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TRAGÉDIA EM CAPITÓLIO/MG PODE ACONTECER NOS PAREDÕES DO MORRO DOS CONVENTOS/ARARANGUÁ
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Foto - Jairo |
O
episódio em Capitólio, cidade de Minas Gerais acometida por uma tragédia que
ceifou a vida de dez pessoas deve servir de reflexão e alerta para outras
cidades brasileiras. No dia 10 de janeiro um grande bloco de rocha, no lago da
represa de Furna, se desprendeu do paredão caindo sobre embarcações que
visitavam o local naquele momento. O que mais se ouviu nos dias subsequentes à
tragédia foi justificativas questionáveis com explicita intenção de isentar de
responsabilidade as autoridades municipais e estaduais do fatídico episódio.
As
chuvas torrenciais que se abatiam sobre a região nos últimos dias mostravam um
cenário nada favorável à visitação do local, pois conforme relatos de pessoas
que lá estiveram pedaços de pedras começavam a cair dos penhascos. É importante
ressaltar que o caso de Capitólio não é uma exceção no Brasil. Em novembro de
2020 tragédia semelhante aconteceu na praia de Pipa, no Rio Grande do Norte. Três
pessoas da mesma família foram vítimas fatais de uma rocha que desprendeu do
paredão de uma falésia. No sul do Brasil, os estados do Rio Grande do Sul e
Santa Catarina em uma das suas fronteiras há uma extensa barreira natural,
serra geral, que os dividem.
Os famosos paredões e Canyos recebem milhares de turistas todos os anos atraídos por suas magníficas estruturas e belezas cênicas. Após a tragédia em Capitólio, geólogos e outros profissionais da área lançaram alerta afirmando que a região do sul do Brasil também está suscetível a riscos de desmoronamentos. São muitos os casos ocorridos nos últimos anos na região que conferem tal preocupação desses profissionais. A grande avalanche em dezembro de 1995 que envolveu os municípios de Timbé do Sul, Jacinto Machado, entre outros, com o registro trágico de vinte mortes, sempre deve ser considerado em qualquer projeto de infraestrurua turística para a região.
Próximo a costa norte e sul do RS e SC estão os famosos e singulares paredões rochosos. No lado gaúcho, em Torres está à formação geológica Pedra da Guarita, datada de 150 milhões de anos aproximadamente, cujo mar permanentemente vem esculpindo os paredões. Já no lado catarinense está o esplendoroso Oasis rochoso ou a paleofalésia do Morro dos Conventos de 200 a 250 milhões de anos. Sua formação se deu a partir da separação dos continentes, cuja pressão vertical/horizontal soergueu camadas de rochas se sobrepondo uma sobre as outras.
O
monumento geológico é constituído por rochas sedimentares da formação rio do
rasto do período permiano superior. Argilitos, xistos e arenitos em camadas
tabulares sobrepostas são variedades de rochas mais comuns lá encontradas. Aqui
está algo que merece ser considerado quando se pensa em projeto de infraestrutura
no topo ou nas encostas da paleofalésia do Morro dos Conventos. O acomodamento
de rochas sobrepostas, durante os ciclos chuvas ou em épocas de estiagens e a
consequente variação térmica gera processos de desprendimento livre dos blocos.
Estudos comprovam que essa ação físico-mecânica foi um dos eventos
geológico-geomorfológicos que fez surgir à furna.
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Foto - Jairo |
Por ser
pouco compactado, o paredão do Morro dos Conventos ou paleofalésia vem sendo
naturalmente desgastado pela ação do vento, chuva entre outros fatores físicos
e químicos. Quem olha o paredão da praia ou a partir da sua base percebe as
várias camadas de rochas sobrepostas. O que mais chama a atenção é a quantidade
de fraturas expostas, provando que o Morro dos Conventos deixará de existir
daqui alguns milhares de anos. São inúmeros os blocos de rochas, pequenos ou
grandes, que já desprenderam e estão espalhados por toda a extensão do paredão.
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Foto - Jairo |
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Foto - Jairo |
Por
essa e outras peculiaridades, o topo, o paredão, as dunas circundantes e parte
da restinga foram transformadas em um MONA/UC (Monumento Natural Unidade de
Conservação) em 2016, por meio de decreto municipal. Com isso todas as ações
como projetos de infraestrutura e lazer nos limites do MONA devem passar
primeiro por uma análise meticulosa do grupo gestor que gerencia o monumento
natural. O segundo passo é a realização de estudos detalhados e controlados de
curto, médio e longo prazo em toda a estrutura da paleofalésia.
Em
2014 o poder público de Araranguá tentou viabilizar dois projetos turísticos
nos limites do MONA-UC. O primeiro foi a edificação de uma passarela de acesso
à furna. O segundo, a construção de um mirante nas proximidades do farol. Tanto
o primeiro quanto o segundo foram embargados pelo MPF (Ministério Público
Federal) por insuficiência de estudos mais precisos sobre a estrutura das
rochas.
