quinta-feira, 7 de abril de 2016

O GOLPE DE ESTADO DE 1964 E A ATUAL CRISE POLÍTICA INSTITUCIONAL

Nas últimas semanas a população brasileira vem acompanhando atônita o tenso e complexo momento político no qual passa o Brasil, cujos desdobramentos apresentam certas similaridades ao período anterior ao golpe militar de 31 de março de 1964. Como professor historiador do ensino público de Santa Catarina e acredito que outros profissionais da área também o fizeram me predispus em vasculhar minhas estantes e rever obras literárias relativas ao tema, algumas adquiridas há mais de trinta anos.
Dentre as que se destacaram na época e de forte repercussão ainda hoje estão: O Jogo da Direita - René Dreifuss; O Governo Militar Secreto - Nelson Werneck Sodré; Os Senhores das Gerais - Heloísa Maria Murgel Starling e Brasil Nunca Mais de Dom Paulo Evaristo Arns. Não esquecer também o excelente trabalho elaborado pelo Jornalista Clóvis Moura, o Diário da Guerrilha do Araguaia, onde detalha a participação do exército na caça e fuzilamento de cidadãos opositores ao regime militar. Não foram dispensadas nessa pesquisa jornais, revistas e outras mídias como as digitais, ambos contendo vasto acervo de informações que auxiliaram na análise e reflexão dos fatos.
 Num ambiente de instabilidade social e política no qual estamos passando, a contribuição teórica dos historiadores, sociólogos, cientistas políticos, entre outros intelectuais independentes, serão imprescindíveis para pinçar os rumos da democracia e se há riscos reais de que venha sofrer algum revés nos moldes de 1964. Cabe-os abordá-los de forma imparcial e independente, porém, tal independência é um torna quanto relativa, pelo fato das análises e opiniões poderem influenciar e serem influenciados por suas condutas sociais. Não se pode esquecer também a conduta opiniosa de jornalistas e demais profissionais das diferentes mídias, com destaque a TV aberta, que ainda se caracteriza como principal veículo de informação e formadoras de opiniões. Dependendo o modo como essa ou outras ferramentas midiáticas são conduzidas poderá, e exemplos não faltam, decidir o futuro de governos ou regimes.
O golpe de 1964 ocorreu dentro de uma conjuntura social um tanto quanto semelhante a atual. Na época, as mídias oficiais propagavam aos quatro cantos informações distorcidas atribuindo ao presidente João Goulart defensor do comunismo, de agitador das massas, de quem pretendia estabelecer no Brasil uma pátria vermelha nos moldes da União Soviética. A visão deslocada acerca do respectivo regime fez com que a Classe Média fosse às ruas na famosa marcha Deus, Pátria e Família, rejeitando e discriminando qualquer um que ousasse defendê-la ou demostrasse qualquer simpatia. Portanto, era o cenário perfeito desejado pela burguesia nacional e internacional, chancelada pela mídia conservadora demonizasse Goulart, apregoando aos quatro cantos que as reformas estruturais pretendidas gerariam o caos social.
 Convêm esclarecer que tais reformas almejadas não tinham qualquer caráter revolucionário e sim reformas estruturais pontuais que visavam conter as fortes pressões advindas das massas trabalhadoras. Evidentemente as medidas mais contundentes que desagradaram setores conservadores foram homologadas a partir de 1962 com a aprovação no congresso nacional do abono natalino, hoje 13° salário. Novas medidas deram sequencia como a lei do salário família; aposentadoria do trabalhador rural; direito a greve; remessas de lucros para o exterior; emancipação das refinarias de petróleo; decreto sobre a reforma agrária; decreto sobre a aposentadoria especial, etc. No entanto, muitas dessas proposições aprovadas, até poucos dias anterior ao golpe não tinham sido ainda executadas. Foi no comício gigante da Central do Brasil, Rio de Janeiro, no dia 13 de março de 1964, que o presidente João Goulart prometeu às massas e aos movimentos sociais que as reformas de base popular finalmente seriam executadas.     
