quinta-feira, 30 de novembro de 2017

OS DESAFIOS DO COMITÊ DA BACIA DO RIO ARARANGUÁ NA EXECUÇÃO DO PLANO DE RECURSOS HÍDRICOS APROVADO EM 2015

O Comitê da Bacia do Rio Araranguá, entidade criada por decreto estadual em 1997, nos seus vinte anos de existência vem se consolidando no sul de Santa Catarina como organização representativa da sociedade nas discussões de proposições que assegure o equilíbrio entre demanda hídrica e desenvolvimento.  Considerada uma das bacias hidrográficas mais ameaçadas do estado e quiçá do Brasil, o carvão sempre se constituiu e permanece sendo um dos vilões na baixa qualidade hídrica da bacia. Atualmente, além do carvão mineral, outras demandas degradantes como a extração de seixos rolados, desmatamentos, agrotóxicos, esgotamento sanitário, lixo, etc, estão ameaçando o pouco que resta das águas superficiais e subterrâneas não contaminadas.
Por cerca de dois anos, o comitê Araranguá concentrou os esforços na construção do Plano de Recursos Hídricos para a bacia. Considerado avançadíssimo por esmiuçar os problemas e as potencialidades hídricas dá região, o plano foi concluído e apresentado à sociedade em 2015, porém, as doze ações estratégicas de curto prazo oficialmente não saíram ainda do papel. Se houveram atividades executadas durante os dois últimos anos foram por iniciativa de voluntários que integram o comitê. A expectativa é que até 29 de novembro ou 14 dezembro, de 2017, os recursos poderão estar disponibilizados para a execução das seis metas e 33 estratégias.
Como qualquer plano, algumas metas ou estratégias se destacam entre outras por apresentarem gargalos que interferem no satisfatório desempenho das atividades hídricas da região. Das 33 estratégias destacadas, 12 foram enumeradas como emergenciais e que seriam colocadas em execução durante os próximos cinco anos. Além da elaboração de proposta para o enquadramento dos corpos hídricos da bacia, se destaca também como estratégia prioritária a realização de estudos sobre limites de exploração de minerais em calhas dos rios da região.  
 O comitê, desde a sua criação há vinte anos, vem se deparando com problemas quase desconhecidos na região há pouco tempo, como os constantes e contínuos conflitos por água, principalmente envolvendo seguimentos agrícolas e industriais. A supressão de vastas áreas da floresta atlântica transformadas em pró-várzea vem exigindo desde então crescentes demandas por água. O fato é que outros setores também se utilizam das águas da bacia, que somados à agricultura resultam em déficit hídrico. Ano após ano o fluxo de água recebido pelos rios dos aqüíferos e lençóis freáticos está sendo menor. A resposta pode estar na baixa freqüência de chuvas e na supressão das florestas responsáveis pela reposição da água subterrânea.
Para se ter noção do tamanho da pressão do setor agrícola (rizicultura) nos recursos hídricos da região, em 2015, as demandas estimativas dos usos consumitivos da bacia era o seguinte: abastecimento público com 49 milhões de metros cúbicos por ano, e irrigação 527 milhões de metros cúbicos por ano. Não números assustadores. Com o problema dos desmatamentos, parte da água que cai no solo rapidamente escorre para os rios e córregos carregando sedimentos que intensificam o assoreamento. Se o plano de recuperação da mata ciliar e do que resta dos remanescentes da mata atlântica não forem bem sucedidos, em pouco tempo os conflitos pela água se multiplicarão de tal forma que o próprio comitê da bacia não terá estrutura para mediar.
  Dentre os afluentes da bacia mais degradados, o destaque é o rio Mãe Luzia, que certamente requer mais atenção. São inúmeras empresas mineradoras que ainda exploram o carvão mineral para abastecer as termelétricas de Capivari de baixo. Se não bastassem os ativos ambientais, para piorar se somam com os passivos ambientais de décadas de extração. O enxofre e outras dezenas de metais pesados e contaminantes dos resíduos de carvão mineral tornam a água do rio Mãe Luzia, imprópria para consumo humano e animal.  
