quarta-feira, 20 de abril de 2016

A METÁFORA DO “CRIADOR E CRIATURA” PARA REPRESENTAR O ATUAL CENÁRIO POLÍTICO BRASILEIRO

Acompanhando o espetáculo circense encenado na Câmara dos Deputados no último domingo, 17 de abril, quando foi aprovado o processo de cassação da presidente da república que irá agora para o senado, dois fatos emblemáticos chamaram a atenção. O primeiro foi a brutal traição de políticos da base aliada do governo, que um dia antes juraram ao “pé da cruz” que votariam contra o impeachment; a segunda, a transformação do parlamento brasileiro em uma espécie de “templo sagrado”, “cujas vezes do além mediavam os pensamentos de beatos deputados crédulos com sua absolvição no dia do juízo final”. O espetáculo mais parecia filme pastelão da pior qualidade.
O agravante é que figuras caricatas presentes na câmara, instituição que se define como laica, tiveram a audácia de aclamar expressões de apelo sacro como“feliz é a nação cujo deus é o senhor”; “que deus tenha misericórdia desta nação”; “que deus se compadeça do Brasil” e outras tantas dezenas de aclamações bizarras desse gênero.Duvido que muitos dos parlamentares que estavam presentes compreendem o significado de expressões como laicidade, eticidade e outros tantos adjetivos que dão sustentação a um regime que se caracteriza como republicano.
Muitos, obviamente devem concordar comigo, que certos parlamentares, talvez pelo fato de terem falado pela primeira vez no parlamento, pareciam estar em “transe” absoluto ou sobre efeitos de potentes alucinógenos. Levianamente muitos expressavam o nome deus, uma forma debochada, escrachada, escabrosa de tentar dissuadir a atenção de suas“ovelhas”, ofuscadas por promessas de um paraíso celeste. Não sabem os fiéis “cordeiros”, que o paraíso não está tão longe como apregoam seus falsos profetas,está aqui na terra, em Brasília, a capital dos privilégios, da fartura...,o Éden Terrestre, onde poucos são os eleitos, os abnegados,que desfrutam as benesses à custa do sacrifício de milhares de trabalhadores assalariados.
É assustador quando um espaço como a “casa do povo”, que deveria transmitir princípios e valores republicanos,elencados na ética e na cidadania, vem se transformando paulatinamente em um verdadeiro templo, com a impregnação de dogmas e valores medievais ultraconservadores, ultrarreacionários, que em nada contribuem para a libertação e transformação social. No entanto,como querer culpar os “digníssimos” parlamentares, com exceções, é claro, pela condição de pouca escolaridade, compreensão ética e política se ambos representam o pensamento e sentimento de uma sociedade constituída por cerca de 80% de analfabetos estruturais.
O que ficou escancarado na Câmara Federal no domingo, 17/04, foi o retrato nu e cru da pobre sociedade brasileira. Manter essa condição de miséria, de despolitização absoluta, se constitui como prerrogativa para eternizar privilégios e práticas corruptas, não exclusivamente nas hastes dos poderes, mas em todos os seguimentos da sociedade. Não queiram acreditar que dos 513 deputados eleitos, que estão “representando o povo”, mais da metade não tiveram os votos negociados por algum favor. Sem contar os que tiveram suas campanhas financiadas por grandes corporações do agronegócio, empreiteiras, indústrias de armamentos, etc. Agora imagine os pleitos eleitorais municipais. De que modo,afinal, se elegem expressiva parcela de prefeitos e vereadores?
Foram os 66 deputados que proferiram o nome de Deus, outros 44, de seus próprios familiares, que foram eleitos para legislar em nome do povo e para o povo, não de Deus, restrito a espaços apropriados. Essa forte presença sacra milenar ainda se mantém presente nos interstícios do Estado Republicano brasileiro. Basta observar em algum canto de uma repartição pública e lá estará uma cruz decorando o ambiente. A Constituição de 1988 proíbe qualquer discriminação de cor, raça e credo. Como ficam as demais religiões,há espaços para seus símbolos nas repartições públicas?
A crise institucional no qual o Brasil está submetido tem relação direta e indireta com o próprio modo como o congresso se constituiu. Muitos dos congressistas e outros nomes históricos, alojados em partidos tradicionais, fisiológicos e oportunistas, pasmem, adquiriram “gordura” e expressividade suficiente dentro do próprio governo, porém, quando viram que o “barco estava afundando”, pularam fora como os ratos representados no filme Titanic, de 1997, do diretor James Cameron.
São esses mesmos “ratos de porão”, sem qualquer compaixão e ética,que subiram a tribuna do parlamento no domingo, usando o nome de Deus para pedir perdão aos atos de traição, tanto seus como de companheiros de partido, que dia antes estavam ministros, jurando fidelidade à presidente da república. São cenas grotescas que podem ser comparadas com o personagem Frankenstein, obra essa escrita em 1817 por Mary Shelley.
Ao mesmo tempo em que a presidente compôs seu governo com “pedaços” de partidos sem qualquer qualificação ética e moral, essas mesmas criaturas, sem alma, agora desejam mais poder. Mesmos desfigurados conseguem destruir seu próprio criador, transformando-se em monstros moventes a procura de novos corpos, vítimas indefesas,desejando vida eterna. Indiscutivelmente, o dia 17 de abril de 2016 ficará registrado na história como o dia do juízo final, quando centenas de parlamentares sobre a “bênção divina”tiveram a incumbência de escreverem mais um capítulo da nossa emblemática e caricata história política de senhores e vassalos.
O espetáculo circense do domingo, pasmem, teve cobertura completa de uma das principais emissoras de teve, com tradição golpista. Foi também uma das poucas vezes que a população brasileira deixou de assistir o “pastelão” Domingão do Faustão, porém, teve que assistir outro pastelão piorado, o Domingão da Armação.
Prof. Jairo Cezar


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