RETROCEDEMOS
À CAVERNA DE PLATÃO?
Lembro-me
que nos anos 70, 80 e 90 era comum nos perímetros centrais, bairros e vilas dos
municípios, a existência de clubes, discotecas, salões de bailes, além de
outros espaços como campos de futebol que atraiam uma legião de jovens e
adultos nos finais de semana. Incrível também a quantidade de bandas musicais,
cujos ritmos prediletos do público e tocados por elas eram basicamente o pop
rock nacional e internacional.
E não
faltavam opções musicais, mas tinham as preferidas do público, principalmente
nos clubes e discotecas, onde geralmente as festas eram abrilhantadas por Disc
Jockey, que levavam o público ao delírio, selecionando ritmos dançantes de
grande sucesso na época. Independente de estar chovendo ou não, nos finais de
semana todos os clubes recebiam grande público, pois era o momento dos
encontros dos amigos, das paqueras, de ouvir e dançar aquela música que tocava
nas rádios AM e FM, com letras que irradiava energia, vibração sonora.
O
tempo foi passando e o gosto musical foi mudando. Entramos no século XXI, com
outros ritmos musicais, adaptados ao gosto estranho de uma nova geração de
jovens que prefere as baladas com duplas sertanejas, que se autodenominam
universitárias. O rock pop, com ritmos dançantes, foi convertido em sons
maçantes, com letras pobres que trazem à luz, a solidão, relacionamentos
conturbados, amores frustrados, mulheres objetificadas, entre outras expressões
decadentes.
Paralela
a decadência musical, a impressão que se tem é que a sociedade está retrocedendo ao século XVII,
faze anterior ao iluminismo, dos regimes absolutistas, da igreja católica
guiando a cultura e vida social. Com a ruptura do antigo regime, entramos no
século das luzes, da supressão do pensamento guiado pela fé, sobressaindo a filosofia,
razão, a emancipação humana. Entretanto, três séculos depois, parece que a
humanidade está retrocedendo, se descivilizando, revelando que algo deu errado
nas previsões “evolutivas” do gênero humano, como acreditavam os filósofos e
sociólogos modernos.
De
súbito, a humanidade se retraiu, a expectativa de futuro, de ócio criativo, se
reverbera em medo, alienação, provocando um assombroso retorno à caverna de
Platão. As casas de shows, discotecas, cinemas, são transformadas em templos
religiosos, refúgios dos jovens e adultos desiludidos, que direcionam agora
toda a sua energia vital às orações, acreditando piamente no retorno do
messias, do divino.
Talvez
seja essa a explicação do extraordinário crescimento de edificações religiosas,
principalmente de tradição pentecostal, nos bairros e vilas de todas as cidades
brasileiras. É só dar uma voltinha pela cidade e perceber o número de igrejas
instaladas com denominações das mais curiosas possíveis. Um mundo dominado pelas
incertezas da ciência e da política, que não conseguem dar respostas às
expectativas de completudes para todos, sendo o refúgio, à “caverna”, que se
mostra inevitável. E é, portanto, nesse
refúgio coletivo/individualizado que está o perigo. Muitos jovens e adultos já
com os seus “eu” aprisionados pelas desilusões, frustrações e medos, viram
presas fáceis de espertalhões, que evocam serem representantes de “deus”, para
galgar vantagens individuais.
A
ascensão das mais diferentes seitas e templos religiosos são provas
indiscutíveis de que a ciência, a política, não alcançaram os resultados
apregoados, ou seja, as melhorias das condições de vida para todos os cidadãos.
É claro que tais promessas não seriam possíveis de efetivação, porque tanto a
ciência quanto a política foram forjadas a partir de um modelo de produção que
se alimenta da exploração do trabalho alheio. A pouca escolaridade, bem como as
longas jornadas de trabalho árduo, sugam dos indivíduos tudo o que
essencialmente humano, o gosto pela arte, o amor ao próximo, a solidariedade
etc. E o que sobra para esses sujeitos esvaziados?
Mentes
fragilizadas, carentes de amor e de autoestima tendem a ser invadidas por
ideias e valores que representam o pensamento de um determinado grupo
interessado em galgar espaços de poder, por exemplo, o estatal. Desconstruir ou
demonizar conceitos, idolatrar símbolos até mesmo pessoas a ponto de virarem
mitos, sempre se revelaram nos momentos de crises estruturais. Aqui, portanto,
está o perigo dos templos, claro que nem todos, sempre abarrotados de jovens e
adultos desesperançosos à espera de uma luz, de uma bússola, para lhes
redirecionarem.
Repito,
as grandes tragédias humanitárias, o nazismo e o fascismo, por exemplo, foram
forjados a partir de cenários parecidos ao que estamos vivendo hoje. Frustrações,
desesperanças, o medo do outro, baixa escolaridade, foram ingredientes
essenciais para o surgimento de “líderes” habilidosos, carismáticos, fanáticos,
que apregoaram ódio contra todos que não comungavam com os seus pensamentos.
Hoje vemos “religiosos”, atuando nessa direção, sendo verdadeiros testas de
ferro de forças políticas que insistem em reverenciar torturadores.
´Prof.
Jairo Cesa
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