O sinal verde das reformas de base divulgada por Goulart chegou às portas da Casa Branca no qual foi interpretado como afronta ou ameaça real ao secular domínio americano na região.  Forjar atos ou ações que pudessem justificar uma possível intervenção militar na região tinha que ser pensada urgentemente, seguindo os moldes dos golpes contra regimes e governos no mundo inteiro. O anticomunismo parecia ser a melhor estratégia para justificar uma ação militar em defesa da democracia e dos direitos civis.
O treinamento de soldados do exército brasileiro nos Estados Unidos foi o suporte necessário para o golpe do dia 31 de março de 1964. Quase todas as ações golpistas na América Latina sempre tiveram como pretexto reverter o avanço das ideologias da Revolução Cubana sobre as nações. Nesse sentido o governo norte americano refez toda sua política de atuação geopolítica, interferindo direta e indiretamente nos regimes constitucionais “ameaçados”. Foi neste ambiente tenso que as estratégias da guerra fria passaram a influenciar governos populares reformistas.
A similaridade entre os dois momentos, 1964 e hoje, está no seu caráter de moralização social, ou seja, o combate a corrupção. Quem acompanhou há poucos dias as manifestações em São Paulo quando centenas de pessoas munidas de vassouras executavam movimentos dando a ideia de que estavam varrendo a corrupção. Esse mesmo ato simbólico foi intensamente utilizado pelo candidato Jânio Quadros cujos seu principal símbolo de campanha era uma vassourinha. Até músicas, modinhas foram difundidas na época.
A própria classe média conservadora, nas manifestações por todo Brasil, quando sai às ruas passa tomar consciência de uma realidade catastrófica na qual as demais classes menos abastadas conhecem muito bem, hospitais e escolas públicas sucateadas; violência generalizada; precariedade no saneamento básico; transporte urbano de péssima qualidade, etc. Outro aspecto importante para compreender as distinções das mobilizações sociais atuais das que anteciparam o golpe de 1964, está nos objetivos pretendidos, de um lado um projeto nacional autossustentado e do outro um plano de atrelamento ao capitalismo.   
Por cerca de 20 anos aproximadamente as utopias por um país melhor, de igualdade e justiça social ficaram congeladas, mas não esquecidas por milhares de brasileiros esperançosos. São esses milhares de anônimos que empunharam bandeiras e saíram às ruas antes de 1964, que tiveram suas vidas violadas pela censura, mantendo-se calados por um longo e tenebroso período de perseguição e terror. A redemocratização brasileira abriu as portas para um novo começo, da reativação das esperanças por liberdade, terra, educação, saúde, saneamento básico, que ficaram em stand by por cerca de duas décadas.
Com a abertura política e o fim do bipartidarismo (ARENA e MDB) novas siglas partidárias surgiram como o PT e outras foram saíram da clandestinidade como o PCB e PCdoB. Não significa que com esse novo cenário político partidário o Brasil tenha perdido sua condição vergonhosa de país injusto e desigual. Muitos dos políticos antes integrantes dos quadros do regime militar, filiados a ARENE e que respaldaram as arbitrariedades e atrocidades, migraram para as novas agremiações partidárias com “invólucros humanísticos”.
Depois da derrocada do regime militar dez anos a mais foi o tempo esperado pela população para eleger o Primeiro Presidente da Nova República. A última eleição direta para presidente ocorreu em 1961, numa eleição tumultuada na qual Jânio Quadros venceu. Porém, ficou no poder por cerca de nove meses, sendo substituído pelo vice, João Goulart. Com o fim da anistia política e a derrubada de resoluções que proibiam manifestações públicas, de um ambiente aparentemente tranquilo ressurgem os movimentos sociais, tomando frente das mobilizações reivindicatórias dos trabalhadores.
O partido dos Trabalhadores transforma-se no principal catalizador dos movimentos, dominando o cenário político nacional, convergindo para si personalidades importantes exiladas e demais militantes alojados no MDB, sigla “oposicionista” ao regime militar. A Central Única dos Trabalhadores viria se configurar nesse novo cenário como principal entidade de organização e mobilização dos trabalhadores. Além de bandeiras históricas na luta por direitos, tanto o PT como a CUT, seus estatutos apresentavam dispositivos que iam além das reivindicações pontuais, propondo até a ruptura do próprio sistema capitalista e o profundo debate em defesa do socialismo.      
