quinta-feira, 17 de agosto de 2017

PARA ENTENDER A ABSURDA LEI APROVADA NA CÂMARA DE VEREADORES QUE TRATA SOBRE A GESTÃO DAS PRAIAS URBANAS DO MUNICÍPIO DE ARARANGUÁ


Há poucos dias, em 02 de agosto de 2017, a câmara de vereadores de Araranguá aprovou projeto de lei que trata sobre a Gestão das Praias Urbanas do Município, atendendo a portaria 113, de 12 de julho de 2017, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. O que causa estranheza foi a rapidez na tramitação do processo, sem que fosse ao menos discutido com o grupo do Comitê Gestor do Projeto Orla, constituído por decreto do executivo municipal.  É de admirar que muitos dos vereadores reeleitos da atual gestão, que aprovaram a lei, talvez tenham participado de uma ou duas reuniões, durante os quase três anos de reuniões e discussões sobre o projeto orla no Balneário Morro dos Conventos.
 Desde o começo dos encontros, os/as delegados/as do projeto orla e o grupo gestor dedicaram horas, semanas, meses do seu tempo, para construir um plano que fosse no mínimo condigno para o desenvolvimento sustentável dos balneários, sem ameaçar o equilíbrio dos frágeis ecossistemas locais. Quando se pensou que o texto final do projeto, quando adentrasse a câmara de vereadores, os legisladores respeitassem a decisão da sociedade, inserido as proposições no plano diretor sem qualquer alteração ou emenda, veio a surpresa.
 A poucas horas da sessão extraordinária na câmara para a discussão e aprovação do plano diretor, contendo cláusulas relativas ao projeto orla, saiu a informação de que algumas emendas aditivas de última hora estavam sendo elaboradas para modificar pontos já aprovados em assembléia do projeto orla. Como incluir emendas, sem antes discutir com os integrantes do projeto Orla, que, voluntariamente, doaram longas horas do seu tempo para em prol do município de Araranguá?
Para muitos/as delegados/as do projeto orla, a atitude dos vereadores que mediaram tais “manobras” de bastidores, soava como um golpe contra os princípios da democracia. Todos que integraram o orla sabiam que embora o relatório conclusivo do documento não tenha sido o desejado, foi o que se pode construir depois de muitas negociações. O texto, por sua vez, estabelece planos de ações de curto, médio e longo prazo, dentre os quais a gestão da própria orla, praia, dos balneários.
Se for realizada enquete na câmara de vereadores e perguntar aos vereadores eleitos e reeleitos se ambos conhecem na integra os dispositivos elencados nas oficinas e nas dezenas de reuniões e que estão inseridas no relatório do orla, talvez um ou dois diriam que sim.  Um ou dois, talvez mais legisladores, devem saber que o projeto orla, mesmo concluído os debates e as oficinas, deve seguir um rito em conformidade com as normas que o rege. Dentre os itens obrigatórios está a formação do comitê gestor que atuará na execução das metas e estratégias, de curto, médio e longo prazo, elaboradas.
Com a aprovação na câmara do texto de adesão do município ao plano de gestão das praias urbanas, conforme a portaria 113 do Ministério do Planejamento, o que mais se ouviu falar no município nos dias seguintes à aprovação foi de que com a proposta promoverá o desenvolvimento do balneário, com impulsão do turismo. Quanta hipocrisia, desconhecimento desses que representam o povo de Araranguá. Há quantos anos os balneários que integram o município, Ilhas, Morro Agudo, Barra Velha e Morro dos Conventos, vem sofrendo o abandono das autoridades. É só ir até o morro dos conventos e observar em loco a realidade. Quando em impostos o município arrecada da comunidade e quanto é revertido em melhorias para o balneário?  
Ilhas e Morro agudo, barra velha, são comunidades quase desconhecidos pela população. Aprovado o projeto sobre a adesão da gestão das praias urbanas, inúmeras foram as reportagens publicadas nos jornais de circulação do município, ambos ressaltando o grande feito do legislativo e suas preocupações com o meio ambiente, o turismo e o desenvolvimento das comunidades que integram a orla. No entanto, o que causou mais estarrecimento foi uma entrevista ocorrida em uma das rádios do município de Araranguá, onde o apresentador justificou as ações dos órgãos federais, Tribunal Federal e MPF, que decidiram pelo bloqueio da orla para o trânsito de veículos não oficiais, às constantes denúncias encaminhadas àqueles órgãos.
