros a vazante, começa a receber todo o tipo possível de poluentes, como esgotos domésticos e industriais, resíduos plásticos, rejeitos de carvão, agrotóxicos, entre outros.

Não bastasse toda essa problemática, tem outro agravante, a frágil mata ciliar, que em muitos trechos da bacia, foi completamente suprimida em decorrência da pressão agrícola mecanizada. Com a redução dessa APP, durante as enxurradas, que estão sendo mais frequentes e violentas, partículas de solo são removidas para o leito dos afluentes, acumulando no fundo, principalmente nos limites do território de Araranguá, que recebe toda a água da bacia.

Alguns bairros de Araranguá situados em áreas baixas e inundáveis sofrem mais os efeitos das enxurradas, a exemplo do Bairro Barranca. Para os pesquisadores e demais estudiosos da geografia, de clima e outras áreas afins, os problemas das cheias na vazante da bacia não está na sua foz, como alegaram e ainda alegam gestores públicos que transitaram e transitam pelos corredores do paço municipal de Araranguá. Se prestarmos a atenção em muitas imagens capturadas da foz do rio Araranguá nesses últimos cem anos, podemos perceber que foram inúmeras as aberturas de canais auxiliares nas imediações da comunidade do Morro Agudo, cujo objetivo foi agilizar o escoamento da água ao oceano.

https://g1.globo.com/VCnoG1/0,,VGU943068-8491,00.html


Na figura acima estão três imagens do rio Araranguá entre o Morro Agudo à comunidade de Ilhas, uma tirada em 1938, a segunda, em 1957 e a última, em 1978. O que interessa aqui é analisarmos as duas últimas imagens, ambas mostrando a abertura de canais auxiliares, provavelmente por gestores públicos durante a ocorrência de cheias. A última imagem, por exemplo, o braço de rio, depois do canal que foi aberto, quase que foi totalmente assoreado, restando uma minúscula linha d’água. É bem provável que maquinários foram contratados para desobstruir o braço do rio, bem como a foz, que estaria obstruída.

Depois de 1978, ocorreram mais quatro ou cinco tentativas de abertura de canais auxiliares nesse trecho das anteriores, com objetivos claros de mitigar os efeitos das enxurradas, porém todas, sem sucesso, sendo, portanto, comemorado como vitória pelos moradores de ilhas. Em 2011 audiências públicas foram realizadas em Araranguá para discutir o projeto de fixação da barra. Na realidade, o projeto apresentado propunha de opções para fixação, uma na frente do Morro Agudo, outra mais próximo de Ilhas, e a última, onde está foz tradicional.

O projeto foi embargado pelo IBAMA por apresentar várias incongruências técnicas, dando a certeza que com a fixação da barra não minimizaria os efeitos das enxurradas no montante da bacia.   Não satisfeitos à negativa do órgão ambiental federal, a proposta politiqueira da fixação da barra sempre volta à tona, principalmente em períodos eleitorais. Frequentes enxurradas na bacia do rio Araranguá, claro que agravado agora pelo aquecimento global, fez com que a atual administração de Araranguá, arriscasse a sorte, abrindo mais uma vez um canal auxiliar, mesmo local que muitos administradores pós 1978, tentaram, porém, sem sorte.

O incrível é que a atual administração teve mais sorte que juízo, pois foi agraciado por inúmeros fatores, principalmente climáticos, que fez com que o canal, que se acreditava ser provisório, tornou-se permanente. Diante do ocorrido, voltou a discussão a ideia de fixação da barra, talvez pelo fato de que seus articuladores, terem interesse de que ela seja construída no atual canal aberto. É possível que o canal aberto tenha “ressuscitado o fantasma” do assoreamento do braço do rio em Ilhas em datas passadas.

Esse episódio do assoreamento quase definitivo do canal foi relatado pelo ex-presidente da Colônia de Pesca do bairro, o Sr. Adeirde Pedroso, quando foi entrevisto há quinze anos por estudantes da EEF Padre Antônio Luís Dias do bairro Morro dos Conventos.  Confessou que no passado recente, o braço do rio que passa por ilhas foi quase completamente assoreado, isso pelo fato de que na época, possivelmente final da década de 1970, governo Salmi Paladini, imagem abaixo, executou a abertura de um canal, próximo do Morro Agudo, para acelerar a vazão da água do rio ao mar.


Com o tempo, é correto afirmar que a “boca da barra” tradicional deve ter sido completamente assoreada, fazendo como que o braço do rio ficasse inerte, morto.  Discorreu também Adeirde, que houve muita pressão para que o braço de rio fosse dragado, recuperando o seu fluxo e o salvando da comunidade ao desaparecimento.

Com a recente abertura do canal, ocorrida há quadro anos, no mesmo ponto das anteriores, as imagens tiradas do local já mostram sinais do drama do assoreamento, tirando o sono dos moradores da comunidade de Ilhas. Como afirmou Adeirde, o fechamento da barra, nas proximidades da Barra Velha, durante as cheias, toneladas de sedimentos voltam a ser depositadas no fundo do rio morto, reduzindo progressivamente a sua profundidade. A ação eólica, principalmente do vento nordeste, tende a acelerar o assoreamento, com toneladas e mais toneladas de areia despejadas no rio morto. É possível que o novo canal aberto, já deve ter afetado profundamente toda a dinâmica da atividade pesqueira no bairro.

O que se vê e o que se sente atualmente, é um silêncio sepulcral das autoridades e por parte expressiva da população de Ilhas e Morro Agudo. O assunto hoje que domina o cenário dos debates no município e na comunidade é a construção da quarta ponte integrando Hercílio Luz ao Morro dos Conventos, sua importância para o desenvolvimento da região. Nada se fala acerca do fechamento da barra e seus efeitos nefastos à comunidade.

É preciso deixar claro que tanto a insistente abertura de canais de escoamento da água quanto a desejada fixação da barra, ambos não solucionarão os impactos das cheias na extensa área da bacia, em especial na área urbana do município de Araranguá. O problema das cheias e seus impactos, se devem a questões antrópicas, ou seja, agricultura intensiva, na qual pressiona a APP, matas ciliares, em toda a extensão da bacia.

Colocar Ilhas, Morro Agudo, Barra Velha, no foco do debate sobre a ação do poder público na tomada de decisões em obras estruturantes na extensão do braço do rio, é necessário e urgente. Um dos fatores preponderantes ao fortalecimento do debate sobre o futuro da comunidade, sobre o rio que desagua na foz, é que esse trecho está inserido numa Reserva Extrativista – RESEX, criada por decreto municipal em 2016. Deixar claro que embora a Área de Proteção Ambiental - APA tenha sido suprimida por decreto, e o MONA-UC, reduzido sua área, ambas pela atual gestão, a RESEX, permanece intacta, devendo apenas ser executada as etapas propostas pelo decreto.

Um fator motivador para publicizar o decreto que criou a RESEX é que um dos seus artigos, determina que havendo obras  estruturantes na sua extensão, fração do recurso investido deve ser destinado ao comitê da RESEX, que será aplicado em educação ambiental, bem como outros serviços para a melhoria da atividade pesqueira integrativa nos limites da unidade de conservação.

Prof. Jairo Cesa    

 

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