Nas eleições presidenciais de 2001 depois de duas tentativas infrutíferas finalmente um representante dos trabalhadores é escolhido presidente. Luiz Inácio Lula da Silva, o metalúrgico sindicalista de São Bernardo do Campo, converge para si o sentimento de milhões de brasileiros vendo-o como um Dom Quixote, um cavaleiro da esperança, um messias que traria justiça, igualdade e esperança de dias melhores. As primeiras medidas encabeçadas pelo dito governo popular dão mostras que o sonho adormecido há décadas ficaria momentaneamente em stand by para outro momento. Quando muitos acreditavam que se articularia uma espécie de pacto social, ou seja, trazer os movimentos para junto do governo assegurando apoio a governabilidade, veio a decepção.
O que ocorreu, todavia, foi o “arquitetamento” de um plano perfeito de governabilidade, costurado entre lideranças de partidos políticos tradicionais, não excluindo do plano nem mesmo figuras ultrarreacionárias, que tiveram participação decisiva no golpe de 1964. Diante da expectativa de uma possível traição, de estar se configurando como mais um partido grifado por políticas impopulares, desprezando até os princípios estatutários, muito dos seus integrantes fiéis, até mesmo fundadores, iniciaram do desembarque da sigla. No decurso dos oito anos do Lulismo e se estendendo nos quatro anos subsequentes do governo Dilma, as oligarquias tradicionais dominantes lograram lucros fabulosos, muito superiores até aos apossados nos governos anteriores, incluindo o regime militar.
O agronegócio não ficou de fora, foi beneficiado por políticas altamente favoráveis, dentre elas a impositiva Reforma do Código Florestal, em 2012, e outras tantas que avalizaram ainda mais o fortalecimento do tradicional modelo “Colonialista Desenvolvimentista Agrário”, de enorme custo social e ambiental. É o agronegócio, do desmatamento e do agrotóxico, que ditou as políticas no campo durante o lusismo e agora no governo Dilma. Tudo isso, é claro, sustentado por uma forte bancada de congressistas na qual respaldam aprovando projetos de interesse corporativo.
O protecionismo corporativo do ruralismo se tornou mais evidente quando foi escolhida para gerir a pasta do Ministério da Agricultura nada menos que Cátia Abreu, ultra defensora do agronegócio. A expectativa é que na frente da pasta da agricultura qualquer projeto que desagrade o agronegócio como de reforma agrária e demarcações de terras indígenas, sejam abortadas pela presidente.  Portanto, não é somente o setor agropecuário exportado que vem merecendo críticas. Todos os governos cujos programas foram calcados num modelo de produção de base desenvolvimentista, como o próprio regime militar, ambos executaram megaprojetos de infraestrutura, como gigantescas e insustentáveis barragens hidrelétricas no norte e centro oeste do Brasil, obras essas ainda em execução.
Organizações do terceiro setor como Ongs Ambientais, pesquisadores independentes e estudiosos do seguimento energético alertavam acerca dos equívocos cometidos pelos governos petistas em disponibilizar bilhões de reais para obras tão dispendiosas e de custo social e ambiental elevados. O problema energético no Brasil, segundo especialistas, está no seu precário gerenciamento, parte do que é gerada atualmente é desperdiçada na distribuição. Bastariam ações simples, como o reparo das redes de distribuição defeituosas, bem como amplo plano educacional para informar e conscientizar a população.  Se a estratégia do Petismo Liberal Desenvolvimentista Periférico é a promoção desmedida do progresso econômico a todo custo, foi necessário, portanto, neutralizar os movimentos sociais, cooptando as principais lideranças com cargos em estatais.
 Entidades de massa como CUT, UNE e MST, que antes do PT governo protagonizaram gigantescas mobilizações sociais contra os desmandos burgueses, ficaram quase no ostracismo nos últimos anos. Motivos para mobilizações não faltaram. Várias foram as investidas dos seguimentos neoliberais que atacaram brutalmente direitos históricos dos trabalhadores, fragilizando-os e tornando-os suscetíveis às brutalidades do capital. De movimentos de massas nas décadas de 1980 e 1990, a um aparelhado instrumento burocrático nos anos 2000 em diante, foi o que se transformaram entidades do tipo Central Única dos Trabalhadores.