A priori, se não havia infração ou algum outro tipo de irregularidade, as denúncias não teriam surtido nenhum efeito significativo. Não é mesmo? Se a 4ª Regional do Tribunal de Justiça de Porto Alegre despachou liminar decretando o fechamento definitivo da orla, isso não se deu de forma aleatória, extemporânea, de ambas as instâncias. Também dizer que os integrantes dos respectivos órgãos federais “ficam dentro dos seus escritórios, com ar condicionado, simplesmente despachando, talvez nem saber onde fica a barra” é também um argumento pobre, rasteiro e de certo modo calunioso do apresentador, que além de desconhecer os fatos, afronta a honra de profissionais que atuam em defesa dos frágeis ecossistemas costeiros.
Para refrescar a memória do apresentador, desde 2012, o órgão federal, MPF, vem insistentemente recomendando que o município tome providências para cuidar de suas praias, coibirem os abusos na orla, dunas, restingas e ocupações irregulares, muitas das quais com o consentimento do órgão ambiental municipal. A primeira visita do Ministério Público Federal ao Balneário Morro dos Conventos ocorreu em outubro de 2012, quando a procuradora da república, Drª Rafaela, acompanhada pelo geólogo do órgão federal, MPE, FAMA, OSCIP PRESERV’AÇÃO, IMPRENSA E MORADORES LOCAIS, realizaram inspeção em toda orla.
 No instante da inspeção a procuradora determinou que o órgão ambiental municipal, FAMA, lavrasse o embargo de construções indevidas em APP na parte baixa do balneário Morro dos Conventos. Um ano depois da primeira inspeção realizada no balneário, em 01 de agosto de 2013, outra vez a MPF acompanhado pelo comando da polícia ambiental fizeram nova vistoria, para conferir se as recomendações elencadas haviam sido compridas. Como encaminhamento, a procuradora agendou, para o mesmo ano, a realização de audiência na sede do MPF, Criciúma, para discutir uma solução negociável para o Balneário.
 Participaram da audiência, representantes da AMOCO, PROCURADORIA DO MUNICIPIO, POLICIA AMBIENTAL, COMANDO DA POLÍCIA MILITAR, FAMA E OSCIP PRESERV’AÇÃO. A procuradora federal justificou que a forte atuação do órgão federal no Morro dos Conventos está sendo motivado pela inoperância do poder público municipal que vem se isentando de suas obrigações como órgão gestor e fiscalizador. O MPF questionou o procurador do município se havia algum plano de gestão da orla, especialmente sobre uso turístico da barra para apresentar.
Como não foi apresentado qualquer plano alternativo, a procuradora federal propôs que a própria comunidade tomasse a iniciativa de explorar a orla turisticamente, elaborando um sistema de transporte coletivo para transportar turistas à barra. Também nesse mesmo ano, em outubro de 2013, houve audiência no quartel da Polícia Militar de Araranguá, com a presença de representantes da Prefeitura, Fama e Oscip Preserv’Ação, para discutir o trânsito de na orla. Segundo o comandante da polícia, a orla do balneário não é considerada via pública, portanto, não é permitido o transito de veículos. Para que o comando da polícia pudesse atuar, seria necessária a fixação de placas informativas na orla, seguindo os mesmos moldes adotados em via pública. Essas ações justificariam a atuação da polícia.
Transcorreu um ano e os problemas permaneceram sem que o município cumprisse as determinações do órgão federal. Com o esgotamento de prazos previsto, para assegurar a integridade física dos freqüentadores da orla e preservação do ambiente, o Tribunal de Justiça de Porto Alegre decidiu pelo fechamento definitivo da orla. Então, como alguém pode afirmar que o Ministério Público Federal somente despacha liminares, resoluções, sem conhecer o objeto de suas ações? Outra prova do desconhecimento dos temas abordados pelos entrevistados foi quando argumentaram sobre as modalidades das unidades de conservação dos balneários.
