O FANTASMA DO ASSOREAMENTO DO BRAÇO DE RIO QUE CORTA ILHAS, ARARANGUÁ, ATORMENTA O IMAGINÁRIO DA COMUNIDADE
De todas as barras ou foz
distribuídas na extensa faixa litorânea do estado catarinense,
inquestionavelmente, a Foz do Rio Araranguá é a que se mostra mais complexa,
decorrente da geomorfologia local e a dinâmica oceânica. A foz do rio Araranguá
recebe água de dezenas de afluentes e subafluentes de uma bacia hidrográfica de
tamanho médio, constituída por 22 municípios de duas microrregiões, a AMESC e
da AMREC.
Quase todas as nascentes que juntas
formam a Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá, estão na base ou sobre a serra
geral, cuja água, de início, tem um teor de pureza inigualável. Acontece que, a
água cristaliza, que brota das rochas, em muitos pontos da bacia, algumas
centenas de metros a vazante, começa a receber todo o tipo possível de poluentes,
como esgotos domésticos e industriais, resíduos plásticos, rejeitos de carvão,
agrotóxicos, entre outros.
Não bastasse toda essa
problemática, tem outro agravante, a frágil mata ciliar, que em muitos trechos
da bacia, foi completamente suprimida em decorrência da pressão agrícola
mecanizada. Com a redução dessa APP, durante as enxurradas, que estão sendo
mais frequentes e violentas, partículas de solo são removidas para o leito dos
afluentes, acumulando no fundo, principalmente nos limites do território de
Araranguá, que recebe toda a água da bacia.
Alguns bairros de Araranguá
situados em áreas baixas e inundáveis sofrem mais os efeitos das enxurradas, a
exemplo do Bairro Barranca. Para os pesquisadores e demais estudiosos da
geografia, de clima e outras áreas afins, os problemas das cheias na vazante da
bacia não está na sua foz, como alegaram e ainda alegam gestores públicos que
transitaram e transitam pelos corredores do paço municipal de Araranguá. Se
prestarmos a atenção em muitas imagens capturadas da foz do rio Araranguá
nesses últimos cem anos, podemos perceber que foram inúmeras as aberturas de
canais auxiliares nas imediações da comunidade do Morro Agudo, cujo objetivo
foi agilizar o escoamento da água ao oceano.
| https://g1.globo.com/VCnoG1/0,,VGU943068-8491,00.html |
Na figura acima estão três imagens
do rio Araranguá entre o Morro Agudo à comunidade de Ilhas, uma tirada em 1938,
a segunda, em 1957 e a última, em 1978. O que interessa aqui é analisarmos as
duas últimas imagens, ambas mostrando a abertura de canais auxiliares,
provavelmente por gestores públicos durante a ocorrência de cheias. A última
imagem, por exemplo, o braço de rio, depois do canal que foi aberto, quase que
foi totalmente assoreado, restando uma minúscula linha d’água. É bem provável
que maquinários foram contratados para desobstruir o braço do rio, bem como a
foz, que estaria obstruída.
Depois de 1978, ocorreram mais
quatro ou cinco tentativas de abertura de canais auxiliares nesse trecho das
anteriores, com objetivos claros de mitigar os efeitos das enxurradas, porém
todas, sem sucesso, sendo, portanto, comemorado como vitória pelos moradores de
ilhas. Em 2011 audiências públicas foram realizadas em Araranguá para discutir o
projeto de fixação da barra. Na realidade, o projeto apresentado propunha de opções
para fixação, uma na frente do Morro Agudo, outra mais próximo de Ilhas, e a
última, onde está foz tradicional.
O projeto foi embargado pelo IBAMA
por apresentar várias incongruências técnicas, dando a certeza que com a
fixação da barra não minimizaria os efeitos das enxurradas no montante da
bacia. Não satisfeitos à negativa do
órgão ambiental federal, a proposta politiqueira da fixação da barra sempre
volta à tona, principalmente em períodos eleitorais. Frequentes enxurradas na
bacia do rio Araranguá, claro que agravado agora pelo aquecimento global, fez
com que a atual administração de Araranguá, arriscasse a sorte, abrindo mais
uma vez um canal auxiliar, mesmo local que muitos administradores pós 1978,
tentaram, porém, sem sorte.
