quinta-feira, 15 de maio de 2025

 

ARQUÉTIPOS ACERDA DA NOSSA SENHORA MAE DOS HOMENS, PADROEIRA DE ARARANGUÁ/SC

Desde o instante que os primeiros hominídeos no seu processo evolutivo desenvolveram certas habilidades cognitivas, passaram buscar respostas para muitos fenômenos relacionados a sua existência. Entretanto, diante da não supressão de dúvidas que resultavam em crises existenciais, atribuíam à tais episódios não explicados pela mente, os elementos da metafísica, o que transcende a experiência sensível.

Com o transcorrer do tempo, era necessário compreender melhor a própria estruturação da mente humana, sua relação ou não com os fenômenos místicos, espirituais, se eram construções psíquicas ou forças cósmicas. Foi o século XIX cujas bases do pensamento filosófico já solidificadas permitiram a ascensão da ciência psicológica como área do conhecimento que irá trilhar os labirintos da mente humana. Freud, seus discípulos, entre outros/as seguidores influenciados pela sua teoria, foram pavimentando passo a passo os caminhos da psicologia, da psicanálise, entre outras correntes afins, promovendo verdadeiras revoluções no campo da saúde mental.  

Das correntes advindas da psicologia, a psicanálise, por exemplo, deve ser evidenciada como estrada ainda em construção, na compreensão e no tratamento de distúrbios psíquicos motivados por fatores inconscientes. Entretanto, poderia estar nessa área ainda misteriosa, enigmática do cérebro, que é o inconsciente, as respostas de muita gente buscar incessantemente à fé, à espiritualidade, como esperança para minimizar ou suprimir sofrimentos, medos, traumas. 

Claro que a sexualidade, as repressões sofridas pela humanidade no seu transcurso evolutivo, foi um dos principais objetos de investigação do pai da psicologia, Freud. As energias vitais acumuladas, não liberadas sexualmente, tenderiam ser sublimadas, ou seja, canalizadas para processos construtivos individuais e coletivos. Mas estaria mesmo nos campos sexuais reprimidos, os fatores influenciadores dos nossos comportamentos e atitudes construtivas e destrutivas?

O discípulo de Freud, Jung, procurou ir mais além em  suas investigações acerca do comportamento humano, admitindo que certas anomalias psíquicas, bem como atitudes  e habilidades inconscientes são construções transgeracionais, ou seja, heranças dos nossos antepassados transmitidas coletivamente no transcurso do  processo evolutivo humano. Nesse cenário transgeracional, Jung construiu o conceito de arquétipo, que são representações inconscientes, por trás  dos bloqueios psíquicos  e das manifestações individuais e coletivas, como a cura de moléstias por meio das rezas.

  Os fenômenos da natureza, o ato de nascer e morrer, por exemplo, as primeiras sociedades buscavam explicá-los como representações metafísicas, isto é, forças imagéticas sobre objetos não inanimados. Distintas culturas colocavam nomes às representações inanimadas, que exerciam imensa influência sobre as manifestações da natureza. O humano como integrante do cosmos sempre tentou decifrar os enigmas envolvendo a sua existência, bem como responder dúvidas acerca da fé, das crenças, em que parte do cérebro humano processa tudo isso.

É comum se ouvir ainda hoje expressões do tipo “a fé move montanhas”. Entretanto se sabe que o cérebro humano possui estruturas que ativadas liberam substâncias, antídotos capazes de até mesmo curar certas moléstias. Recorrer à religião, as figuras ou expressões “santificadas”, para minimizar sofrimentos psíquicos ou enfermidades físicas são práticas corriqueiras dos devotos. No cristianismo, tem-se a representação do arquétipo do divino a partir do seu fundador, Jesus Cristo. Nesse sentido, a imagem do cristo salvador, justiceiro, bondoso, se manifesta no imaginário coletivo como uma figura arquetípica.

As figuras humanas santificadas, são representações inconscientes de José e Maria, ambos, pai e mãe de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo que o cérebro constrói representações do bem, como à liberdade, à cura, também podem os arquétipos  assumir caminhos contrários, do ódio, da perversidade, da repressão. Um exemplo interessante que mercê reflexão acerca do arquétipo do bem, é a figura do monge João Maria de Jesus, figura mitificada por milhares de pessoas do sul do Brasil, por acreditar ter ele intercedido na solução de muitos problemas.

As inúmeras benzedeiras distribuídas pelos três estados do sul, utilizam nos seus rituais de cura, elementos similares aos utilizados pelo monge nas suas aparições durante o começo do século XX. A água era um desses elementos.  Claro que sob a acepção junguiana, além das plantas e a água nos ritos de cura, há outro importante ingrediente decisivo no sucesso ritualístico, o uso da fala. No instante que são  aferidas as orações, laços simbióticos  entre quem realiza e recebe a  graça são praticados. O cérebro, por sua vez, ativa dispositivos hormonais que são lançados na corrente sanguínea ativando células saudáveis que promoverão a cura de moléstias.

A devoção, a crença, por divindades, se caracterizaram como condições intrínsecas à própria humanidade. No cristianismo, mais especificamente, o catolicismo, tem-se os santos/as que, arquetipicamente, são representações inconscientes do pai e da mãe, ou seja, de José e Maria, pais de Jesus Cristo. Nas centenas de imagens santificadas no ambiente católico, onde congrega mais de um bilhão de seguidores no mundo inteiro, temos a Nossa Senhora Mãe dos Homens, símbolo carregado de fé e devoção para parcela significativa da população do município de Araranguá.