É, sem dúvida, o ressurgimento do arque-sindicalismo getulista corporativo, e outras tantas centrais entreguistas, beneficiadas por legislações caducas, bem como das benesses provenientes do imposto sindical. O que se esperava de um governo de raiz popular era que, no mínimo, fosse promovida uma profunda revolução educacional, especialmente no nível básico. Nada disso ocorreu muito pelo contrário. O fato é que manter na ignorância milhões de brasileiros os impedirão de compreender que sua condição de ignorância e mediocridade está condicionada ao modo como são eleitos seus representantes nos diferentes seguimentos políticos.
Manter a governabilidade significaria assegurar privilégios incondicionais aos setores produtivos predatórios que sugam nossas riquezas, destruindo rios, florestas, comunidades tradicionais, ecossistemas inteiros. O setor bancário se aproveita dessas brechas constitucionais para abocanhar lucros bilionários, transformando pessoas, empresas, cada vez mais reféns dos créditos atraentes, muitos dos quais impagáveis. O que dizer da dívida pública? Por outro lado, o estímulo ao consumo proporcionou a milhões de brasileiros a sensação de experimentar os segredos do consumo de supérfluos, criando a sensação de ascensão na escala social. São a ilusão da inclusão social, pobres travestidos de classe média. O desejo de ter um carro na garagem, TV de última geração, potentes celulares, confronta com a incapacidade de compreender conceitos curtas, bem como interpretar noticiários jornalísticos carregados de vícios, preconceitos e termos imperceptíveis aos olhares e ouvidos de muitos.
E não cessa por aí, os avanços do reformismo neoliberal extrapola os limites da razão. Além do setor da saúde, entregue à gestão para duvidosas Organizações Sociais, caso Hospital Regional de Araranguá, o seguimento educacional, ensino público superior em particular, também sofre os desmandos governamentais. Sem esquecer as corporações multinacionais de ensino superior particular que se instalam onde dá lucro devorando volumosas fatias de verbas públicas através dos programas como FIES, Pro Uni, PRONATEC, etc. O agravante é a qualificação dos profissionais de muitas dessas instituições, muitos dos quais embora diplomados são ainda semianalfabetos, especialmente na área da educação.
Não bastando todas as mazelas governamentais e de um sistema político patrimonialista, clientelista, nepotista e corrupto, a população diariamente é surpreendida com notícias bombásticas de envolvimento de políticos e executivos envolvidos no rombo em uma das principais empresas brasileiras, a Petrobras. O fato é que essa rapinagem de dinheiro da estatal não envolve somente integrantes do partido dos trabalhadores, mas de outras tantas siglas que compõem o arco de alianças. Outro aspecto importante que deve ser ressaltado é que as roubalheiras não são exclusividades dos governos petistas, são práticas muito antigas, de décadas, séculos, porém, sempre acobertadas, sem que seus responsáveis fossem punidos.   
Foram bilhões de reais literalmente espoliados de empresas públicas como a Petrobrás. Essa mesma companhia que hoje é vitimada e cujas ações foram rebaixadas a valores irrisórios, há cerca de quatro ou cinco anos, todos a contemplavam, orgulhosos, pelo fato de ter sido descoberta uma grande reserva no pré-sal. No entanto, diante do quadro de turbulência que se abateu sobre a estatal, há poucos menos de dois meses senadores oportunistas aprovaram projeto de lei no qual retira da Petrobras o controle absoluto sobre a exploração do petróleo do pré-sal.
Isso se caracteriza como um perverso golpe contra um dos principais patrimônios públicos. De certo modo, o quadro de instabilidade que se abateu sobre a estatal serviu de pretexto que fosse agilizada a quebra do monopólio. Outra, entre tantas mentiras apregoadas pelo governo federal, afirmavam categoricamente que 10% dos royalties da comercialização do pré-sal seriam destinados para o financiamento da educação pública. Com os preços do barril despencando no mercado internacional, hoje pouco ultrapassa os 40 dólares, a própria atividade de extração do mineral está praticamente inviabilizada.
