domingo, 14 de fevereiro de 2021

 

O CICLO VICIOSO DOS AGROTÓXICOS NO MUNICIPIO DE ARARANGUÁ

Num passado recente eram comuns no campo e até mesmo nos perímetros urbanos, pessoas limpando suas lavouras e seus pátios com enxadas, foices, capinadeiras e outros instrumentos agrícolas. É visível que esses equipamentos quase não fazem mais parte do cotidiano do campo. Nas lojas agropecuárias esses departamentos são ocupados atualmente por dezenas, centenas de recipientes de agrotóxicos e outros insumos de uso agrícola. Lembro, na minha infância, que quando era colhido feijão, milho, amendoim, arroz, etc, sempre reservávamos uma pequena quantidade de semente para a próxima safra.

O único veneno utilizado, isso raramente, era o tal de “carvin”, para eliminar pulgas e bichos de pé. O tempo passou, o número de famílias no campo diminuiu e extensas áreas de florestas nativas desapareceram cedendo lugar a monoculturas, a exemplo do fumo e do arroz. A ciência também evoluiu, grandes laboratórios conseguiram desenvolver sementes “melhoradas” capazes de produzir muito mais que as convencionais. A transgenia, certamente, foi o marco determinante dessa evolução.

Paulatinamente sementes de milho, arroz, geneticamente alterados, passou a conquistar a preferência dos agricultores e o desespero dos agroecologistas, ambientalistas, pelos riscos que tais variedades de sementes poderiam causar aos ecossistemas. Essas mudanças levaram praticamente a extinção das sementes crioulas e de equipamentos de uso tradicional como enxadas.

A vantagem de cultivar sementes modificadas se deve a praticidade e a sua “elevada produção”, relatam os seus defensores. O milho, por exemplo, possui certas enzimas na sua genética que o torna resistente ao ataque de certos insetos. No lugar da enxada e capinadeira, o glifosato, princípio ativo do roundup passa a ser aplicado para combater o mato. Imagine uma planta resistente ao veneno.

É claro que toda essa evolução e praticidade trouxeram ganhos bilionários às poderosas corporações que tem o monopólio sobre a produção e a comercialização desses venenos, sementes e insumos.  No Brasil não há legislação que restringe o cultivo de sementes transgênicas, nem mesmo a obrigação das empresas alimentícias de estamparem o símbolo transgênico nas embalagens. Já os agrotóxicos são muitas as legislações que disciplinam a comercialização e aplicação nas lavouras. Entretanto, o que mais se observa é a pouca efetividade dos órgãos fiscalizadores para coibir as infrações, que são muitos.

É possível que quase todos os municípios brasileiros tenha descrito nos planos diretores ou códigos ambientais artigos e parágrafos que disciplinam o uso de agrotóxicos no campo. Em relação aos perímetros urbanos, diferente das áreas rurais, é vedada a aplicação de agroquímicos. A explicação se deve ao fato de que nas áreas urbanas não ser possível adotar os mesmos protocolos obrigatórios no campo, ou seja, demarcação da área pulverizada com placas, mantendo-o em quarentena por um determinado período.

O município de Araranguá, tanto o plano diretor quanto o código ambiental, ambos apresentam artigos e dispositivos que tratam sobre o tema agrotóxico. O arroz irrigado se destaca em Araranguá e no extremo sul do estado de Santa Catarina como uma das principais culturas. Sendo assim toneladas de agrotóxicos são despejados todos os anos no solo, contaminando todo o ecossistema, principalmente a água consumida pela população. A falta de uma fiscalização mais severa não impede que alguns venenos proibidos sejam aplicados nessa cultura e outras.

Quem transita pelos bairros e interior do município de Araranguá constata que o plano diretor e o código ambiental municipal vêm sendo negligenciado pela população e autoridades. O pior de tudo é que os órgãos fiscalizadores, municipal e estadual, fazem vistas grossas frente a tais irregularidades.  Um exemplo é o Art. 60, § XIX, referente ao Capítulo III, da lei Lei Complementar 150/2012, que trata sobre Política Ambiental do município de Araranguá.

O parágrafo impede que seja utilizado agrotóxico e queimadas para o controle da vegetação como forma de limpeza no território do município. Se, portanto, é proibido, por que a prática da capina química vem acontecendo de forma deliberada, sem que seus autores sejam autuados e penalizados? A legislação estabelece que para a obtenção de qualquer agrotóxico se faz necessária prescrição de um profissional habilitado, nesse caso o agrônomo.

Visitando alguns estabelecimentos que comercializam agrotóxicos e outros insumos no município de Araranguá, me deparei com opiniões desencontradas relativos ao tema em questão. Perguntado a um atendente de uma loja que tradicionalmente comercializa tal produto, o mesmo foi enfático em afirmar que para aquisição de qualquer agrotóxico, glifosato, por exemplo, que o mais comum, é obrigação do vendedor exigir do comprador a apresentação de respectivo receituário. Nas outras quatro lojas visitadas, quando perguntado sobre um tipo de veneno para eliminar o mato, na ora foi apresentado o glifosato.

Disseram que não havia necessidade de apresentação de receituário, pelo fato do produto não ser tão tóxico. Houve até o caso de um vendedor afirmar que só vendia glifosato, que o Rondup, só era possível de ser adquirido em lojas especializadas. Talvez por desconhecimento, não sabia o vendedor que o glifosato é o principio ativo do Rondup, que ambos são a mesma coisa.

A resposta comprovou o tamanho da desinformação que impera nesses estabelecimentos, cujos profissionais deveriam estar bem informados sobre como proceder acerca desses produtos. Afinal, se as legislações vigentes impossibilitam que qualquer agrotóxico seja adquirido sem a apresentação de receituário, por que as casas desse seguimento comercializam livremente o produto? É necessário que as autoridades competentes desse setor venham a publico esclarecer a população sobre o assunto. O que paira no ar é certo obscurantismo das autoridades em relação ao assunto agrotóxico.

O próprio meio jornalístico e jurídico resiste em abordar o assunto. Tais omissões talvez se devam pelo fato de saberem da existência de irregularidades. Para solucionar ou acabar com esse ciclo vicioso envolvendo o comércio irregular de agrotóxicos, o caminho seria a participação da sociedade como agente fiscalizador. Um exemplo para elucidar aconteceu há cerca de trinta dias quando um avião agrícola estava pulverizando lavouras de arroz dentro do perímetro territorial de Araranguá.

Sabendo que essa prática era irregular, conforme descrito no Art. 60 da Lei Complementar 150/2012, de imediato um cidadão ligou para o órgão estadual que tem competência sobre o assunto. A resposta dada pelo representante do órgão foi de que a eronave não estava habilitada para tal atividade, que caso viesse persistir a ação seu proprietário seria autuado por crime ambiental.

A conclusão que se chega quanto ao elevado consumo de veneno pela população está no seu valor. Enquanto uma enxada o preço médio nas lojas varia entre 35 e 40 reais, um recipiente de agrotóxicos, o glifosato para eliminar mato, por exemplo, o valor médio é de 16 a 20 reais. Na realidade esse valor baixo é pelo fato de os agrotóxicos no estado de Santa Catarina serem subsidiados pelo governo, ou seja, isentos ou cobrança ínfima de impostos.

Prof. Jairo Cezar

Nenhum comentário:

Postar um comentário