Sua presença no município data da metade  do século XIX, onde nos quase dois séculos de existência é atribuída à ela a interseção de  incalculáveis bençãos e  milagres. A data do dia 04 de maio é quando acontece a celebração festiva, convergindo para o santuário e no perímetro central do município milhares de pessoas vindas de todos os cantos da região sul do estado.

O que impressiona o rito festivo à padroeira do município é a forte devoção investida à ela. São centenas de voluntários, na sua maioria devotos, que disponibilizam frações significativas dos seus tempos prestando alguma ajuda antes e durante o evento festivo. O que deve ser compreendido quanto a representatividade da padroeira Nossa Senhora Mae dos Homens é a sua interconexão com as estruturas políticas do município e região, muitos candidatos, especialmente ao executivo, tiveram a padroeira ao longo da história, um importante cabo eleitoral como estratégia para atrair votos dos eleitores devotos.  

Por ser um arquétipo que representa o feminino, se presumia que sua energia inconsciente influenciasse no empoderamento das mulheres em galgar mais espaços nos ambientes públicos. De fato, isso não ocorre, principalmente no campo da política, pois nos 145 anos de emancipação político administrativa, foram somente quatro mulheres eleitas ao cargo de vereadora e uma prefeita, que assumiu interinamente o passo municipal por 45 dias.  Portanto, como explicar esse fenômeno a partir do arquétipo da Nossa Senhora Mãe dos Homens, um símbolo religioso que representa uma legião de fiéis, sendo que parte expressiva delas são de mulheres.

Mulheres que são lembradas somente quando prestam serviços à causa espiritual, porém esquecidas, excluídas, quando da representatividade política. Uma das possíveis respostas à exclusão, ao esquecimento das mulheres nos postos de comando no executivo e no legislativo, está no modo como o campo religioso católico foi milenarmente modelado, hierarquicamente formado por homens. Com raras exceções, as lideranças máximas da instituição católica, os papas, sempre foram homens impregnados de valores morais machistas, imputando inconscientemente à mulher, culpa pelos males da sociedade.  

Também como explicar uma nação cuja religião católica ainda se prepondera sobre as demais, tendo como principal representação espiritual, uma imagem feminina negra, Nossa Senhora Aparecida, com índices tão elevados de violência contra as mulheres, de feminicídio, de estupro. Por que a imagem sagrada da padroeira, pouca representatividade tem no empoderamento das mulheres às arbitrariedades conscientes e inconscientes masculinas?

Penso que as próprias lideranças no comando da instituição católica, cardeais, arcebispos, bispos, sacerdotes, possuem certa culpa às arbitrariedades sofridas por milhões de mulheres. O modo como pensam e agem às demandas inerentes a elas, podem ser decisivas ao maior ou menor empoderamento social. No passado recente setores mais progressistas da igreja, como a Teologia da Libertação, desempenharam papel importante nos enfrentamentos das forças dominantes do imperialismo às periferias da América Latina.

Uma igreja mais política, mais próxima dos explorados, sempre foi motivo de preocupação das elites políticas e setores conservadores da igreja católica. Nos conclaves, a escolha de algum papa mais progressista, demandas como a fome, gênero, meio ambiente, entre outras, sempre tiveram destaques.  Entretanto, a escolha de figuras mais conservadoras nos conclaves, geravam motivos de preocupação às camadas populares e empolgação, entusiasmo aos segmentos fundamentalistas enraizados nas estruturas dessa instituição. Essa postura mais conservadora, refletiu por algum tempo nos cargos relevantes da hierarquia da própria igreja, dentre os quais, a dos sacerdotes para as paróquias no mundo inteiro.

Um bom exemplo para ilustrar essa realidade conservadora é a paróquia Nossa Senhora Mãe dos Homens, cujo atual chefe sacerdotal vem assumindo posições que mostra distanciamento ao apregoado pelo ex-pontífice  Papa Francisco, e repetido pelo atual papa Leão XIV durante a sua primeira celebração pós pontificado: “a igreja precisa ser guiada pela espiritualidade dos seus integrantes, e não pela grandeza de seus edifícios, pedindo mais trabalho onde há falta de fé”.

Quem acompanha o dia a da nos bairros e comunidades do município, o que vem percebendo é o crescimento vertiginoso de novos templos evangélicos, atraindo para o seu interior novos fiéis, muitos dos quais advindos do catolicismo. Essa debanda ao credo evangélico, claro que não é realidade exclusiva do município, também se repete em todos os cantos do território brasileiro. A perda de seguidores pode ter relação sim acerca do modo como seus representantes hierárquicos estão se postando diante das demandas emergenciais da sociedade, virando as costas à terrível realidade social que assola as periferias do país.

Reformas e edificações de templos suntuosos e luxuosos demonstra ser  a prioridade das prioridades dos chefes do bispado regional e acatado pelos líderes paroquianos à revelia do que pensam os seus fiéis devotos. Quando o papa Leão XIV afirmou que os integrantes da igreja devem ser guiados pela espiritualidade e não pela grandeza dos seus edifícios, essa expressão se encaixa como uma luva à realidade da paróquia de Araranguá, pois aqui temos um representante, que sob as ordens do seu chefe mor hierárquico superior, insiste em alterar a fachada da matriz, atual santuário, alegando inconformidade com os preceitos modernistas.

O apagamento, bem como a descaracterizar de fachadas e demais símbolos religiosos, de forte representatividade no imaginário coletivo, também se caracteriza como instrumento de poder e controle das elites sobre as classes subalternas. Matar ou destruir símbolos, principalmente religiosos, tende a enfraquecer o sentimento  de pertencimento, de integração com o passado, com os que já partiram, muitos dos quais tiveram  suas  vidas forjadas à sombra do templo sagrado.

Prof. Jairo Cesa

 

       

Nenhum comentário:

Postar um comentário