domingo, 18 de fevereiro de 2018


ARTES PLÁSTICAS COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO PARA EXTERNIZAR SENTIMENTOS E IMPRESSÕES DO COTIDIANO SOCIAL

Desde os tempos mais remotos, os primeiros seres humanos utilizavam os desenhos ou pinturas rupestres para se comunicarem. Graças aos signos pictóricos preservados em vários lugares do planeta, ainda hoje historiadores e outros pesquisadores de áreas distintas se debruçam nessas fontes para tentar compreender o modo como esses povos se organizavam e compreendiam o mundo. Embora a escrita tenha se sobrepujado a arte pictórica mais tarde, o desenho com grafite, a escultura, o mosaico, a pintura a óleo, entre outros gêneros artísticos, permanecem vivas em quase todas as culturas.
Algumas culturas como as mesoamericanas não desenvolveram a escrita como ferramenta convencional de comunicação. O emprego da oralidade e de símbolos pictóricos como desenhos, esculturas, se constituíram em recursos necessários para comunicar-se, transmitindo saberes de geração para geração. A pintura em tela, com o emprego de tinta a óleo, permitiu que muito do que se sabe hoje de algumas culturas, cenários, estéticas, costumes, etc, fosse possível graças aos trabalhos deixados por artistas de extraordinária sensibilidade e habilidade técnica.
Qualquer pintura ou desenho, representado em tela ou não, quem o fez, procura ou procurou expressar seu sentimento ou visão de mundo naquele momento. Portanto, qualquer indivíduo, artista plástico ou não, não estará imune a influência dos arcabouços culturais da sua época. Tanto antes como nas fases subsequentes a renascença, todas as pinturas estão repletas de traços subjetivos do período representado. No Brasil a pintura teve forte influência na formatação da identidade nacional. Desde a época do império, o Estado contratava pintores profissionais para representar cenários e fatos históricos importantes do cotidiano social.
Geralmente os episódios exteriorizados nas pinturas que decoram salões e espaços públicos atualmente, como o quadro retratando o enforcamento de Tiradentes, não correspondem exatamente aos fatos ocorridos. Cenários e personagens eram forjados com o intuito de   fabricar heróis imaginários para despertar sentimentos nacionalistas. Portanto, a arte tende muitas vezes a ser dissimuladora, opressora, aprisionadora, submetendo gerações e gerações ao domínio cego de grupos dominantes. A arte não pode ter regras, leis, deve trilhar seu próprio caminho, pois arte é  sinônimo de liberdade.
Todo artista, quando faz uma obra de arte, é impulsionado por algum desejo, sentimento. Durante o processo de construção de um projeto, pintura, escultura, mosaico, etc, cada centímetro concluído desencadeia turbilhões de emoções. Cada obra pintada é única,  inrepetível. Iniciar qualquer atividade artística não tem idade e nem tempo específico. Pode ter como força motivadora as aulas de educação artística no colegial, um curso acadêmico, ou até mesmo episódios extremos na vida, ou seja, um estresse emocional, cuja arte assume uma função terapêutica de ressignificação da vida.
Foi exatamente o que aconteceu comigo em 2006, depois de ter sofrido um violento estresse emocional que me levou ao recolhimento absoluto. Os primeiros rabiscos e pinceladas com tinta guache davam mostras de que tal atividade contribuía para minimizar a ansiedade extrema.  Em 2007, mesmo diante da fragilidade dos movimentos psicomotricial, decidi me matricular em uma escola de artes plásticas. O primeiro contato formal com os pincéis e um punhado de bisnagas multicoloridas de tinta a óleo foi o sinal de que algo importante estava acontecendo.
 Um singelo desenho de uma  paisagem a beira mar estava na frente dos meus olhos para colorir. Agora não havia mais retorno, mesmo com as mãos trêmulas resultante da ansiedade veio à revelação. O pequeno quadro com coqueiros, raios de sol iluminando a  manhã e pássaros deslizando num céu alaranjado, ambos  revelaram que a arte é sim transformadora, curativa. Não é por acaso que escolas que atendem crianças e adolescentes especiais e até mesmo clínicas para tratamento de pessoas com distúrbios psicológicos, a arte, como terapia ocupacional, é um excelente recurso para minimizar os sintomas.
Com a conclusão do primeiro trabalho, outros e mais outros vieram em seguida. A cada quadro pintado era perceptível que meu estado de ansiedade a cada dia vinha diminuindo. Isso abriu caminho para alçar vôos mais altos, a ponto de querer até  abandonar as cópias prontas e arriscar assumir um estilo próprio. O academicismo, talvez influenciado pelo estilo de arte aprendida no período escolar, tornou-se parâmetro para as minhas produções dali para frente.  A reprodução de cenários paisagísticos singulares, casarios, igrejinhas e monumentos de relativo valor histórico, cada vez mais guiaria meu olhar ao mundo sensível da arte reveladora.