O incrível é que a atual
administração teve mais sorte que juízo, pois foi agraciado por inúmeros
fatores, principalmente climáticos, que fez com que o canal, que se acreditava
ser provisório, tornou-se permanente. Diante do ocorrido, voltou a discussão a
ideia de fixação da barra, talvez pelo fato de que seus articuladores, terem
interesse de que ela seja construída no atual canal aberto. É possível que o
canal aberto tenha “ressuscitado o fantasma” do assoreamento do braço do rio em
Ilhas em datas passadas.
Esse episódio do assoreamento quase
definitivo do canal foi relatado pelo ex-presidente da Colônia de Pesca do
bairro, o Sr. Adeirde Pedroso, quando foi entrevisto há quinze anos por
estudantes da EEF Padre Antônio Luís Dias do bairro Morro dos Conventos. Confessou que no passado recente, o braço do
rio que passa por ilhas foi quase completamente assoreado, isso pelo fato de
que na época, possivelmente final da década de 1970, governo Salmi Paladini, imagem abaixo, executou a abertura de um canal,
próximo do Morro Agudo, para acelerar a vazão da água do rio ao mar.
Com o tempo, é correto afirmar que
a “boca da barra” tradicional deve ter sido completamente assoreada, fazendo
como que o braço do rio ficasse inerte, morto.
Discorreu também Adeirde, que houve muita pressão para que o braço de
rio fosse dragado, recuperando o seu fluxo e o salvando da comunidade ao
desaparecimento.
Com a recente abertura do canal,
ocorrida há quadro anos, no mesmo ponto das anteriores, as imagens tiradas do
local já mostram sinais do drama do assoreamento, tirando o sono dos moradores
da comunidade de Ilhas. Como afirmou Adeirde, o fechamento da barra, nas
proximidades da Barra Velha, durante as cheias, toneladas de sedimentos voltam
a ser depositadas no fundo do rio morto, reduzindo progressivamente a sua
profundidade. A ação eólica, principalmente do vento nordeste, tende a acelerar
o assoreamento, com toneladas e mais toneladas de areia despejadas no rio
morto. É possível que o novo canal aberto, já deve ter afetado profundamente
toda a dinâmica da atividade pesqueira no bairro.
O que se vê e o que se sente
atualmente, é um silêncio sepulcral das autoridades e por parte expressiva da
população de Ilhas e Morro Agudo. O assunto hoje que domina o cenário dos
debates no município e na comunidade é a construção da quarta ponte integrando Hercílio
Luz ao Morro dos Conventos, sua importância para o desenvolvimento da região.
Nada se fala acerca do fechamento da barra e seus efeitos nefastos à
comunidade.
É preciso deixar claro que tanto a
insistente abertura de canais de escoamento da água quanto a desejada fixação
da barra, ambos não solucionarão os impactos das cheias na extensa área da
bacia, em especial na área urbana do município de Araranguá. O problema das
cheias e seus impactos, se devem a questões antrópicas, ou seja, agricultura
intensiva, na qual pressiona a APP, matas ciliares, em toda a extensão da
bacia.
Colocar Ilhas, Morro Agudo, Barra Velha, no foco do debate sobre a ação do poder público na tomada de decisões em obras estruturantes na extensão do braço do rio, é necessário e urgente. Um dos fatores preponderantes ao fortalecimento do debate sobre o futuro da comunidade, sobre o rio que desagua na foz, é que esse trecho está inserido numa Reserva Extrativista – RESEX, criada por decreto municipal em 2016. Deixar claro que embora a Área de Proteção Ambiental - APA tenha sido suprimida por decreto, e o MONA-UC, reduzido sua área, ambas pela atual gestão, a RESEX, permanece intacta, devendo apenas ser executada as etapas propostas pelo decreto.
Um fator motivador para publicizar o decreto que criou a RESEX é que um dos seus artigos, determina que havendo obras estruturantes na sua extensão, fração do recurso investido deve ser destinado ao comitê da RESEX, que será aplicado em educação ambiental, bem como outros serviços para a melhoria da atividade pesqueira integrativa nos limites da unidade de conservação.
Prof. Jairo Cesa
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