ARQUÉTIPOS ACERDA DA NOSSA SENHORA
MAE DOS HOMENS, PADROEIRA DE ARARANGUÁ/SC
Desde o instante que os primeiros
hominídeos no seu processo evolutivo desenvolveram certas habilidades
cognitivas, passaram buscar respostas para muitos fenômenos relacionados a sua
existência. Entretanto, diante da não supressão de dúvidas que resultavam em
crises existenciais, atribuíam à tais episódios não explicados pela mente, os
elementos da metafísica, o que transcende a experiência sensível.
Com o transcorrer do tempo, era necessário
compreender melhor a própria estruturação da mente humana, sua relação ou não com
os fenômenos místicos, espirituais, se eram construções psíquicas ou forças
cósmicas. Foi o século XIX cujas bases do pensamento filosófico já
solidificadas permitiram a ascensão da ciência psicológica como área do
conhecimento que irá trilhar os labirintos da mente humana. Freud, seus discípulos,
entre outros/as seguidores influenciados pela sua teoria, foram pavimentando
passo a passo os caminhos da psicologia, da psicanálise, entre outras correntes
afins, promovendo verdadeiras revoluções no campo da saúde mental.
Das correntes advindas da psicologia,
a psicanálise, por exemplo, deve ser evidenciada como estrada ainda em
construção, na compreensão e no tratamento de distúrbios psíquicos motivados
por fatores inconscientes. Entretanto, poderia estar nessa área ainda
misteriosa, enigmática do cérebro, que é o inconsciente, as respostas de muita
gente buscar incessantemente à fé, à espiritualidade, como esperança para
minimizar ou suprimir sofrimentos, medos, traumas.
Claro que a sexualidade, as
repressões sofridas pela humanidade no seu transcurso evolutivo, foi um dos
principais objetos de investigação do pai da psicologia, Freud. As energias
vitais acumuladas, não liberadas sexualmente, tenderiam ser sublimadas, ou
seja, canalizadas para processos construtivos individuais e coletivos. Mas estaria
mesmo nos campos sexuais reprimidos, os fatores influenciadores dos nossos comportamentos
e atitudes construtivas e destrutivas?
O discípulo de Freud, Jung, procurou
ir mais além em suas investigações
acerca do comportamento humano, admitindo que certas anomalias psíquicas, bem
como atitudes e habilidades inconscientes
são construções transgeracionais, ou seja, heranças dos nossos antepassados transmitidas
coletivamente no transcurso do processo
evolutivo humano. Nesse cenário transgeracional, Jung construiu o conceito de arquétipo,
que são representações inconscientes, por trás
dos bloqueios psíquicos e das manifestações
individuais e coletivas, como a cura de moléstias por meio das rezas.
Os fenômenos da natureza, o ato de nascer e morrer, por exemplo, as
primeiras sociedades buscavam explicá-los como representações metafísicas, isto
é, forças imagéticas sobre objetos não inanimados. Distintas culturas colocavam
nomes às representações inanimadas, que exerciam imensa influência sobre as
manifestações da natureza. O humano como integrante do cosmos sempre tentou
decifrar os enigmas envolvendo a sua existência, bem como responder dúvidas
acerca da fé, das crenças, em que parte do cérebro humano processa tudo isso.
É comum se ouvir ainda hoje
expressões do tipo “a fé move montanhas”. Entretanto se sabe que o cérebro
humano possui estruturas que ativadas liberam substâncias, antídotos capazes de
até mesmo curar certas moléstias. Recorrer à religião, as figuras ou expressões
“santificadas”, para minimizar sofrimentos psíquicos ou enfermidades físicas
são práticas corriqueiras dos devotos. No cristianismo, tem-se a representação
do arquétipo do divino a partir do seu fundador, Jesus Cristo. Nesse sentido, a
imagem do cristo salvador, justiceiro, bondoso, se manifesta no imaginário
coletivo como uma figura arquetípica.
