OS ATROPELOS DAS AUDIÊNCIAS
SOBRE A REVISÃO DO CODIGO AMBIENTAL DE SC: A FALSA LEGITIMIDADE DE
PARTICIPAÇÃO SOCIAL
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Foto - Jairo |
Santa
Catarina nas últimas duas décadas vem sendo destaque nos noticiários nacionais
por se tornar palco de acontecimentos climáticos extremos a exemplo do Furacão
Catarina em 2004. Tornados, ciclones bombas, tempestades severas e estiagens
intermitentes prolongadas já fazem parte do cotidiano do estado. Acreditar que
tais acontecimentos são ciclos da própria natureza é negligenciar a ciência que
vem dando provas suficientes da influência antrópica na dinâmica climática
global. O modelo econômico predatório impulsionado pelo lucro desmedido está
colocando a espécie humana numa encruzilhada difícil, mudar comportamentos ou
sucumbir para sempre.
Uma
das tentativas para minimizar o ímpeto predatório do lado humano irracional e
que estão trazendo efeitos positivos significativos são os conjuntos de
normatizações formais, como as constituições. Em termo geral, a constituição de
1988 foi o primeiro documento que tratou a temática ambiental com importância
devida. Códigos florestais, leis de crimes ambientais, lei da mata atlântica e
outras tantas normatizações em escalas estaduais e municipais integram esse
intricado e complexo aparelho jurídico de proteção ambiental.
Todo
esse conjunto de regras e organizações ambientais não terá efeito positivo em
Estados contaminados por vícios institucionais. A corrupção, o mandonismo, a
troca de favores, as falcatruas, etc, são alguns exemplos de vícios que
transformam normas de proteções ambientais em letras mortas. O código florestal
de 1965 deixava claro em suas dezenas de páginas que quem desmatasse estariam suscetíveis
as sansões legais. Milhões de hectares de florestas foram dizimados durante a
prevalência dessa lei.
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Atendendo
o lobby dos desmatadores, o congresso nacional em 2012 aprovou lei criando um
novo código florestal, onde isentariam de pena todos que cometeram crimes contra
as florestas até 2008. A pressão de
certos segmentos econômicos como do agronegócio vem sendo decisivo nas decisões
relativas à fragilização das regras de proteção ao meu ambiente. As câmaras de
vereadores, assembleias legislativas e o congresso nacional são instituições
com funções de formular leis. Nesse sentido, os ocupantes às cadeiras desse
poder são tão ou mais importantes que prefeitos, governadores e presidentes.
Aí
explica o fato das ferrenhas disputas às cadeiras das respectivas casas legislativas,
entrando no circuito decisório a força do mandonismo local e regional.
Rastreando as casas legislativas municipais, estaduais e o próprio congresso, o
que se nota é a expressiva incidência de legisladores filiados em partidárias
de ideologias conservadoras, ou seja, que defendem a manutenção do status quo
produtivo e social. Essa superioridade numérica nas casas legislativas garante
a aprovação de leis favoráveis àqueles que os representam. No caso dos códigos
florestais, por exemplo, raros são os capítulos ou dispositivos pensados nos
benefícios ao meio ambiente.
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O
polêmico e controverso Código Ambiental de Santa Catarina aprovado em 2009 e
que serviu de modelo para a elaboração do código florestal brasileiro
sancionado em 2012, ratifica o que foi dito acima, um documento altamente
permissivo às atividades de riscos ambientais. Na época da sua aprovação estava
em vigor a lei 4771/65, sobre o código florestal brasileiro. O descompasso
entre as normatizações da lei catarinense e a federal resultou em uma enxurrada
de ações na justiça exigindo a sua revogação.
Um dos itens mais polêmicos do código catarinense, motivo de criticas e denúncias junto ao STF foi acerca dos limites de APP nas margens de rios. Enquanto a norma geral estabelecia 30 metros para determinados cursos de água, a legislação catarinense definia apenas 5 metros nesses mesmos cursos. A justificativa apresentada pelo STF contrária à legislação catarinense foi fundamentada nos frequentes episódios climáticos extremos como estiagens, enchentes e deslizamentos de terras, como as que tiraram a vida de 135 pessoas em 2008.
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Doze
anos depois da aprovação da lei n. 14.675/09 e vetada pela justiça, porém defendida
pelo agronegócio e demais segmentos econômicos, novamente a assembleia legislativa
e setores produtivos iniciaram as discussões visando à reformulação do
respectivo código ambiental. Como aconteceu há doze anos, todo o processo está
sendo atropelado, excluindo do debate ONGs e universidades. Em 2009 o relator
do projeto era o deputado Romildo Triton, MDB, tendo nas costas vários
processos por envolvimento em crimes ligados a perfuração de poços artesianos
no estado.
