sábado, 9 de setembro de 2023

PLANO DE CONSTRUÇÃO DE ETA (ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁGUA)  NA LAGOA DO CAVERÁ ABRE OUTRA VEZ  DEBATE SOBRE SUA PRESERVAÇÃO

FONTE - GOOGLE EARTH


Não é segredo para ninguém que o complexo lagunar do extremo sul de Santa Catarina (Rio Mampituba) formado pelas Lagoas do Caverá e do Sombrio sofrem a décadas processo de degradação que pode resultar na sua extinção muito mais rápida do que se imagina. São incalculáveis as investidas da sociedade civil, das autoridades locais/ regionais e do próprio Estado nas tentativas de solucionar os problemas, porém, todas infrutíferas. No momento penso ser difícil afirmar se a gravidade se recai mais no manancial do Sombrio ou do Caverá, pois ambas estão agonizando.  

A realidade é que muita gente, muitos políticos locais e da região obtiveram êxitos  políticos eleitorais significativos ao legislativo, executivo e outros postos relevantes, a partir de promessas  não cumpridas de que intercederiam no salvamento das lagoas. A integração dos afluentes da bacia do Rio Mampituba, lado catarinense, ao Comitê Hidrográfico da Bacia do rio Araranguá abriu expectativa positiva para uma solução plausível desse complexo lagunar cuja foz é o rio Mampituba.

Em 2014 foi constituída uma comissão junto ao comitê hidrográfico de Ararangua para atuar com exclusividade nas tratativas dessa complexa questão. O fato importante ocorrido na época foi a realização de uma audiência pública no salão de festas da igreja matriz  no Sombrio, que teve a presença da presidente da Comissão do Meio Ambiente na ALESC, a deputada Paula de Lima. Além da parlamentar, inúmeras autoridades representativas do judiciário, dos legislativos e executivos municipais, membros de ONG, OSCIP e demais cidadãos debateram por longas horas caminhos possíveis ao salvamento dos mananciais.

No final da audiência foi acordada proposta de que fosse agendada reunião com os gestores públicos dos sete municípios que compõem esse complexo lagunar. A partir dessa reunião seria agendada, no ano seguinte, 2015,  audiência com representantes do governo estadual, em Florianópolis, cuja intenção era pressionar o executivo na criação de uma unidade de conservação envolvendo os três mananciais: Lagoa da Serra, Lagoa do Caverá e Lagoa do Sombrio. Até hoje essas deliberações jamais se concretizaram.  

O fato é que o problema da lagoa do caverá, considerada a mais sensível por estar dia após dia reduzindo de tamanho devido a perdas significativas de água, poderia já estar solucionado se fosse construído vertedouro de cerca de cinquenta metros de comprimento e próximo a de dois metros de altura. Esse sistema, depois de construído, iria repor o nível normal da mesma, passando dos atuais 70 a 80 cm para 2 m ou mais de profundidade. A dúvida que permeia o imaginário da sociedade é por que tanto descaso, tanta resistência em  solucionar um problema, de certo modo simples, que seria a construção de um simples desaguadouro.

Um robusto estudo já foi realizado com custo orçado em quase um milhão de reais. O documento especificava todas as condutas necessárias para o salvamento da lagoa. Acreditava-se  na época que existem muitos interesses escusos envolvendo o não salvamento desse manancial e da Lagoa do Sombrio. Fazendas de gado, campos de arroz irrigado, empresas de extração de turfa e areia, todas situadas as margens desses mananciais vinham se beneficiando com o encolhimento dos mesmos.  

O agravamento dos inconvenientes envolvendo a lagoa do caverá se intensificou ainda mais a partir da retificação do córrego ou canal que faz conexão com a lagoa do Sombrio. Os cidadãos mais antigos vão concordar que no passado essa sanga era toda serpenteada e cujo fluxo da água corria lentamente pelo seu leito. A partir do alinhamento do canal, mesmo em períodos chuvosos, a água tende a escorrer rapidamente. Não faz muito tempo a Lagoa do Caverá havia adquirido o título honroso de ser um dos maiores mananciais de água doce do estado de Santa Catarina. O que causa espanto é a passividade da sociedade e a negligência das autoridades no salvamento da mesma. Essa lagoa não se credencia apenas por possuir água de excelente qualidade e fonte de reserva para o futuro, no seu leito dezenas de espécies de pescados e crustáceos as utilizam como berçários para se reproduzirem.