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Foto - Jairo |
O
desejo de construir o polêmico mirante nas imediações do farol não cessou. Na
gestão passada uma verba de 800 mil reais foi prometida/liberada pelo governo
estadual para execução do projeto. No entanto o projeto não foi levado adiante
por não estar em consonância com normatizações da marinha acerca do local, que
é controlada pela respectiva arma. No atual governo, há pouco mais de sete
meses, foi noticiado um novo projeto de mirante já em fase final de elaboração.
Segundo relatos o respectivo projeto preenchia todos os itens estabelecidos
pela marinha.
Nas
várias reportagens publicadas sobre o tema em nenhum momento qualquer órgão
noticioso ou integrante do governo municipal fez qualquer menção da
complexidade geológica do local e a necessidade de estudos mais elaborados no
vértice norte do paredão onde se pretende edificar o mirante. Por que a
exigência de estudos mais elaborados? Todas as imagens ultimamente captadas
desse local confirmam a presença de enormes fraturas e extensos espaços vazios
de pedras no paredão.
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Foto - Jairo |
Claro
que os blocos que desprenderam e os possíveis que cairão são relativamente
menores ao do município de Capitólio/MG que matou dez pessoas. O fato é que há
riscos sim de haver desabamento no paredão do Morro dos Conventos, que estudos
de mapeamento de risco baixo, médio e alto devem ser realizados. Tanto os topos
do paredão de Capitólio quanto do Morro dos Conventos ambos têm grande presença
de vegetação. As raízes das árvores penetram nas fendas em busca de umidade,
provocando sua desagregação.
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Desastre em Capitólio/MG |
Claro
que em períodos de estiagens prolongadas como agora a tendência de haver maior
desagregação das fendas devido a intensa ação das raízes das árvores. Desde
2012 o Brasil possui legislação específica relativa ao tema, é a lei n.
12.608/2012, que estabelece Políticas Nacionais de Proteção e Defesa Civil. Porém
sua atuação é mais restritiva às áreas urbanas. No caso de Araranguá seria
conveniente o poder público promover o monitoramento geotécnico de toda a
extensão do MONA-UC. Este diagnóstico dará informações mais confiáveis sobre os
pontos mais e menos suscetíveis a desmoronamentos. São inúmeros vídeos e imagens postadas nas
redes sociais de pessoas e grupos de pessoas se aventurando por trilhas no MONA
do Morro dos Conventos. Todas, sem exceção, exibem locais de extremo risco de
haver algum deslocamento de rochas.
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Foto - Jairo |
A
presença de água escorrendo pela encosta é um sinal de que a rocha está sendo
erodida. A pavimentação com lajotas e a construção de boca de lobo na estrada
que se estende do Hotel Morro dos Conventos ao Farol está agilizando o processo
erosivo do paredão. Em períodos de intensas e prolongadas chuvas todo esse
volume de água tende a escorrer pelas bocas de lobos. A pressão com que escorre
expande ou cria novas fendas no paredão.
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Foto - Jairo |
Há
enormes perspectivas do balneário Morro dos Conventos se converterem num dos
maiores destinos turísticos do sul do estado de Santa Catarina. Pela sua
complexidade e fragilidade ambiental o balneário exigirá do poder público
fortes investimentos em estudos de viabilidade ambiental. Parece que não foi
exatamente essa a preocupação das últimas e da atual administração pública.
Negar a existência do PGI (Plano de Gestão Integrada) e das três Unidades de conservação (MONA-UC - APA - RESEX) que foram
demandas do Projeto Orla, vem se tornando regra dos gestores públicos municipais.
O
turismo de aventura vem se tornando uma das grandes tendências do momento no
mundo todo. E o Morro dos Conventos tem enorme potencial nesse setor. Durante
as altas temporadas centenas de pessoas se aventuram pelas inúmeras trilhas que
circundam o paredão. Quem já transitou por algumas delas, na base do Morro por exemplo, deve ter constatado o elevado
risco de ser atingido por pedras que se desprendem do paredão. Embora existam
pesquisas como monografias, artigos e dissertações que discorrem sobre a paleofalésia e as trilhas
do Morro dos Conventos, potencialidades e riscos, nenhum plano criterioso de
visitação desses locais foi elaborado.
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Foto - Jairo |
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Foto - Jairo |
Mais
uma vez não precisamos deixar que uma tragédia aconteça para depois tomar as
providências como ocorreu na cidade de Capitólio. A contratação de uma equipe
multidisciplinar formada por geólogos, geógrafos, biólogos, entre outros se faz
necessário e com urgência para avaliação da geomorfologia do MONA/UC. A partir dos
dados coletados se estabelecerá uma espécie de protocolo onde aquele/a que
desejar conhecer as trilhas terá que ter o acompanhamento de um/a monitor/a.
Prof. Jairo Cesa
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