Atualmente
o presidente da comissão mista criada para discutir a revisão do código é o
deputado Valdir Cobalchini, também do MDB. Além de Cobalchini, completam a
comissão mista os deputados Moacir Sopelsa, MDB; Milton Hobus, PSD; José Milton
Sheffer, PP e Fabiano da Luz, PT. Até pode ser justificável a participação
desses deputados, exceto, Fabiano da Luz, por integrar um partido que
historicamente foi construído sobre uma base popular, de defesa de princípios elementares,
como a proteção do meio ambiente.
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Sua
participação na comissão reflete exatamente essa ruptura com tais princípios. Visitando
sua página nas redes sociais, bem como do PT, não foi possível visualizar
qualquer comentário acerca do real motivo de estar integrando uma comissão,
cujos demais integrantes são favoráveis a revisão do código para favorecer
exclusivamente os seus pares.
Oitos audiências públicas pelo estado foram
agendadas, onde estão sendo coletadas demandas da sociedade á ser incluída no
texto base, prevista para ser sancionado ainda esse ano. Imagine são menos de
dois meses para revisar mais de 300 artigos. Afinal, por que tanta pressa? A
resposta foi dada pelo próprio deputado Cobalchini na pagina oficial do MDB. Lá
foi dito que a revisão visa eliminar burocracia para agilizar processos de
licenciamento. Disse também que defende o desenvolvimento respeitando o meio
ambiente, que é preciso dar respostas breves ao setor produtivo.
Claro que toda essa celeridade como pretende o deputado deve ter um motivo muito específico, atender interesses de grupos econômicos. A flexibilização ainda maior das legislações de proteção ambiental irá escancarar ainda mais a porteira da destruição do pouco que restou dos remanescentes da mata atlântica. Essa certeza de que nossos biomas estarão realmente ameaçados com o código ambiental revisado pode ser confirmada ouvindo as sugestões e proposições encaminhadas nas audiências.
Antes
de tecer opiniões ou críticas sobre o teor das audiências realizadas procurei
assistir as gravações disponibilizadas na pagina da TV ALESC, exceto o encontro
em Içara, pois lá estive presente. O fato que chamou a atenção nas audiências foi
a expressiva presença de representantes de setores ligados direta e
indiretamente no campo e empresarial. Quanto as demandas discutidas havia consenso
na defesa de temas como a descentralização dos licenciamentos ambientais,
tornando-os autodeclaratório; a autonomia aos municípios para decidir regras em
APPs urbanas e a flexibilização acerca do manejo das araucárias, etc.
Os
itens acima destacados, entre outros, suas inserções no novo código ambiental
poderá trazer muito mais desastres ambientais. Por exemplo, a transferência da
gestão das APPs urbanas aos municípios. Em Santa Catarina parcela significativa
das cidades é cortada por rios, riachos e córregos. Em quase todas, as margens
sofreram ações antrópicas com obras de infraestrutura suscetíveis as inundações
e deslizamentos. Conforme o código florestal brasileiro e a lei n. 16.432/14,
código ambiental catarinense, os mesmos vedam licenciamentos para novas
ocupações num limite mínimo de 15 a 30 metros dependendo da extensão dos cursos
d’água.
A
intenção de transferir aos municípios a responsabilidade de definir suas APP
poderá resultar em regras distintas de limites de APP numa mesma bacia
hidrográfica e uma profunda confusão jurídica. Outro aspecto importante a ser
considerado sobre a municipalização é que nas discussões sobre o tema prevalecerá
a pressão do lobby empresarial/imobiliário sobre os legisladores e gestores
municipais, propondo minimizar as regras ao máximo.
O
setor empresarial capitaneado pela FIESC e demais entidades congêneres insistem
na tese de que as regras ambientais em curso a exemplo do licenciamento impedem
investimentos no estado na ordem de trinta bilhões de reais. Como assim?
Afirmam que as atuais resoluções sobre licenciamentos estão pautadas em
critérios burocráticos que engessam o desenvolvimento. A proposta defendida é
instituir o licenciamento autodeclaratório, ou seja, permitir ao empreendedor
ou qualquer cidadão a contratação de profissionais para elaborar o documento.
Falando
sobre descentralização ou municipalização dos licenciamentos, atualmente o
órgão responsável nas tratativas desse tema é o IMA (Instituto do Meio
Ambiente) de Santa Catarina, além de outros municípios maiores com boa
infraestrutura técnica. Se há demora ou muita burocracia nos licenciamento como
alegam o setor produtivo, a culpa não é do órgão licenciador estadual, mas da
sua fragilidade estrutural. Para tornar mais o órgão mais célere, caberia ao
governo muni-lo com grande plantel de técnicos capacitados como de analistas
ambientais. Não o faz pelo fato de ter no seu portfólio a intenção de
municipalizar serviços hoje de sua alçada.
O
atual presidente do IMA, que também participa das audiências, declarou em um dos
encontros ser favorável à descentralização, porém, com compromisso, ressaltou.