As figuras humanas santificadas, são
representações inconscientes de José e Maria, ambos, pai e mãe de Jesus Cristo.
Ao mesmo tempo que o cérebro constrói representações do bem, como à liberdade,
à cura, também podem os arquétipos assumir caminhos contrários, do ódio, da
perversidade, da repressão. Um exemplo interessante que mercê reflexão acerca
do arquétipo do bem, é a figura do monge João Maria de Jesus, figura mitificada
por milhares de pessoas do sul do Brasil, por acreditar ter ele intercedido na solução
de muitos problemas.
As inúmeras benzedeiras distribuídas
pelos três estados do sul, utilizam nos seus rituais de cura, elementos
similares aos utilizados pelo monge nas suas aparições durante o começo do
século XX. A água era um desses elementos.
Claro que sob a acepção junguiana, além das plantas e a água nos ritos
de cura, há outro importante ingrediente decisivo no sucesso ritualístico, o
uso da fala. No instante que são
aferidas as orações, laços simbióticos entre quem realiza e recebe a graça são praticados. O cérebro, por sua vez,
ativa dispositivos hormonais que são lançados na corrente sanguínea ativando
células saudáveis que promoverão a cura de moléstias.
A devoção, a crença, por divindades,
se caracterizaram como condições intrínsecas à própria humanidade. No
cristianismo, mais especificamente, o catolicismo, tem-se os santos/as que,
arquetipicamente, são representações inconscientes do pai e da mãe, ou seja, de
José e Maria, pais de Jesus Cristo. Nas centenas de imagens santificadas no ambiente
católico, onde congrega mais de um bilhão de seguidores no mundo inteiro, temos
a Nossa Senhora Mãe dos Homens, símbolo carregado de fé e devoção para parcela
significativa da população do município de Araranguá.
Sua presença no município data da
metade do século XIX, onde nos quase
dois séculos de existência é atribuída à ela a interseção de incalculáveis bençãos e milagres. A data do dia 04 de maio é quando
acontece a celebração festiva, convergindo para o santuário e no perímetro
central do município milhares de pessoas vindas de todos os cantos da região
sul do estado.
O que impressiona o rito festivo à
padroeira do município é a forte devoção investida à ela. São centenas de
voluntários, na sua maioria devotos, que disponibilizam frações significativas
dos seus tempos prestando alguma ajuda antes e durante o evento festivo. O que
deve ser compreendido quanto a representatividade da padroeira Nossa Senhora
Mae dos Homens é a sua interconexão com as estruturas políticas do município e
região, muitos candidatos, especialmente ao executivo, tiveram a padroeira ao
longo da história, um importante cabo eleitoral como estratégia para atrair
votos dos eleitores devotos.
Por ser um arquétipo que representa o
feminino, se presumia que sua energia inconsciente influenciasse no
empoderamento das mulheres em galgar mais espaços nos ambientes públicos. De
fato, isso não ocorre, principalmente no campo da política, pois nos 145 anos
de emancipação político administrativa, foram somente quatro mulheres eleitas
ao cargo de vereadora e uma prefeita, que assumiu interinamente o passo
municipal por 45 dias. Portanto, como
explicar esse fenômeno a partir do arquétipo da Nossa Senhora Mãe dos Homens,
um símbolo religioso que representa uma legião de fiéis, sendo que parte
expressiva delas são de mulheres.
Mulheres que são lembradas somente
quando prestam serviços à causa espiritual, porém esquecidas, excluídas, quando
da representatividade política. Uma das possíveis respostas à exclusão, ao
esquecimento das mulheres nos postos de comando no executivo e no legislativo, está
no modo como o campo religioso católico foi milenarmente modelado,
hierarquicamente formado por homens. Com raras exceções, as lideranças máximas
da instituição católica, os papas, sempre foram homens impregnados de valores
morais machistas, imputando inconscientemente à mulher, culpa pelos males da
sociedade.