 Dificilmente serão cumpridos tais dispositivos relativos aos royalties contidos no Plano Nacional de Educação.  Para compensar os rombos financeiros nas estatais e outras políticas de estímulo ao consumo como das isenções fiscais, o governo vem aplicando o ajuste fiscal empurrando o Brasil para uma das maiores crises da história. Para reverter tal desastre das contas públicas o governo impõe medidas impopulares, remanejando ou cortando investimentos em setores estratégicos como educação, saúde, saneamento básico, etc.
 Não bastando essas medidas mitigatórias da economia que contribuem para a gradativa perda de popularidade, a administração PT sofre os efeitos nefastos das denúncias diárias de corrupção colocando no banco dos réus integrantes seletos de longa jornada no partido. Nesse ínterim não foram poupados nem mesmo os dois principais expoentes do partido, a presidente Dilma e o ex-presidente Lula. Era exatamente o que queriam os ultraconservadores remanescentes do militarismo. Certamente o erro histórico cometido pelo PT foi ter costurado alianças com partidos fisiologistas, somente para assegurar uma aparente governabilidade. Foram ou são lobos revestidos em peles de ovelhas, muitos dos nomes convidados que ocuparam ou ocupam espaços importantes dentro do governo.
Além de fisiologistas são cínicos, sem ética e caráter, muitos dos políticos que desfilam pelos corredores do congresso e do palácio do planalto preconizando expressões de cunho populístico e eleitoreiro. Muitos dos congressistas que vomitam expressões moralistas no parlatório da câmara e do senado, são figuras carimbadas, sem qualquer caráter, a começar pelas campanhas eleitorais duvidosas financiadas com dinheiro de grupos econômicos poderosos, com intuito exclusivo de assegurar suas benesses.
Ludibriar a opinião pública se constituiu em uma das ferramentas eficientes na condução de modelos econômicos perversos, como o atual sistema produtivo que incita a perversidade, o cinismo e a imoralidade. Sem esquecer o famoso “jeitinho brasileiro”, uma dos vícios herdados das classes dominantes do século XVI, atravessando gerações e contaminando todas as classes sociais. Ao mesmo tempo em que o capitalismo cria mais e mais regras, uma espécie de racionalismo Weberiano, seus protagonistas tentam diariamente burlá-las, fazendo prevalecer interesses escusos. A imprensa, especialmente a de massa, jamais se tornou alheia ou indiferente nos instantes de crises ou instabilidades sociais. Se não foi protagonista em algum momento, certamente assumiu papel decisivo nos desdobramentos políticos, espetacularizando fatos e definindo rumos de partidos, regimes e governos.
Um país onde quase 80% da população são analfabeta funcional não é segredo para ninguém o extraordinário impacto provocado pelas informações processadas nas mentes das pessoas. Tanto o jornalismo como os programas diários de entretenimento são meticulosamente elaborados por profissionais qualificados já antecipando os resultados desejados. Forjar conceitos, valores, transformar vilões em mocinhos e vice versa é o que vem se especializando tais sistemas midiáticos de massa.
Um país constituído por mais de duzentos milhões de habitantes, cujas informações recebidas, metade das quais são filtradas e transmitidas por duas ou três empresas de comunicação, já se sabe de antemão seus efeitos sociais e políticos. Construir demônios, santos, incitar o ódio, o preconceito, têm se tornado especialidade de tais veículos de comunicação. A rede globo, a rigor, nos últimos cinquenta anos, se constituiu no principal veículo de comunicação especializando em forjar e manipular informações e imagens, apoiar golpes de Estado, eleger presidentes graças a sua poderosa e eficiente capacidade de manipulação.
Em 1975, quando o regime militar esboçava sinais de enfraquecimento, a rede globo produziu documentário enaltecendo as realizações do regime demonizando seus oponentes. Não poupou críticas àqueles que apoiaram o governo de João Goulart, afirmando que a posição tomada pelos militares foi correta pelo fato de ter impedido que o Brasil se transformasse em uma União Soviética. O documentário em nenhum momento se prestou em exibir as perversidades do regime, as torturas nos porões, as mortes e desaparecimentos de centenas ou milhares de cidadãos que estavam sendo promovidas pelo regime.