  O lançamento do livro Era uma vez o Rio Mão Luzia, escrito pelo professor da Unesc, Carlos Renato Carola e Nilson Dassi, e lançado em 2014, foi, entre outras, algumas das atividades voluntárias da sociedade em prol da Bacia. O lançamento da obra despertou a necessidade da criação do fórum permanente em defesa do Rio Mãe Luzia.  A mobilização da sociedade vem se configurando como estratégia positiva para frear ou ganhar tempo ao ímpeto ganancioso e irracional do setor minerador. O empoderamento e o fortalecimento do imaginário social de uma comunidade tendem a serem estratégias excelentes para despertar sentimentos de pertencimento. A produção de livros científicos, de contos, de histórias, artigos, filmes, fotografias, acerca de um rio ou rios, se configuram como ações importantes no processe de sensibilização.
A sensibilização por si só não é suficiente na reversão de práticas degradantes que afetam mananciais. É preciso a atuação incisiva do poder público, disponibilizando recursos cada vez maiores em políticas de saneamento básico. O percentual de tratamento dos esgotos sanitários na região que congrega as bacias do Araranguá, Urussanga e Mampituba (lado catarinense) é ínfimo. Embora as legislações federais estabeleçam prazos para que todos os municípios brasileiros implantem seus sistemas de coleta e tratamento de resíduos orgânicos, falta recursos para sua efetivação. 
No plano de recursos hídricos da bacia, uma das ações emergências, entre outras 12 elencadas, é a redução da poluição originária do esgotamento sanitário. Também sem recursos. Municípios como Siderópolis, Forquilhinha estão com seus projetos de usinas em execução. Que juntos com outros municípios como Criciúma, Araranguá, etc, poderão elevar o percentual de esgoto coletado e tratado na bacia que é vergonhoso. Outro dado preocupante no abastecimento de água no município de Criciúma, o mais populoso do extremo sul catarinense, é que os milhões de litros consumidos diariamente pela população são provenientes da Barragem do rio São Bento, que abastece também centenas de produtores rurais e os seguimentos industriais.
Quanto à poluição por carvão mineral, o incrível é que o município de Nova Veneza, não extrai uma pedra de carvão, porém, o rio que atravessa o município é um dos mais poluídos do país. O Ex-vereador Albarto Ranacosk, de Nova Veneza, que se fez presente no fórum permanente em defesa do rio Mãe Luzia, em Nova Veneza, disse que a barragem do São bento, tem vida útil de 30 anos, e já se passaram 15 anos. O que causa maior apreensão é onde buscar água no futuro para abastecer a região no instante que a barragem sofrer colapso? Criciúma não possui sequer uma fonte natural ou vertente com água disponível.[1]
Enquanto universidades, entidades civis organizadas, escolas, entre outras, se empenham em ações na tentativa de restabelecer à vida nos mananciais que integram a complexa bacia do rio Araranguá, na outra ponta da rede estão empresas e entidades ambientais licenciadoras e fiscalizadoras que seguem caminho oposto. A extração descontrolada e criminosa de seixo rolado está transformando rios importantes como Manoel Alves e Itoupaba, em verdadeiras bombas relógio às populações que habitam o seu entorno. São poderosas máquinas escavadeiras que com uma única pasada conseguem extrair tonelada de pedra.
Na última assembléia geral do Comitê da Bacia do Rio Araranguá, extração de seixo rolado, se configurou em um dos temas principais do encontro, apelidado até de o Conflito da Pedra. Um dos membros do comitê denunciou que empresas estão matando os rios com a extração descontrolada de pedras, com o aval do estado, através da FATMA, que concede os licenciamentos.  Não há fiscalização, nem mesmo contrapartida aos danos causados. É insensato quando entidades como o comitê, cujos membros disponibilizam seu preciso tempo em prol de causas tão nobres como a defesa da água, tem empresas, governos e órgãos licenciadores/fiscalizadores, que põem tudo a perder, descumprido, abertamente, normas ambientais específicas.
No município de Treviso, dois cidadãos que integram o comitê da bacia denunciaram empresas de mineração de carvão que continuam, criminosamente, despejando água contendo metais pesados ao Rio Mãe Luzia. Que tais denúncias foram protolocadas no MPF (Ministério Público Federal) solicitando que se faça averiguação dos fatos delituosos.  Há também antigas minas de carvão desativadas que permanecem contaminando lençóis freáticos e cursos d’água na região, que esse problema somente recebeu atenção das autoridades quando a TV exibiu reportagem destacando a mina, onde possível mobilizar a opinião pública.