Também como explicar uma nação cuja
religião católica ainda se prepondera sobre as demais, tendo como principal
representação espiritual, uma imagem feminina negra, Nossa Senhora Aparecida,
com índices tão elevados de violência contra as mulheres, de feminicídio, de
estupro. Por que a imagem sagrada da padroeira, pouca representatividade tem no
empoderamento das mulheres às arbitrariedades conscientes e inconscientes
masculinas?
Penso que as próprias lideranças no
comando da instituição católica, cardeais, arcebispos, bispos, sacerdotes, possuem
certa culpa às arbitrariedades sofridas por milhões de mulheres. O modo como pensam
e agem às demandas inerentes a elas, podem ser decisivas ao maior ou menor
empoderamento social. No passado recente setores mais progressistas da igreja,
como a Teologia da Libertação, desempenharam papel importante nos
enfrentamentos das forças dominantes do imperialismo às periferias da América
Latina.
Uma igreja mais política, mais
próxima dos explorados, sempre foi motivo de preocupação das elites políticas e
setores conservadores da igreja católica. Nos conclaves, a escolha de algum
papa mais progressista, demandas como a fome, gênero, meio ambiente, entre
outras, sempre tiveram destaques.
Entretanto, a escolha de figuras mais conservadoras nos conclaves,
geravam motivos de preocupação às camadas populares e empolgação, entusiasmo
aos segmentos fundamentalistas enraizados nas estruturas dessa instituição. Essa
postura mais conservadora, refletiu por algum tempo nos cargos relevantes da
hierarquia da própria igreja, dentre os quais, a dos sacerdotes para as
paróquias no mundo inteiro.
Um bom exemplo para ilustrar essa
realidade conservadora é a paróquia Nossa Senhora Mãe dos Homens, cujo atual
chefe sacerdotal vem assumindo posições que mostra distanciamento ao apregoado pelo
ex-pontífice Papa Francisco, e repetido
pelo atual papa Leão XIV durante a sua primeira celebração pós pontificado: “a
igreja precisa ser guiada pela espiritualidade dos seus integrantes, e não pela
grandeza de seus edifícios, pedindo mais trabalho onde há falta de fé”.
Quem acompanha o dia a da nos bairros
e comunidades do município, o que vem percebendo é o crescimento vertiginoso de
novos templos evangélicos, atraindo para o seu interior novos fiéis, muitos dos
quais advindos do catolicismo. Essa debanda ao credo evangélico, claro que não
é realidade exclusiva do município, também se repete em todos os cantos do
território brasileiro. A perda de seguidores pode ter relação sim acerca do
modo como seus representantes hierárquicos estão se postando diante das
demandas emergenciais da sociedade, virando as costas à terrível realidade social
que assola as periferias do país.
Reformas e edificações de templos
suntuosos e luxuosos demonstra ser a
prioridade das prioridades dos chefes do bispado regional e acatado pelos líderes
paroquianos à revelia do que pensam os seus fiéis devotos. Quando o papa Leão
XIV afirmou que os integrantes da igreja devem ser guiados pela espiritualidade
e não pela grandeza dos seus edifícios, essa expressão se encaixa como uma luva
à realidade da paróquia de Araranguá, pois aqui temos um representante, que sob
as ordens do seu chefe mor hierárquico superior, insiste em alterar a fachada
da matriz, atual santuário, alegando inconformidade com os preceitos
modernistas.
O apagamento, bem como a
descaracterizar de fachadas e demais símbolos religiosos, de forte
representatividade no imaginário coletivo, também se caracteriza como
instrumento de poder e controle das elites sobre as classes subalternas. Matar
ou destruir símbolos, principalmente religiosos, tende a enfraquecer o sentimento
de pertencimento, de integração com o
passado, com os que já partiram, muitos dos quais tiveram suas
vidas forjadas à sombra do templo sagrado.
Prof. Jairo Cesa
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