O ano de 2013 quando milhares de pessoas saíram às ruas para protestarem deu mostras que eram necessárias reavaliar os rumos da política brasileira. Ficou claro pelas características das manifestações que a mesma ocorreu de forma espontânea saindo às ruas milhões de brasileiros de ambas as classes sociais. Alguns episódios importantes marcaram o momento como a formação dos Black Blocs, grupos “encapuçados” violentamente combatidos por promoveram atos “violentos” contra bancos, redes de lanchonetes e outros tantos estabelecimentos com forte vínculo com o capitalismo.
A imprensa oficial se aproveitou desses episódios para discriminá-los e classificar seus integrantes como arruaceiros, vândalos terroristas. No calor das manifestações posteriores a junho de 2013 outros fatos similares como os atentados terroristas na Europa, fez o congresso nacional aprovar lei antiterrorismo. O argumento em defesa do projeto partiu do principio que pelo fato do Brasil vir a sediar os Jogos Olímpicos, há riscos de sofrer atentado. No entanto, tudo isso é um blefe, o que se quer é discriminar os movimentos sociais, as manifestações espontânea nas ruas. É uma afronta à democracia e o cerceamento das liberdades individuais e coletivas.
O advento de 2014 se constituiu como decisivo para o futuro político do partido dos Trabalhadores, pois estava em curso mais um processo eleitoral. Mesmo sob pressão e suspeitas de corrupção envolvendo membros do partido e da base aliada, uma diferença pequena de votos, Dilma Rousseff assegurou sua reeleição. Indiscutivelmente seu sucesso eleitoral se deve indiscutivelmente graças ao apoio condicional de inúmeros movimentos sociais, intelectuais, artistas, músicos, entre outros tantos anônimos, onde costuraram um pacto de compromissos eminentemente social.  
Acreditando num possível cumprimento do acordo com os movimentos sócios que prestaram apoio à candidatura Dilma, o sentimento de frustração não tardou quando a imprensa começou a divulgar os nomes dos futuros ministérios e outros tantos nomes que ocupariam cargos de primeiro escalão. Novamente a política da governabilidade se sobrepôs ao pacto com os movimentos. Sob o espectro de uma crise econômica e institucional sem precedente de riscos institucionais, não demorou para que fossem executas medidas amargas, impopulares como o Ajuste Fiscal, com cortes expressivos de recursos para pastas importantes como educação e a aprovação de novas leis suprimindo direito dos trabalhadores.
Como um rastilho de pólvora, a popularidade da presidente em queda livre diante das medidas tomadas, se deteriorou ainda mais quando veio a público, denúncias de corrupção na Petrobras. Varias operações foram deflagradas pela Polícia Federal como a Lava Jato, Zelotes, entre outros. Nas investigações foram encontradas provas concretas da participação de grandes empresas ligadas ao seguimento da construção civil envolvidas em operações fraudulentas que as favoreciam.
A deflagração da prisão de dezenas de executivos e a garantia legal de redução de suas penas mediante delação premiada, fez com que todos os dias novos suspeitos beneficiados com dinheiro público viessem a público. O cenário político brasileiro se tornou ainda mais caótico quando deu entrada no judiciário, solicitações de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff e também de seu vice Michel Temer. Dentre as justificativas alegadas para a cassação de ambos estão as pedaladas fiscais. A própria OAB referendado por 27 subseções estaduais também protocolou pedido de impeachment. No golpe de 1964, a própria OAB oficializou apoio aos militares. No entanto, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a entidade referendou diversas ações em defesa da democracia, o combate ao trabalho escravo, a não redução da idade penal, entre outras.
O temor de que se estaria em curso um plano perfeito de “golpe branco” contra a democracia se espalhou rapidamente pelas redes sociais e por outros veículos de comunicação não oficiais. Nos últimos dias, várias foram as manifestações sociais reivindicando de um lado a cassação da presidente e de outra, sua permanência. Nesse interim, grupos ou partidos aliados ao governo aproveitaram o ensejo para promover o rompimento definitivo e defender o impeachment. Dentre as siglas que debandaram está o PMDB, porém, nem todos os integrantes acataram a decisão da executiva nacional, mantendo-se nos cargos principalmente os ministros, exceto um ministério, o do turismo.