Por que não utilizar a artes plásticas para entender a luz das cores e formas os distintos cenários paisagísticos e arquitetônicos do município de Araranguá, cujas imagens e ângulos revelam ambientes que estão descritos em preto e branco. Transpor imagens para a tela e colori-las, a exemple das pinturas abaixo, não foi tarefa simples como se presumia. Uma intensa pesquisa em obras de artes visuais e no livro “Florianópolis: paredes do passado, de Ney Claudio Franzoni Viegas, contendo imagens e descrições dos casarios da capital do estado do século XIX e XX, contribuíram para definir as cores  usadas nas pinturas  inspiradas em fotografias em preto e branco que retratam certos aspectos da cidade de Araranguá no começo do século XX.
Em quase dez anos conciliando trabalho docente e aprendiz arte um pequeno acervo de singelas pinturas foi materializado, onde cada obra concluída, cada detalhe mostrado, trazia a revelação de que a arte pode sim trazer a cura libertando-nos das grades  dos nossos demônios/domínios  inconscientes. A libertação se revela quando nos desafiamos aos erros ou quando rompemos com padrões cartesianos que mostra um mundo perfeito, estável. Arte é manter-se em permanente instabilidade, desafiando a imaginação construindo ou desconstruindo cenários possíveis e previsíveis. A arte, portanto, tanto pode servir para  insubordinação, transgressão de conceitos e valores morais dominadores, como também instrumento de fortalecimento da estratificação social, ou seja, divisão de classes.
Em 2017 a convite da secretária da cultura do município de Araranguá algumas telas foram expostas junto com outros trabalhos no Hal de entrada da câmara de vereadores de Araranguá. Muitas pessoas se sensibilizaram quando se depararam com pinturas contendo paisagens, ambientes de reunião popular, etc,  que relembravam cenas vividas da infância. O fato é que a pintura fez aflorar outro desejo, a arte do mosaico com peças de cerâmica. Sem muita técnica e destreza, menos ainda de ferramentas apropriadas, apenas um alicate para o corte das peças, me arrisquei a confeccionar os primeiros trabalhos utilizando janelas refugadas de casarios.
Folheando algumas revistas especializadas em arte de mosaico ou conhecendo in loco os desenhos que narram a história da America Latina retratada nas paredes do prédio da reitoria da UFSC; os inúmeros mosaicos decorando entradas de prédios em Florianópolis e locais estratégicos em Itajaí,  me instigou o desejo de fazer algo semelhante. E por que não? Foi só escolher o desenho, o local, reunir as peças com as cores desejadas, e mão na massa, literalmente. Quatro ou cinco meses depois estava concluído o que se imaginava ser trabalho exclusivo de artistas renomados. Em culturas clássicas como os bizantinos, a arte em mosaico sempre assumiu uma representação simbólica determinante no imaginário das pessoas.                    
   Escolher e representar em fragmentos de cerâmica um pequeno recorte do inigualável cenário paisagístico do Morro dos Conventos não foi tarefa tão fácil. Delimitar uma escala que não extrapolasse para mais ou menos as dimensões originais do desenho também foi outro trabalho de  parto. Embora não tenha atingido os objetivos desejados em termos de proporcionalidade em relação às figuras, a obra artística, além de inspiradora, emociona os mais sensíveis, que buscam na arte respostas às várias perguntas que fazemos, dentre elas nosso papel nessa vida e o que é necessário para ser feliz?
Por cerca de dois anos vivi certo recrudescimento não produzindo novos trabalhos em pintura, apenas fazendo alguns reparos naquelas telas que sofreram alguma avaria em decorrência do tempo. Quase todas as pinturas produzidas estão expostas na residência dos meus pais ou no restaurante Cesa no Morro dos Conventos. No começo de 2018, a surpresa. Um proprietário de uma galeria comercial localizada no centro da cidade me fez o convite para expor os trabalhos na mesma. No início relutei, porém fui convencido de que as obras expostas seriam como um corpo nu aberto ao julgamento e críticas.  
Dito e feito, por três semanas cerca de quinze telas ficaram distribuídas no interior do prédio, onde circulavam centenas de pessoas diariamente. Era preciso saber a opinião do público que transitava pelo local e parava diante das imagens. O que motivavam suas paradas em frente das telas, o que procuravam saber, etc? Talvez muitas dessas perguntas jamais se terão respostas, pois nem todos que contemplaram os trabalhos quiseram externizar o que sentiam no caderno ali disponibilizado para tal fim. Mais de cem pessoas ousaram em assinar seus nomes e até mesmo expor suas opiniões ou críticas às obras distribuídas nos cavaletes.
Embora eu sendo um tanto crítico acerca do meu trabalho sempre acreditando que poderia ser melhor, as opiniões quase unânimes dos que registraram no livro me fez acreditar que devo continuar insistindo nesse estilo de pintura, que segundo uma colega, professora de artes, alguns quadros tem similaridade com as pinturas do artista Frances, Renoir. Uma opinião desse nível, é claro, deixaria qualquer um lisonjeado. No mesmo dia que fazia o recolhimento das telas, consultando as mensagens no E.mail, lá encontro o recado enviado por uma cidadã funcionária de uma grande rede de super mercados do estado, me convidando se eu tinha interesse de expor as telas em uma das lojas no município de Criciúma. Sem titubear, minha resposta foi positiva. Agora é prepará-las e enfrentar um novo desafio que somente a arte proporciona.  
Prof. Jairo Cezar                 




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