terça-feira, 10 de maio de 2016


ALGUMAS REFLEXÕES COMPARATIVAS ENTRE O CANGAÇO CLÁSSICO E O NOVO CANGAÇO – EXTREMO SUL DE SANTA CATARINA

Nos últimos dias a imprensa vem caracterizando o episódio do assalto a banco na região do extremo sul de Santa Catarina, mais específico no município de Praia Grande, como um “novo cangaço”. Sobre o tema é preciso fazer algumas ponderações sob-riscos de querer confrontar equivocadamente dois momentos históricos distintos, acreditando que ambos são a mesma coisa. Pode até ter havido algumas equivalências, porém, é presunçoso querer compará-lo ao movimento acontecido numa das regiões mais pobres e esquecidas do Brasil, durante o tempo em que a força das armas e o poderio dos coronéis ordenavam o ritmo e o tempo de vida das populações sertanejas. 
No período alusivo ao cangaço, tanto o poder judiciário quanto as próprias polícias, ambos se sustentavam como organizações pouco ou nada atuantes nesses “rincões”, mantendo uma aparência de parcialidade, declarando apoio aos prestigiados proprietários de terras, líderes de facções partidárias, que para se protegerem formavam bandos, muitos dos quais mercenários do crime. A própria população, privada dos direitos mais primordiais tinham, nesses bandos, a certeza de proteção. Porém, conforme o cenário político e econômico ia se desenhado, com o crescimento da escassez e da miséria, a ação dos bandos tornavam-se mais frequentes nos pequenos arraiais, vilarejos e cidades de médio porte do interior do Brasil.
Inúmeros foram os personagens ou integrantes desses grupos armados que ainda hoje são enaltecidos, tratados como celebridades, verdadeiros heróis, pelas populações do interior nordestino. Nomes como Lampião e Maria Bonita permanecem vivos no imaginário social como personagens lendárias dos quais simbolizam a luta e a resistência do povo pobre e abandonado pelas autoridades. Acreditar que o cangaço se notabilizou como movimento social e político exclusivo do nordeste brasileiro é incorrer em erro histórico grave.
No interior brasileiro, ou seja, em todas as regiões, quanto mais inexpressivo era a presença do Estado, a supremacia dos proprietários de terras, coronéis ou subcoronéis se sobressaiam, constituindo uma complexa rede de proteção alicerçada na troca de favores.  O artifício da tocaia, das emboscadas, do crime por vingança, da eleição do fio de bigode eram atos costumeiros por essas bandas. Portanto, um tipo peculiar de cangaço aqui se constituiu trazendo terror contra grupos políticos rivais e famílias.
Na região que compreende o grande Araranguá não tivemos conhecimento de nenhum Lampião ou Maria Bonita, mas tivemos aqui alguns coronéis temidos que ditavam o modo de ser e ver o mundo. Também havia bandos armados, não de cangaceiros, mas de insurgentes desertores farrapos e federalistas que se refugiaram nos vilarejos próximos a serra geral.  Muitos destes se incorporaram ao povo local respaldando apoio e proteção. Há relatos documentais que comprovam ter havido verdadeiras batalhas campais envolvendo caboclos posseiros apoiados por grupos armados, que lutaram bravamente contra as forças opressoras legalistas. Condutas como a decapitação, a extirpação de orelhas, servindo de troféus, foram atos rotineiros também por aqui.   
     Por ser um território de fronteira, de monocultura mercantil, escrava e de domínio dos coronéis, o extremo sul do estado se transformaria mais tarde em uma das regiões mais instáveis economicamente do estado. Se no passado eram os proprietários de engenhos com trabalho escravo que ditavam às leis, hoje, são os novos coronéis, empresários, fazendeiros, comerciantes, políticos profissionais, ambos apoiados por cabos eleitorais, um tipo local de jagunço, adotam praticas eleitoreiras similares ao inicio do século XX. O apadrinhamento político, a troca de favores e uso dos currais eleitorais persiste no cotidiano social.  Tais instrumentos eleitoreiros são ainda peças chave para a perpetuação da cultura coronelística e, é claro, de um tipo próprio de cangaço a moda local.
Não obstante, tais práticas não são exclusividade da região de Araranguá, ambas vêm se disseminando em todo território nacional. O enfraquecimento das estruturas de poder permite o restabelecimento e o fortalecimento dos novos “comandantes regionais”, os coronéis contemporâneos e seu bando de cangaceiros que atuam com mais veemência nos períodos eleitorais. Portanto, o novo cangaço do extremo sul de Santa Catarina, embora apresente algumas peculiaridades muito próprias, tem a sua razão de existir em maior ou menor grau, conforme o estágio de desenvolvimento econômico e social de uma região específica ou país.
Atacar os efeitos desse modelo econômico perverso por si só não resolve um problema que já se tornou estrutural. A ação deve partir para atacar as causas, ou seja, no próprio modelo de produção e de exploração que transformam jovens, adultos reféns do crime e de bandos armados violentos.  Novos assaltos, ataques a bancos, sequestros, pânicos à população, persistirão, enquanto não for atacada a raiz do problema, a falta de investimento em educação, cultura, saúde, saneamento básico, transporte público, etc. São tais iniciativas que nos darão a certeza de que a paz e a harmonia poderão ser restabelecidas em todas as regiões brasileiras.
Prof. Jairo Cezar       

    

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