Como esperar compromisso quando se sabe muitos municípios além de poucos terem
órgãos ambientais, aqueles que possuem carecem de infraestrutura mínima. Outro
detalhe. Muitas fundações ambientais são vinculadas ao poder executivo, cujos
superintendentes e demais profissionais exercem cargos comissionados, ou seja,
indicados pelo prefeito. Como imaginar que haverá isonomia e imparcialidade nas
decisões dos laudos ambientais com essa configuração?
A
participação da FIESC em todas as audiências responde os reais interesses na
agilização da revisão do código ambiental e sua imediata aprovação até o final
do ano. Na página da entidade, na internet, estão relatadas as quatro premissas
defendidas pela federação: 1- a
aplicação do código ambiental catarinense sobre todos os biomas no estado; 2- a
prevalência do código ambiental catarinense, ao código florestal brasileiro e a
lei da mata atlântica e regulamentar o licenciamento auto declaratório.
Por
que defender a prevalência do futuro código ambiental em detrimento código florestal
e a lei da mata atlântica. A resposta está na permissibilidade do documento
catarinense, principalmente no quesito empreendimentos sobre áreas de
remanescentes da mata atlântica. Se ainda hoje áreas remanescentes de mangues e
restingas são preservadas, temos que louvar a lei 11.426/2006, lei da mata atlântica.
Essa
revisão atropelada do código ambiental também explica a ausência de entidades
importantes no debate como universidades, setores ligados à educação e ONG. Nas
centenas de falas ouvidas nas audiências, a única vez o tema educação foi citada
aconteceu no encontro de Rio das Antas,
oeste do estado. O incrível é que a fala não veio de um professor/a ou
representante da Secretaria da Educação do Estado, mas por uma engenheira
sanitarista.
Relatou
a proponente que todos são responsáveis pelos resíduos produzidos, por isso a
necessidade de dar ênfase a “logística reversa”. Além disso, alertou a
necessidade de trabalhar a educação ambiental nas escolas, que está sendo
esquecida. Que é preciso sensibilizar as crianças sobre a necessidade de defender
o meio ambiente. O mais incrível foi à resposta dada pelo presidente da
comissão mista, o deputado Cobalchini. Disse que a sugestão da proponente foi
muito interessante, que até aquele momento não havia recebido nenhuma proposta relativa
ao tema educação.
É
importante aqui ressaltar que educação ambiental nas escolas faz parte dos PCNs
estando inserido no currículo como tema transversal, devendo ser trabalhada em
todas as áreas do conhecimento. Imagine o absurdo, foi excluído do debate da
revisão do código, departamentos da secretaria de educação estadual voltada à
educação ambiental. Em 2010 o governo do estado assinou decreto n. 3.726/2010 criando
o ProEEA (Programa Estadual de Educação Ambiental). Como acreditar que um
código ambiental que mudará significativamente o cenário ecológico do estado
não teve a participação de professores, diretores, supervisores e outros tantos
profissionais que integram as redes de ensino municipal e estadual.
É
inacreditável que ONGs e demais organizações em defesa do meio ambiente está
foram dessa discussão. A resposta acerca da ausência dessas instituições nas
audiências está no site da ONG APREMAVI, de Rio do Sul, com o seguinte título: Revisão
do Código Ambiental de Santa Catarina segue na Trilha dos Retrocessos.
O
documento assinado por quase cinquentas organizações em defesa do meio ambiente
traz informações que mostram o motivo da ausência no processo de revisão do
código ambiental catarinense. Ambas as organizações denunciam haver manobras
articuladas entre parlamentares da ALESC e o setor produtivo a revisão do
código sem uma discussão mais profunda com a sociedade. O erro, segundo as
organizações, são os prazos exímios estabelecidos para revisar mais de 300
artigos.
A
relativização de medidas de proteção ambiental será e está sendo a tônica nas
audiências. Pior é que tudo isso está acontecendo num momento em que o
congresso nacional e o atual governo procuram fragilizar ainda mais as
legislações ambientais e organismo protetores. As audiências públicas estão
servindo de pano de fundo para dar um falso sentido de legitimidade ao
processo. Todos os trâmites estabelecidos na revisão do código comprovam
existir uma escancarada violação dos princípios democráticos de participação
social, como define o artigo 225, caput, da constituição federal.
Prof.
Jairo Cesa
https://www.blogger.com/blog/post/edit/8334622275182680372/740421506726665708
eisestaduais.com.br/sc/lei-ordinaria-n-16342-2014-santa-catarina-altera-a-lei-n-14675-de-2009-que-institui-o-codigo-estadual-do-meio-ambiente-e-estabelece-outras-providencias
https://www.canalrural.com.br/noticias/justica-mata-atlantica-codigo-florestal-sc/
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2006200915.htm
http://mdb-sc.org.br/cobalchini-defende-agilidade-na-revisao-do-codigo-do-meio-ambiente-de-sc/
https://www.sed.sc.gov.br/programas-e-projetos/30939-educacao-ambiental
https://www.educacaoambiental.sde.sc.gov.br/Documentos/PROEEA.pdf