segunda-feira, 14 de março de 2016

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JULGA DIA 18 DE ABRIL MÉRITO DAS QUATRO ADI (AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE) SOBRE O CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO


Quem acompanhou os intermináveis e tensos desdobramentos políticos no congresso nacional que resultou na aprovação da lei 12.651/12, relativo ao código florestal brasileiro, tinha clareza que muitos dos dispositivos contidos no documento estavam repletos de vícios e equívocos que infringiam a constituição federal, em especial o Art. 225, Caput, e inúmeros parágrafos. Após sua homologação pela presidente da república, a procuradoria geral da república ajuizou três ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), 4.901, 4.902, 4,903, no Supremo Tribunal Federal solicitando que a suprema corte intercedesse pondo um basta nos privilégios e na impunidade dos criminosos ambientais acobertados pelo manto protecionista do código florestal.
 Além das três ADI ajuizadas pela Procuradoria Geral da República, o PSOL também se manifestou protocolando uma quarta ADI a de número 4.937. Desde que as ações foram protocoladas em 2013, até o momento os ministros não tomaram uma decisão definitiva sobre as mesmas. Essa atitude contribui para a elevação da insegurança jurídica sobre questões relativas ao meio ambiente. São inúmeros os processos que tramitam nos tribunais estaduais e em Brasília encaminhados por organizações ambientais, onde questiona a lisura dos códigos ambientais estaduais e municipais, por acreditar que não estejam compatíveis aos preceitos constitucionais, especialmente quanto o assunto é assegurar a preservação da fauna e flora natural.
Com ênfase nos argumentos fundamentados pelos proponentes das Adis, o supremo decidiu acatá-las indicando três relatores, entre eles o ministro Luís Fux. A decisão tomada pelos relatores é que antes de uma sentença definitiva, as ações protocoladas devam passar por uma intensa sabatina técnica, com a participação de todos os seguimentos organizados da sociedade.  A proposta encaminhada pelo STF foi que todos os interessados no assunto deverão enviar suas proposições, através de E-mail, novocodigoflorestal@stf.jus.br, até às 20h, do dia 28 de marços de 2016.  Na sequência, o STF agendou para o dia 18 de abril de 2016, data para a realização da audiência pública onde, finalmente, o assunto será debatido e, possivelmente, serão tomadas deliberações resolutivas.
Para ter clareza sobre o que trata todas as ADI protocolada convém discorrer sobre suas intenções e o que alterará na legislação e no pensamento ambiental brasileiro caso forem deferidas pela suprema corte. Em relação à primeira ADI a mesma trata de questões concernentes a Reserva Legal, no qual o Art.12 e os parágrafos 4° ao 8° dão as suas especificações definições. Esses dispositivos permitem total flexibilização dessas áreas, tais como redução de área ocupada por florestas, quando entender que projetos de interesse social poderão ser implantados com real prejuízo ao meio ambiente: ferrovias, rodovias, abastecimento público, tratamento de esgoto, etc.
A Procuradoria Geral da República argumenta da necessidade urgente da revisão desses dispositivos relativos ao artigo 12, entre outros, pelo fato do mesmo comprometer biomas (espécies nativas) que constitui reservas legais e APPs. Outro posicionamento contrário da procuradoria trata da compensação ambiental, cuja lei permite para quem desmatar a possibilidade de compensar área suprimida com outra com as mesmas características ecossistêmicas, não necessariamente situada no mesmo bioma, podendo também estar inseridas entre as nativas, espécies exóticas.    A Segunda ADI de número 4.902, ficou sub a responsabilidade da ministra Rosa Weber.
 É de sobremaneira um item extremamente polêmico, pois trata de crimes ambientais anteriores a junho de 2008, cujos réus serão anistiados a partir do cumprimento de alguns itens como o cadastramento ambiental rural onde permitirá ao governo um monitoramento mais efetivo das Reservas Legais e APP, ocupadas por vegetação nativa. O Art.7°, § 3°, deixa claro que somente serão passiveis de punição com suspensão de novas autorizações para supressão de vegetação os proprietários que desmatarem, sem autorização, depois de 2008.
Já era de conhecimento de todos que o código ambiental anterior, aprovado em 1965, deixava muito transparente em seus dispositivos a punição dos infratores ambientais. Convém ressaltar que a bancada ruralista no congresso, responsável pela aprovação do novo código florestas, representavam e ainda representam os latifúndios que através de artimanhas sempre procuraram ludibriar as normas existentes. Não como negar, que todos os privilégios conquistados por esse seguimento sempre teve o consentimento do próprio Estado e seus órgãos fiscalizadores, fazendo vistas grossas frente às irregularidades. E isso vem se repetindo no novo código quando o próprio governo descumpre com que determina o Art. 59 na parte das disposições transitórias. Dentre as obrigações impostas pela lei, está o que descreve o § 2°, que se refere a obrigação dos proprietários rurais de inscreverem seus imóveis no CAR (Cadastro Ambiental Rural), para que estejam capacitados a aderirem ao PRA (Programa de Regulação Ambiental). 
O prazo estabelecido para o cadastramento era de um ano depois da aprovação da lei. Quase quatro anos se passaram, várias prorrogações foram feitas. Agora, segundo o governo, não haverá mais prorrogação e o prazo se espira no próximo mês de maio de 2016. Não há como admitir que tal promessa seja cumprida, pois até o fina do ano passado 52% dos proprietários já tinham feito seus cadastramentos. O problema é que enquanto os prazos estão sendo protelados, os desmatamentos continuam ocorrendo sem qualquer punição aos criminosos.
Em relação a ADI 4.903, a Procuradoria Geral da República, seguindo o dispositivo legal do que trata o Art. 225, Caput, da Constituição Federal pede que sejam declaradas inconstitucionais os seguintes Artigos, parágrafos e alíneas da Lei n. 12.651.  A alínea “b”, referente ao parágrafo VIII do Art.3, que defende a supressão de reserva legal e APP para fins de utilidade pública. O parágrafo IX, do mesmo artigo acima, que também garante tais prerrogativas explicitadas na alínea “f”, no qual descreve: desconsiderar reserva legal quando for “para as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente”.
