sexta-feira, 1 de setembro de 2023

  

MOSTRAS CIENTÍFICAS NAS ESCOLAS PÚBLICAS: EXCEÇÕES AO HEGEMÔMICO MODELO REPRODUTIVISTA DE ENSINO

Não canso de repetir que a transformação de uma sociedade se dá pela educação, e que a escola pública básica é um dos palcos importantes para alcançá-la. Acontece que o modelo de educação hoje vigente não permite que haja tais rupturas desse sistema de ensino conservador, massificador e reprodutor das desigualdades sociais. Há um profundo paradoxo envolvendo a estrutura educacional publica brasileira, que se dá a partir da dicotomia entre os parâmetros teóricos filosóficos e as práticas do dia a dia. O próprio sistema de avaliação ainda centrado em práticas positivistas, conteudistas, na memorização apostilestica, tende a castrar toda a energia criativa acumulada de nossos estudantes.

São raríssimas as escolas que adotam metodologias fundamentadas em teorias filosóficas que estimulam a investigação, ou seja, o gosto pela pesquisa, pela solução de problemas simples, até mesmo criar componentes ou coisas úteis à vida de uma sociedade inteira. Se tomarmos como exemplo o sistema de ensino das escolas públicas do estado de Santa Catarina, embora exista um grande arcabouço de teorias e fontes bibliográficas de matriz socioconstrutivista, o ordenamento estrutural e pedagógico das mesmas, permanece igual há quase duzentos anos, quando foi instituído o ensino público catarinense.

Toda essa estrutura foi montada para a reprodução de conhecimentos e não para construir conhecimentos. As poucas vezes que os parâmetros curriculares das escolas de Santa Catarina tiveram e têm de fato forte repercussão com a realidade concreta da sociedade são as efêmeras mostras científicas realizadas uma vez por ano. Nesse caso estou me referindo à realidade das escolas que integram a 22 CRE, constituída por 15 municípios do extremo sul de Santa Catarina. Aquilo que deveria ser regra de todas as unidades de ensino se constitui em exceções, ou seja, uma ou duas turmas de uma escola, apoiada por um, dois ou mais professores, passam a abordar um tema problema para encontrar soluções.

A pesquisa na escola é tão importante, porque geralmente o investigador é tomado por sentimentos de paixão e responsabilidade por aquilo que investiga. Temos exemplos de estudantes do ensino fundamental que se envolveu com tamanha intensidade em sua pesquisa, que quando concluiu o ensino médio, passou a cursar a universidade atuando na área meteorológica, cujo gosto se deu quando ainda era estudante do ensino fundamental a partir de uma pesquisa que desenvolveu.

O que causa estarrecimento são o modo como o Estado ou as regionais de educação se colocam frente a esse importante momento investigativo em nossas escolas. Quatro, cinco, seis ou mais meses são o tempo dedicado por estudantes em suas investigações, geralmente os resultados são tão extraordinários que a sociedade inteira deveria ter acesso. De fato não é isso o que acontece. Em um único dia, cinco ou seis horas no máximo, uma escola estadual é alocada e cujas salas são ocupadas por dezenas de cientistas mirins, que apressadamente expõem suas descobertas ao público, na maioria também de estudantes com pouca ou nenhuma experiência com esse tipo de metodologia.

Uma mostra cientifica escolar jamais deveria ter caráter competitivo, todos, indistintamente, teriam de ser presenteados, com medalhas, como forma de estímulos para se tornarem grandes pesquisadores. Não é isso que ocorre. O que é mais impactante é saber que diante de um evento tão excepcional, como é uma feira cientifica, nenhuma menção foi feita pela imprensa local, enaltecendo as escolas públicas estaduais, que mesmo com todas as dificuldades e desatenção do Estado, conseguem tirar “água de pedra”, revelando genialidades no campo da arte, da cultura, da ciência, etc.    

Tendo coordenado um grupo de estudante da Escola de Educação Fundamental do bairro Morro dos Conventos, que por seis meses investigaram os índices de precipitação pluviométricas no bairro, durante a visita que fiz a Escola Dolvina. L de Medeiros, palco da mostra, procurei conhecer trabalhos que estavam em exposição. Nos três que observei, todos do ensino fundamental, fiquei encantado com a desenvoltura dos pesquisadores mirins. Um grupo desenvolveu uma atividade lúdica para despertar a sensibilização ambiental. A estratégia foi criar personagens e transformá-los em super herois da natureza, muitos dos quais inspirados em histórias em quadrinhos.

Fiquei impressionado com a pesquisa desenvolvida pelos estudantes da escola EEB Catulo da Paixão Cearense, do Sombrio, onde criaram um tipo de inseticida natural usando a casca da bergamota. Também foram bem criativos na escolha do nome para o produto: Inseticida BERGACIDA. Claro que muitos dos inventos apresentados em mostras científicas, podem ser patenteados e comercializados. Não há dúvida que para o capital, quanto mais escolas públicas voltadas à pesquisa, mais críticos e empoderados serão os estudantes.

Pode estar aqui à resposta do motivo da pouca divulgação por parte da imprensa em eventos dessa magnitude. O único órgão que fez alguma menção foi à própria coordenação regional de educação em sua pagina nas redes sociais, divulgando os grupos classificados e premiados na mostra científica. A SED, no entanto, não fez qualquer menção ao evento na sua página digital. Pode-se levantar algumas hipóteses do fato de a secretaria não fazer qualquer citação ao ocorrido. Um deles, talvez, o mais convincente, é porque pesquisa não condiz com a estrutura na qual as unidades de ensino no estado estão ajustadas. O próprio sistema de avaliação é disciplinar e não interdisciplinar, transdisciplinar, como requer uma escola, pautada na investigação científica.

Prof. Jairo Cesa     

Um comentário: