quarta-feira, 10 de setembro de 2025

 

RETROCEDEMOS À CAVERNA DE PLATÃO?

Lembro-me que nos anos 70, 80 e 90 era comum nos perímetros centrais, bairros e vilas dos municípios, a existência de clubes, discotecas, salões de bailes, além de outros espaços como campos de futebol que atraiam uma legião de jovens e adultos nos finais de semana. Incrível também a quantidade de bandas musicais, cujos ritmos prediletos do público e tocados por elas eram basicamente o pop rock nacional e internacional.

E não faltavam opções musicais, mas tinham as preferidas do público, principalmente nos clubes e discotecas, onde geralmente as festas eram abrilhantadas por Disc Jockey, que levavam o público ao delírio, selecionando ritmos dançantes de grande sucesso na época. Independente de estar chovendo ou não, nos finais de semana todos os clubes recebiam grande público, pois era o momento dos encontros dos amigos, das paqueras, de ouvir e dançar aquela música que tocava nas rádios AM e FM, com letras que irradiava energia, vibração sonora.

O tempo foi passando e o gosto musical foi mudando. Entramos no século XXI, com outros ritmos musicais, adaptados ao gosto estranho de uma nova geração de jovens que prefere as baladas com duplas sertanejas, que se autodenominam universitárias. O rock pop, com ritmos dançantes, foi convertido em sons maçantes, com letras pobres que trazem à luz, a solidão, relacionamentos conturbados, amores frustrados, mulheres objetificadas, entre outras expressões decadentes.

Paralela a decadência musical, a impressão que se tem é que  a sociedade está retrocedendo ao século XVII, faze anterior ao iluminismo, dos regimes absolutistas, da igreja católica guiando a cultura e vida social. Com a ruptura do antigo regime, entramos no século das luzes, da supressão do pensamento guiado pela fé, sobressaindo a filosofia, razão, a emancipação humana. Entretanto, três séculos depois, parece que a humanidade está retrocedendo, se descivilizando, revelando que algo deu errado nas previsões “evolutivas” do gênero humano, como acreditavam os filósofos e sociólogos modernos.

De súbito, a humanidade se retraiu, a expectativa de futuro, de ócio criativo, se reverbera em medo, alienação, provocando um assombroso retorno à caverna de Platão. As casas de shows, discotecas, cinemas, são transformadas em templos religiosos, refúgios dos jovens e adultos desiludidos, que direcionam agora toda a sua energia vital às orações, acreditando piamente no retorno do messias, do divino.

Talvez seja essa a explicação do extraordinário crescimento de edificações religiosas, principalmente de tradição pentecostal, nos bairros e vilas de todas as cidades brasileiras. É só dar uma voltinha pela cidade e perceber o número de igrejas instaladas com denominações das mais curiosas possíveis. Um mundo dominado pelas incertezas da ciência e da política, que não conseguem dar respostas às expectativas de completudes para todos, sendo o refúgio, à “caverna”, que se mostra inevitável.  E é, portanto, nesse refúgio coletivo/individualizado que está o perigo. Muitos jovens e adultos já com os seus “eu” aprisionados pelas desilusões, frustrações e medos, viram presas fáceis de espertalhões, que evocam serem representantes de “deus”, para galgar vantagens individuais.

A ascensão das mais diferentes seitas e templos religiosos são provas indiscutíveis de que a ciência, a política, não alcançaram os resultados apregoados, ou seja, as melhorias das condições de vida para todos os cidadãos. É claro que tais promessas não seriam possíveis de efetivação, porque tanto a ciência quanto a política foram forjadas a partir de um modelo de produção que se alimenta da exploração do trabalho alheio. A pouca escolaridade, bem como as longas jornadas de trabalho árduo, sugam dos indivíduos tudo o que essencialmente humano, o gosto pela arte, o amor ao próximo, a solidariedade etc. E o que sobra para esses sujeitos esvaziados?  

Mentes fragilizadas, carentes de amor e de autoestima tendem a ser invadidas por ideias e valores que representam o pensamento de um determinado grupo interessado em galgar espaços de poder, por exemplo, o estatal. Desconstruir ou demonizar conceitos, idolatrar símbolos até mesmo pessoas a ponto de virarem mitos, sempre se revelaram nos momentos de crises estruturais. Aqui, portanto, está o perigo dos templos, claro que nem todos, sempre abarrotados de jovens e adultos desesperançosos à espera de uma luz, de uma bússola, para lhes redirecionarem.

Repito, as grandes tragédias humanitárias, o nazismo e o fascismo, por exemplo, foram forjados a partir de cenários parecidos ao que estamos vivendo hoje. Frustrações, desesperanças, o medo do outro, baixa escolaridade, foram ingredientes essenciais para o surgimento de “líderes” habilidosos, carismáticos, fanáticos, que apregoaram ódio contra todos que não comungavam com os seus pensamentos. Hoje vemos “religiosos”, atuando nessa direção, sendo verdadeiros testas de ferro de forças políticas que insistem em reverenciar torturadores.

´Prof. Jairo Cesa        

     

   

 

 

            

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