segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

 

CAMPANHA DA FRATERNIDADE DE 2023 TRAZ COMO TEMA “FRATERNIDADE E FOME – DAI-LHES VÓS MESMOS DE COMER”




Como de costume todos os anos a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) lança tema alusivo à campanha da fraternidade, que tem início na quarta feira de cinzas, se estendendo até a quinta feira da paixão. Nos últimos anos, principalmente após o pontificado do papa Francisco, os temas escolhidos passaram a ter como focos questões relacionadas à nossa “casa comum”, o planeta terra. Questões como violência, biomas brasileiros, educação, etc, tiveram prioridades nas últimas edições, discutindo e refletindo nas comunidades tristes realidades que vem impactando a vida de milhões de brasileiros.

São problemas resultantes direta e indiretamente de políticas públicas excludentes chanceladas por governos e toda uma estrutura de poder a serviço das elites dominantes. Para 2023 a CNBB decidiu escolher também indicar um tema complexo, que hoje atinge mais da metade da população brasileira e outros bilhões de indivíduos em todo o planeta. O tema, portanto escolhido foi - Fraternidade e Fome “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Embora a campanha esteja sendo protagonizada pela igreja católica isso não impede que distintas instituições religiões cristãs e não cristãs se engajem nessa árdua tarefa, pois a fome não espera e está matando pessoas de todas as religiões e credos, sendo maior em algumas que outras.  

Não há dúvida que a fome não é um fenômeno natural como muitos tentam creditar. Sua existência e permanência têm relação a certos modelos econômicos que excluem milhões, bilhões de seres humanos do direito sagrado de se alimentar diariamente. O que é mais estranho é quando se sabe que o Brasil todos os anos vem tendo índices recordes de produções de grãos. No entanto, contraditoriamente, paralelamente a esses patamares positivos de grãos colhidos, há um crescimento na mesma proporção de brasileiros famintos que diariamente não conseguem realizar dignamente três refeições básicas.  

Como se explica então um país como o Brasil, com dimensões continentais, com tanta terra fértil e produtiva, cujos filhos dessa terra padecem por um prato de comido? A resposta é bem simples e está no nosso modelo produtivo herdado dos colonizadores portugueses a partir da sua chega há mais de quinhentos anos. Desde aquela época a colônia brasileira se especializou em exportar bem primários para a sua metrópole portuguesa. Pau Brasil, cana de açúcar, café, algodão, borracha, ouro, prata, entre outros produtos primários, financiaram o desenvolvimento da então decadente e atrasada Europa.

Mesmo com a independência política em meados do século XIX e a ascensão da república em 1889, as condições de dependência do Brasil permaneceram tão ou mais enraizadas posteriormente. O Café que colocou o Brasil no topo dos maiores exportadores desse produto nos finais do século XIX e começo do XX, esse título não foi suficiente para garantir uma equidade social entre os seus habitantes. Muito pelo contrário, o café elevou ainda mais os níveis de desigualdade e crise social em meados do século XX, principalmente no final do seu apogeu.

Com a Revolução Verde no pós segunda guerra, havia a expectativa de que Brasil finalmente se despontaria como principal potência agrícola planetária. As novas tecnologias incluindo equipamentos agrícolas, insumos e sementes ajudaram a modificar radicalmente a geografia rural brasileira. A soja, a cana de açúcar, o milho, ambos associados ao mercado dos insumos, a exemplo dos agrotóxicos, garantiram somas bilionárias para grandes corporações que passaram a controlar esse setor. No centro desse poderoso segmento estavam e estão os grandes latifúndios, remanescentes do período colonial, que acumularam mais e mais poder, a ponto de decidir sobre os rumos das políticas nesse setor e de outros.

No entanto tamanha soberbice depositada ao agronegócio não correspondeu ao maior grau de participação total do PIB nacional, contribuindo apenas com pouco mais de 5%. É nesse segmento que está uma das  respostas à barbaridade da fome avassaladora. Como assim, fome avassaladora? Não é o agronegócio a locomotiva brasileira, que leva o Brasil nas costas, com insistem em apregoar os seus signatários patrióticos. 90% a 95% do que é produzido por esse setor, soja, milho e cana de açúcar, é para virar insumos, para alimentar gado na Europa ou transformar em combustível para movimentar veículos.

Na realidade quem alimenta a população brasileira são os pequenos produtores rurais, que sem incentivo algum cultivam feijão, batata, mandioca, hortaliças, frutas, etc. São esses os verdadeiros heróis que deveriam ser condecorados com títulos de verdadeiros patriotas. É de se esperar que a campanha da fraternidade de 2023, embora se saiba, não tem poder de transformação imediata da realidade social, pelo menos possa trazer a fundo o real problema da fome e discutir suas causas e soluções.

É necessário tocar profundamente na ferida do problema, desconstruindo o conceito de natural, de designo divino, como insiste em apregoar os neoconservadores. Deixar claro nos encontros de famílias, que a fome, a violência, as desigualdades são causas sociais, frutos de modelos econômicos criados que favorecem pequenos grupos de abastados em detrimento de milhões que são colocados as margens desse sistema. A solução para todo esse imbróglio social seria sem dúvida a ruptura desse modelo econômico perverso. Combater a fome apenas com programas sociais não resolve. São soluções paliativas e não permanentes. Uma profunda reforma agrária deve ser discutida nos encontros, deixar claro que sem uma ocupação e distribuição igualitária desses milhões de hectares de áreas improdutivas por parte do Estado, iremos continuar assistindo em berços esplendidos nossos irmãos morrerem de fome.  

O posicionamento firme da CNBB e de toda a sua estrutura em defesa dos pobres e oprimidos como vem apregoando o papa Francisco pode ser decisivo para a ruptura desses cancros sociais históricos enraizados na nossa cultura. O fato é que não pode ser excluído do debate, se caso pretendermos uma solução eficaz para as desigualdades, o processo político institucional. A oração, a espiritualização por si só não tem poder suficientes de matar a fome. No entanto ambas conjuntamente poderão ser imprescindíveis na construção de consensos de rupturas. Porém, para isso é importante que a própria instituição leve a cabo o legado deixado pelo seu fundador Jesus Cristo, atacar a ferre e fogo os mercadores do templo.

Prof. Jairo Cesa  

https://veja.abril.com.br/economia/supersafra-reforca-o-peso-do-agro-que-vive-momento-conturbado-com-governo/

    

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