Sobre a extração de seixos, o plano de recursos hídricos da bacia, na pagina 51, traz a seguinte recomendação: “realizar estudos sobre limites de exploração e minerais em calhas dos rios da região (estudo)” Na época da apresentação do plano, o custo estimado para a contratação de empresas para estudos dos limites e zoneamento para a exploração da minerais foi orçado em 250.000 mil reais. Enquanto isso, a devassa da vegetação ciliar e dos barrancos dos rios continua sem limites. O engenheiro ambiental e superintendente da fundação ambiental de Nova Veneza declarou na assembléia do comitê que no município uma empresa de extração de seixo foi autuada por ter descumprindo normas legais, sendo caçando os direitos de mineração.
O maior problema no combate a extração de seixos é que as legislações são extremamente permissivas, a exemplo o código florestal brasileiro que abre brechas favoráveis a novos desmatamentos. O que deve ser feito é pressionar os legisladores federais, estaduais e municipais para instituírem legislações mais restritivas e criteriosas para as concessões de licenciamentos ambientais.  A sensação que fica é de que tanto os parlamentares quanto os profissionais que atuam nas fundações e demais órgãos ambientais, odeiam árvores, animais, ou seja, odeiam a sim mesmo. Se for realizado levantamento das leis sancionadas e licenciamentos concedidos ultimamente, quase todos estão em conformidade com os interesses do degradadores ambientais. É fácil comprovar, basta fazer um tour pelo interior e área urbana dos municípios e constatar in loco.
É necessário que a sociedade se sensibilize e empodere de conhecimentos básicos acerca das legislações ambientais, dos trâmites e dos caminhos para se chegar aos órgãos fiscalizadores competentes. Imagens, vídeos, ofícios, são recursos importantes no momento da denúncia. Em âmbito municipal, a população poder recorrer a FAMA e Ministério Público Estadual. Também estão disponíveis para receber denúncias, a Polícia Militar Ambiental (Maracajá), a Justiça Federal e o Ministério Público Federal, ambos em (Criciúma). No entanto, muitos desses órgãos carecem de estrutura apropriada para oferecer serviços de qualidade à população.  Esse déficit de profissionais e equipamentos vem se arrastando há décadas. E por que será? A resposta, portanto, imaginamos que todos saibam.                                
A população não pode se omitir do seu direito e dever de agente fiscalizador dos órgãos ambientais, cujo dever é inspecionar e proteger os ecossistemas, e não transformar em fábrica de dinheiro, facilitando licenciamentos para empreendimentos imobiliários e atividades de extrativismo mineral questionáveis. De acordo com o ex-presidente do Comitê da Bacia do Rio Ararangua, ele relatou que: “as irregularidades estão virando coisa normal, cada um faz o que quer, como quer, extrai-se areia, seixos, sem notas ou notas frias”.
São, portanto, os rios que mais sofrem com tudo isso. Mais cedo ou mais tarde, os rios darão as respostas, sob a forma mais inesperada e trágica, as enxurradas e deslizamentos de morros. Que sirva de advertência o dia 25 de dezembro de 1995, quando uma forte precipitação devastou uma comunidade no município de Timbé do Sul. Entretanto, o que se conclui é que esses episódios extremos do clima pouco refletem nas decisões dos políticos na elaboração de leis, resoluções, decretos, que estão interferindo na dinâmica do clima e na geografia do espaço.
Na expectativa de que se repitam episódios semelhantes ao de 1995 e com efeitos muito mais devastadores, o ambientalista e integrante da ONG Sócio da Natureza, Tadeu dos Santos, elaborou texto discorrendo sobre a extração criminosa de seixo rolado nos rios da bacia hidrográfica do rio Araranguá. O referido documento foi lido na última assembléia geral do comitê da bacia, realizada no dia 23 de novembro de 2017. Alertou Tadeu que a retirada de seixo rolado ou cascalho das calhas de rios, pode até ser “um ato legalizado”, no sul de SC, mas é imoral, inadequado e insustentável.
Alertou as autoridades competentes e a população, que a pratica da mineração de cascalho vem provocando mudanças significativas na geografia da região, bem como na configuração dos rios.  Os seixos ou cascalhos, sempre tiveram uma função importante na regulação e dinâmica do fluxo da água. O que é estarrecedor é que essas práticas têm o consentimento de órgãos que deveriam dificultar ao máximo as licenças, como a FATMA e DNPM. De acordo com Tadeu, não há qualquer fiscalização, tanto prefeituras como iniciativa privada, ambas atuam de forma conivente no processo criminoso da mineração.
Prof. Jairo Cezar            







[1] WWW.engeplus.com.br/noticia/ambiente/2017/o-futuro-do-rio-mae-luzia-em-debate/

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