A saga oportunista, parasitária e fisiologista do PMDB que se mantém atrelado às tetas do poder há décadas se escancarou nos últimos dias quando o vice-presidente e também presidente do partido, Michel Temer, decidiu por desembarcar do governo. Sua atitude foi interpretada traição, pelo fato do mesmo ter participado da composição da chapa com o PT nas últimas eleições. A expectativa do PMDB, na hipótese de cassação da presidente é a ocupação da de presidente por Michel Temer.
A certeza é imensa do impedimento da presidente, que já estão articulando com outros partidos - o PSDB um plano de governo, ventilado até nomes como o ultraliberal Delfim Netto, para integrar o governo. Ventila-se nos corredores do poder que, assumindo o governo, uma das primeiras ações dos “abutres do poder” será golpear de morte a Previdência Social. Imaginemos agora um governo constituído por Michel Temer, Eduardo Cunha, Delfim Neto... É, sem dúvida, algo inusitado, surreal, um retrocesso sem precedentes na curta trajetória da democracia brasileira.
Se acompanharmos diariamente os noticiários jornalísticos de alguns veículos de comunicação como a Rede Globo, é explícito seu poder de persuasão a favor do impeachment. No entanto, cabe frisar que a mesma empresa de comunicação que por hora condena a atual administração, sempre foi beneficiada com publicidades oficiais. A própria FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) que oficializou apoia ao fora Dilma, também obteve generosas ajudas oficiais como as isenções fiscais bilionárias.
Afinal de contas, qual o posicionamento das esquerdas diante do atual atoleiro no qual está envolvido o Partido dos Trabalhadores. Embora sob a mira das elites conservadoras que procuram de todas as formas enquadrar o PT como principal movimento partidário de esquerda, o PCB, PSTU e PSOL vêm lançando manifestos esclarecendo seus posicionamentos frente aos acontecimentos atuais. Porém, as perspectivas de uma coalizão das esquerdas para o enfrentamento do atual quadro de turbulência política brasileira estão de certo modo distantes de ocorrer.
São explícitas as divergências quanto às estratégias de luta com vistas a mobilização das classes trabalhadoras para a ação. Na atual conjuntura, quando se vislumbra no horizonte plano ultradireitista de ameaça à democracia, embarcar no discurso oportunista pró-impeachment não se estaria corroborando a favor de um processo de entreguismo político? A defesa, portanto, de tal seguimento da esquerda ao não impeachment não deve ser compreendido como ato de misericórdia assegurando apoio ao esfacelado regime petista.
Outro posicionamento de tendências partidárias à esquerda, é o Fora Todos, que inclui Dilma, Temer, Cunha, Congresso e a realização de eleições gerais. Diante desse posicionamento, críticas foram lançadas por acreditar que se estaria pavimentando caminhos para o golpe fatal da “direita histórica”. Uma população constituída por cerca de 80% de analfabetos estruturais, de limitada percepção acerca do funcionamento dos aparelhos do Estado, já se presume que eleições “tampão” não resultarão em transformações conjunturais.
Nesse sentido o caminho mais seguro das esquerdas seria construir uma agenda política unificada para o Brasil, fortalecendo os movimentos sociais, sindicatos, associações de moradores, entre outros, preparando os trabalhadores para o rompimento definitivo desse modelo econômico perverso. Segundo o intelectual italiano Antônio Gramsci, essa ruptura deverá partir pela educação. Um movimento revolucionário não necessariamente deve seguir modelos. Pode brotar a partir de realidades próprias, na organização de moradores de bairros, nos movimentos ambientais, currículos de escolas, grêmios estudantis, etc. Parafraseando Gramsci quando afirmava que de Guerra de Posição é o tipo de combate feito nas trincheiras, com o objetivo de ir minando a resistência do inimigo.
Prof. Jairo Cezar


Nenhum comentário:

Postar um comentário