  Também o parágrafo XVII, do Art.3°, sobre nascentes, diz que o mesmo é passivo de questionamento por parte da procuradora. A questão é que o conceito de nascente descrito no paragrafo conceitua como um afloramento natural do lençol freático e deve apresentar perenidade. Tal definição não confere com que estabelece a Resolução 303, de 20 de março de 2002, do CONAMA que dá a seguinte definição: II – Nascentes ou olho d’água, é o local onde aflora naturalmente, mesmo que de forma intermitente, a água subterrânea. Para das mais fundamento a termo, recorremos o que diz o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos sobre a distinção de nascentes, lençóis freáticos e águas subterrâneas. Segundo o pesquisador toda nascente corresponde a uma manifestação em superfície da água subterrânea, entendida essa como a água contida em zona subterrânea de saturação, normalmente sustentada por uma camada geológica inferior impermeável.
 Em termos técnicos, o lençol freático corresponde à superfície de separação da zona de aeração, superior, da zona de saturação, inferior, ou seja, corresponde à superfície hidrostática (pressão sobre líquidos) da água subterrânea.[1] Já o parágrafo XIX do Art. 3° também foi submetido a criticas pela procuradora por admitir que o mesmo infrinja aspectos técnicos que deveriam ser consideras quando da sua elaboração. O dispositivo afirma que leito de rio é a calha onde escorre regularmente a água dos cursos d’água durante o ano inteiro. O parágrafo não informa que o leio do rio deve ser caracterizado de três maneiras, leito aparente, leito maior e leito de inundação, ou seja, o percurso normal do rio onde escorre a água e os limites possíveis inundáveis conforme as precipitações pluviométricas.
Os incisos III e IV do Art. 4° também estão incluídos na ADI 4.902, onde tratam sobre proteção do entorno dos cursos d’água artificiais, nascentes e olhos d’água “perenes”. Novamente, no inciso IV aparece o termo perene e não intermitente. São conceitos pequenos que talvez passem despercebidos no momento da leitura, porém, seus impactos previstos aos ecossistemas são incalculáveis.  Acredita-se que a procuradora, sua intenção solicitando a anulação do respectivo inciso tem como motivo o fato do mesmo abrir precedentes para o deferimento de licenças permitindo empreendimentos em locais com presença de nascentes intermitentes, que não são ainda perceptíveis.
  Quanto aos parágrafos 1°, 4°, 5° e 6°, que tratam sobre APP em cursos d’água artificiais e naturais inferiores a um (um) hectare, chamou a atenção o parágrafo 4° cuja redação dispensa a existência de área de proteção permanente. Ao mesmo tempo, embora o dispositivo vede o corte de espécies nativas, pode ocorrer a supressão, se os órgãos ambientais competentes autorizarem.  Os Artigos 5° e 8° também serão sabatinados na audiência pública, talvez, com maior incidência de intervenções pelo fato do mesmo inferir em impactos ambientais produzidos por grandes projetos como barragens para construção de usinas hidrelétricas. Já o artigo 8° trata de projetos menores de interesse social no qual permite supressão de APP de baixo impacto.
Se for considerado o descaso dos órgãos ambientais estaduais e municipais quanto a fiscalização de APPs como os biomas de manguezais e restingas, todas essas áreas na sua maioria já descaracterizadas na faixa costeira catarinense poderão ser ocupadas por projetos imobiliários. O agravante disso é que o código florestal no seu Parágrafo 2°, do Artigo 8°, dá a seguinte explicação em relação a tais empreendimentos: “poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida”. Este também um item em discussão na audiência.  
Além dos relatores, Luiz Fux e Rosa Weber de duas ADI, Gilmar Mendes também é relator de uma terceira onde discorre sobre questões acima mencionadas. O PSOL (Partido Solidariedade), através de sua assessoria jurídica, seguiu o exemplo da Procuradoria Geral da República e  ajuizou ADI de n. 4.937, somando-se no total, quatro petições. A intenção do partido é solicitar que os artigos e outros tantos dispositivos mencionados, sejam alterados atendendo as prerrogativas estabelecidas pelo art. 225, caput, parágrafo 1, incisos I e III, que veta qualquer utilização dos ambientes naturais que comprometam sua integridade ecossistêmica. 
Não é um ou dois artigos observados que ferem tais princípios, mas 12, pois se não houver reformulação irão por dezenas de biomas brasileiros e demais ecossistemas em situações de extrema vulnerabilidade  ambiental. Alguns dispositivos que estão citados na ADI do PSOL, também aparecem nas outras três ADI como os Arts 3° e 7°. No entanto, o que trouxe maior apreensão aos congressistas do partido que votaram contrários ao projeto de lei, foi o Art. 44 que trata sobre a criação do Cadastro Ambiental Rural, considerado um instrumento que visa a legalização dos crimes ambientais cometidos anteriores a 2008.
É com base nesse cadastro, cuja lei estabeleceu prazo de um ano para sua conclusão, ou seja, maio de 2013, que os proprietários poderão aderir ao Programa de Regularização Ambiental, que lhes darão direitos de angariar recursos públicos para financiamento de projetos ambientais e agrícolas. Com ênfase nessas informações é possível mensurar os percentuais de reservas legais e Apps existentes no Brasil. Os proprietários que se excederem dessa área poderão utilizá-la como cota ambiental compensatória para desmatamentos de outras áreas para fins comerciais ou de especulação.
Do total de cinco milhões de imóveis rurais existentes, quatro milhões não possuem área suficiente de reserva legal. Isso significa que desde que foi sancionado o primeiro código florestal brasileiro em 1965, embora já existissem dispositivos restringindo a supressão de florestas, os desmatamentos seguiram sem qualquer fiscalização ou punição dos infratores. Querer agora estabelecer um mecanismo compensatório para quem desmatou e para quem manteve as florestas intactas é um instrumento um tanto quanto injusto. Pelo fato que durante os cinquenta anos aproximadamente muitos proprietários que descumpriram a legislação transformando áreas florestais em espaços para a agricultura e pecuária obtiveram ganhos financeiros consideráveis. Diferentes dos que preservaram que nem mesmo um desconto do Imposto Territorial Rural tiveram.
Em resposta as entrevistas concedidas à revista Época, na sua página eletrônica sobre as Cotas de Reserva Ambiental, um dos proponentes representando o agronegócio afirmou que tal dispositivo beneficia tanto desmatadores, como também recompensa os proprietários que mantiveram as florestas em pé, por todos esses anos, além do percentual estabelecido por lei.[2] Para ilustrar como essa prerrogativa é uma afronta aos princípios da equidade e da isonomia, usaremos como exemplo para explicação uma propriedade rural de cerca de vinte cinco hectares situada no município de Araranguá.



