sexta-feira, 2 de novembro de 2018


NÃO HÁ DEMOCRACIA SEM ESTADO LAICO


Algo inédito na história política brasileira é um candidato  ultradireitista conquistar a presidência pelo voto. No passado tivemos experiências parecidas de candidatos que disputaram cargo de presidente, porém, sem êxito. Os períodos ditatoriais tiveram como protagonistas, a exemplo de 1937, o presidente “eleito” Getúlio Vargas, que se utilizou de uma farsa histórica, a ameaça comunista, para decretar o Estado Novo, golpe de estado que o manteve no poder até 1945. O conhecido Plano Cohen, que resultou na permanência do poder foi forjado em novembro de 1937 por integrantes do alto escalão do  exército brasileiro e só descoberto oito anos depois.    
O episódio golpista de março de 1964, também foi um processo verticalizado, ou seja, forças externas associadas ao exército, apoiados por uma elite econômica nacional, depuseram o presidente eleito João Goulart instalando uma ditadura duradoura e perversa. As eleições do último domingo, 28 de outubro, foi sem dúvida um caso emblemático na nossa histórica. Teria a eleição de outubro de 2018 alguma similaridade com o fato ocorrido em novembro de 1937?
Na época acusaram os comunistas de tentativa de tomar o poder no Brasil. A indicação do juiz Sérgio Moro, do Ministério Público Federal do Paraná para o posto de Ministro da Justiça do governo eleito, pode ser interpretado como um possível golpe de Estado? A reflexão se faz por ter sido ele o responsável pela condenação em segunda instância de Lula, virtual vencedor das eleições se fosse deferida sua candidatura.     
Na contabilização final dos votos, um terço dos eleitores que não optaram por nenhum dos dois candidatos contribuiu indiretamente para a confirmação de um consenso político, ou seja, apoio informal ao programa de governo do presidente eleito.  O fenômeno revelador nesse histórico processo eleitoral é o possível fim do modelo idealizado sobre o provo brasileiro, caracterizando-o como gentio, solidário, tolerante, etc. Desde as mobilizações de junho de 2013 tais adjetivos foram postos à prova no grande palco das ruas.
Por todos os cantos emergiram grupos sociais com discursos ultra direitistas que pavimentaram os caminhos que reverberam em comportamentos atípicos àqueles que moldaram nosso imaginário, alguns dos quais transformados em versos e que ilustram o hino nacional, ex: De um Povo heróico Brado Retumbante.  Algo que deve ser ponderado é quanto a certos discursos consensuais ditos durante a campanha, alguns deles insistindo enquadrar todos/as os eleitores/as do candidato Bolsonaro como fiéis defensores do fascismo.  É sabido que milhares de eleitores/as que depositaram o voto ao candidato do PSL o fizeram instigado pela desesperança, raiva de longa data de práticas de corrupção, roubalheira que, sorrateiramente, a mídia golpista alocou toda a responsabilidade ao PT, transformando-o como único bode expiatório.
Por outro lado, a figura de capitão do exército, fez despertar das profundezas do cérebro humano, demônios adormecidos, entorpecidos por sentimentos individualistas, de crenças esdrúxulas e de um moralismo tosco, medieval. Quando cair a fixa, e não demorará muito, os eleitores de Bolsonaro irão perceber o tamanho do erro que cometeram no dia 28 de outubro de 2018.  Se o novo presidente não tiver habilidade e inteligência suficiente para equilibrar as pressões dos ultraconservadores de um lado, e dos antipetistas, despossuídos e desiludidos, do outro, o governo tenderá a cair com brevidade, tal qual foi sua galopante ascensão ao poder.
Outro prisma temeroso do candidato eleito foi quando do seu pronunciamento pelas redes sociais, de sua residência, exibindo obras literárias das quais o inspiraram e que conduzirão seu governo. Dentre os livros mostrados estava o principal símbolo dos cristãos, a bíblia sagrada. Ousou até a citar trechos do evangelho. Adultos e crianças sabem que todo/a cidadão/a brasileiro/a tem assegurado/a constitucionalmente liberdade para expressar suas crenças, porém, para um estadista, guardião do Estado republicano, Laico e democrático, beira a insensatez.