O representante do Coma, em nenhum momento informou que no final de 2016, três decretos foram assinados pelo executivo, criando o MONA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO MORRO DOS CONENTOS; APA – MORRO DOS CONVENTOS, MORRO AGUDO E ILHAS E  RESEX EM ILHAS. Citou apenas a APA, que segundo ele não vai estar necessariamente inserida no projeto Orla. Como não vai estar? Ele deveria ter clarificado ao publico que é função agora do Comitê Gestor do Projeto Orla, o compromisso de adequar as três modalidades de preservação ao Projeto Orla.
Na área urbanizada da orla do Morro dos Conventos, além de fazer parte da APA, se constituiu em uma MONA (Monumento Natural Morro dos Conventos), ou seja, uma Unidade de Conservação com normatizações próprias. Deve se ressaltar que com o decreto, que já está valendo, o comitê terá que inserir o MONA-UC (representado no mapa abaixo pela cor laranja) no orla, respeitando as leis que disciplinam sua gestão, como as zonas de amortecimento. Vê no mapa que quase toda orla, até a barra do rio Araranguá, está integrada a Unidade de Conservação. Não serão o SPU e muito menos o MPF, os órgãos que decidirão como deverá ser gestado esse programa, e sim o comitê gestor do projeto orla em conjunto com toda a sociedade civil organizada, poder público e demais entidades afins.
     Outro detalhe importante. A reunião que foi agenda para o dia 23 de agosto de 2017, com o COAMA, para tratar sobre a portaria 113, deveria ser de direito com o Comitê do Orla, pois são os que mais apresentam condições para debater o assunto, pelo vasto conhecimento das peculiaridades relativas ao Morro dos Conventos. A pargunta que não quer calar é: por que razão que em nenhum momento o legislativo e muito menos o executivo se predispôs em realizar encontro com o comitê do projeto orla para discorrer sobre a portaria 113?
Por que cargas d’água, também querer aprovar com tanta urgência uma lei sobre um tema complexo, sem conhecer a fundo o seu teor e suas implicâncias para o município? Será que agora, com uma portaria que impõe ao o município tantas exigências, todas as cláusulas serão cumpridas? Observe o absurdo: a câmara aprova uma lei relativa a uma portaria sobre praia urbana, onde o próprio presidente da casa informou que irá à sede do SPU em Florianópolis para entender melhor a lei. O correto não seria primeiro ir à Capital, tirar todas as dúvidas acerca da proposta, retornar, reunir as entidades, Comitê Gestor Projeto Orla, Coama, Câmara de Vereadores, Poder executivo, Ongs e Oscips, etc, e discutir a proposta, verificar a sua viabilidade?
Mais uma vez, como integrante de uma organização ambiental, delegado do projeto e do atual comitê gestor do orla, venho por meio deste lançar meu repúdio, minha indignação, a forma desrespeitosa dos poderes constituídos municipais, legislativo e executivo, com os delegados do comitê gestor, que não foram em nenhum momento consultados para opinar acerca da portaria 113 e do projeto de lei que autoriza o município a assumir a gestão das suas parias.  Reitero também meu repúdio aos responsáveis pela elaboração do projeto de lei, que poderiam ao menos ter considerado a Clausula Quarta, inciso I da portaria onde diz que São deveres da União, por intermédio da Secretaria do Patrimônio da União: I - mediante solicitação do Município, garantir-lhe disponibilidade de corpo técnico apto a orientar a elaboração ou atualização do seu respectivo Plano de Gestão Integrada da Orla (PGI). Em nenhum momento o comitê foi procurado ou consultado.
Essa cláusula deixa explícito que qualquer projeto pensado para faixa costeira do município de Araranguá deve, necessariamente, passar primeiro pelo crivo do comitê gestor do Orla, que não ocorreu. É bem provável que no SPU, no momento que receber alguma visita de alguém do executivo ou legislativo, para pedir melhores esclarecimentos sobre a portaria, vai ter como resposta, volte e converse com o comitê gestor do orla, eles possuem as diretrizes de como deve proceder os trâmites.

Prof. Jairo Cezar

2 comentários:

  1. Maravilhosa explanação. Muito bem fundamentada, apoiada em fatos concretos. Parabéns pela árdua luta em prol da preservação de nosss orla. Infelizmente, diz o dito que: todo homem tem seu preço. E alguns sem o mínimo de caráter, fazem questão de estampar uma etiqueta com o valor da sua (falta de) decência.
    Grande abraço, professor Jairo.

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