  
Como mostram as imagens acima obtidas através do Google Heart, o objetivo aqui é explicitar a insignificância de manchas escuras que representam áreas florestais protegidas. Com base na legislação floresta em vigor, nenhum desses proprietários, exceto o que conservou sua floresta, terá por obrigação reconstituir sua reserva legal. Os mesmos poderão, para livrar-se da pena, comprar cotas de carbono no mercado, no caso o proprietário do meio, que preservou, poderá ser beneficiado vendendo seu excedente de reserva. Acontecem que os valores das cotas estabelecidos por kg de carbono, estarão condicionados as regras do mercado, ou seja, lei da oferta e da procura. Até que ponto será vantajoso o proprietário inserir-se ao plano de contas ambientais?   
  Outra questão polêmica, que talvez esteja aí o motivo pelo qual da demora da sua conclusão, é em relação ao Programa de Regulação Ambiental. O Art. 59 e os parágrafos 2°, 4°, 5° estabelecem que enquanto o proprietário rural não finalizar seu cadastro o mesmo estará isento de penalidade por crimes ambientais cometidos antes de 2008. Com a conclusão do programa, são suspensas automaticamente as penalidades dos crimes, conforme do Art. 60.               



[1] http://www.forumdaconstrucao.com.br/conteudo.php?a=9&Cod=539
[2] http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/amazonia/noticia/2015/04/comprar-uma-reserva-legal-faz-bem-floresta.html

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