Seria até tolerável se o fizesse citando todas as crenças, não excluindo os que se declaram ateus e agnósticos. Diante da tamanha complexidade do tecido religioso brasileiro, hoje em dia os clérigos integrantes de credos tradicionais estão fugindo do proselitismo clássico e assumindo posturas ecumênicas, compartilhando idéias que são aceitas por outros cultos.  
O crescimento dos credos de tradição pentecostal no Brasil vem ratificando mudanças significativas até mesmo no mapa político/partidário das câmaras municipais, dos parlamentos estaduais, do congresso nacional e até mesmo nas principais instâncias do judiciário. A cada pleito eleitoral, novos membros de cultos cristãos são eleitos ou reeleitos, transformando gabinetes e instituições de poder/laico em escrachadas extensões de seus templos. Há pouco tempo uma liderança importante de uma poderosa agremiação religiosa confessou que a vitória de um candidato pastor de sua igreja à prefeitura de uma importante cidade brasileira seria a demarcação de um projeto maior, mais ambicioso, a conquista do palácio do planalto.
A vitória de Bolsonaro talvez, à primeira vista, não tenha sido o objetivo traçado por essa igreja, porém apresenta todas as credenciais de quem irá executar o plano de inserção do doutrinamento teocrático no país. E ainda falam da escola sem partido, doutrinamento comunista e outras besteiras. Embora tenha se declarado católico, convergiu para o seu entorno um enorme contingente de seguidores evangélicos, que não para de crescer em todo o país. Sua estratégia de campanha ao lançar o slogan “Brasil acima de tudo e deus acima de todos”, se não foi determinante para sua vitória eleitoral, contribuiu enormemente.
Essa intervenção do culto à fé às coisas do Estado é uma forte ameaça à já frágil democracia. Fé e Estado não conseguirão conviver em harmonia, pois sempre tenderá excluir grupos que não compartilham com tais crenças. A tendência, portanto, é a supressão definitiva do estado laico, instaurando dessa feita um regime similar às teocracias do oriente médio. Existe um detalhe importante a considerar, nesses regimes parcela expressiva da população é integrante de um mesmo credo religioso. Sobre o Estado Laico brasileiro, o atual presidente eleito, respondeu em uma ocasião quando perguntado sobre laicidade: “não tem essa história de estado laico, e quem não concorda que se mude”.
Para uma população majoritariamente religiosa como a brasileira, o discurso de Bolsonaro, evocando mais o nome de Deus que de coisas ligadas a republica, tenderá a ser a aceito e hegemonizado. É notório que os princípios iluministas do século XVIII, Liberdade, igualdade e fraternidade, que inspiraram os movimentos revolucionários da América hispânica e portuguesa, caso do Brasil, com a separação do Estado e da Igreja, em 1889, com o atual presidente, tenderá a recrudescer com um possível Estado Teocrático?
Esse recrudescimento a certos costumes medievalescos, principalmente o do núcleo familiar tradicional, hétero, como estão apregoando grupos ultraconservadores membros da bancada da bíblica no congresso, dificilmente terão êxito, a não ser suprimindo a constituição. A única possibilidade dos fanáticos doutrinadores, ultraconservadores, agora no poder, de avançar com seu plano mirabolante de construção de uma nação fundamentada nos princípios da fé, é reestruturando a educação básica brasileira. Não há dúvida que o próximo ministro da educação deverá apresentar credenciais de quem irá propor medidas nesse sentido, como a supressão do evolucionismo Darwiniano e a inserção do criacionismo no currículo.
Esse deverá ser, portanto, um projeto político ideológico de médio e longo prazo. Com uma sociedade sem Paulo Freire como mediador dos currículos escolares, substituindo-o por livros sagrados ou princípios doutrinadores, poderemos estar caminhando para o mundo das “trevas”, aquele mesmo revelado pelo escritor italiano Umberto Eco muito, bem detalhado no seu magnífico livro o Nome da Rosa.

https://www.youtube.com/watch?v=s6kXlG_NrpQ
Prof. Jairo Cezar

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