A elaboração de um plano para a produção de pescados e crustáceos em cativeiro, sempre debatido em encontros passados, poderia revolucionar a região nesse segmento. Sem contar o turismo sustentável, que poderia também fazer parte dos debates, integrando essa região ao Geoparque Caminho dos Cânions. Mas tudo isso está longe de virar realidade. O fato é que estão asfixiando,  matando a galinha dos ovos de ouro. Desde 2013, por estar envolvido diretamente no salvamento do complexo lagunar, representando o comitê da Bacia do Rio Araranguá, produzi alguns textos discorrendo a situação calamitosa de todo o complexo sistema hídrico. São sete produções, disponíveis no Blog morrodosconventos-jairo.blogspot.com,  que estão acessíveis aos interessados.[1][2][3][4][5][6][7]

No final do mês de agosto em entrevista concedida em  uma radio do município de Araranguá, um representante do SAMAE e da FAMA falaram da proposta de instalação de uma ETA  (Estação de Tratamento de Água) no manancial lagoa do caverá. Fiquei um tanto apreensivo com a proposição pois achei estranho que depois de quase duas décadas de lutas infrutíferas para o salvamento da mesma, de repente, como um passe de mágica, alguém fosse lá e instalasse os equipamentos para captação da água e pronto, sem resolver primeiro as demandas ambientais.

Percebi, na entrevista, que ambos possuíam pouca informação consistente do  histórico de lutas envolvendo as mesmas. Disseram que já tem o terreno para a construção da estação, e que aguardam outras licenças vindas o IMA (Instituto do Meio Ambiente). Disseram que a tramitação de alguns procedimentos no órgão ambiental estadual foi bem rápido e que ficaram até surpreendidos com tal agilidade. Falaram  na necessidade de realizar estudos mais complexos, bem como da construção de um barramento. Na realidade não é um barramento que se pretende construir e sim um vertedouro. Esse termo, barramento, foi sempre um dos fatores impeditivos no salvamento da lagoa há mais tempo, pois os órgãos ambientais, na época a FATMA, recomendavam que fosse realizado um EIA-RIMA, que era desnecessário.  Também disseram os entrevistados que o município de Araranguá não deveria se responsabilizar sozinho com tais demandas da lagoa.

Foram falas confusas, dissonantes, bem ao estilo de pessoas pouco conhecedoras daquela realidade. O fato é que nenhum projeto estruturante dever ser executado nessa lagoa sem que demandas emergentes sejam executadas, uma delas seria a criação da unidade de conservação, principal proposição tirada em reuniões e audiências passadas. Claro, a construção do vertedouro também está inserido no escopo dessas demandas.

Como venho fazendo durante anos, no último dia sete de setembro estive outra vez na lagoa do caverá conferindo de perto a situação da mesma. Por ter chovido bastante nos últimos dias o volume de água do manancial se elevou sensivelmente. Porém se sabia que essa elevação era paliativa, pois em menos de uma semana voltaria ao leito normal e com redução gradativa. Um grupo de esportistas, praticantes do SkySurf estavam deslizando sobre suas águas naquele momento, aproveitando o forte vento nordestão naquele dia. Mais uma atividade que poderia ser incentivado para dinamizar a economia da região.

Conversando com uma relevante liderança da comunidade que atua em defesa do complexo lagunar, o mesmo revelou que se mostra um tanto otimista depois de saber que o município de Araranguá irá instalar uma ETA naquele manancial. Disse que ouviu dos representantes do poder público que antes da instalação dos equipamentos serão executados planos de recuperação da lagoa, que culminará com a instalação do vertedouro.

Pouca gente sabe que a lagoa da serra e do caverá não se conectam, mesmo  existindo  um canal que divide  os municípios de Araranguá e Arroio do Silva na extremidade oeste. Toda a água acumulada no leito da lagoa do caverá escorre de inúmeras nascentes existentes no seu entorno. Portanto, a preservação do manancial não passa apenas por ações intrínsecas em seu leito, devendo sim extrapolar, incluindo na lista todas as nascentes, das quais estão seriamente ameaças pela monocultura agrícola, pecuária, mineração predatória e, sobretudo, pelo avanço demográfico vertiginoso.

Prof. Jairo Cesa      

         

         

Nenhum comentário:

Postar um comentário