domingo, 12 de julho de 2015

As armadilhas ocultadas nas metas e estratégias do Plano Nacional e Estadual de Educação

Se nos últimos trinta anos os investimentos em infraestrutura e qualificação profissional na rede pública estadual de ensino de Santa Catarina beiraram o ridículo, seria plausível agora acreditar que em dez anos de vigência do plano irá reverter o quadro caótico das escolas, equipá-las, qualificar e assegurar um plano de carreira descente que restabelecesse a dignidade dos profissionais em educação. As chances para evitar que a escola pública mantenha-se sob o domínio das tradicionais e débeis forças políticas regionais e municipais serão menores no instante que professores/as, pais, mães, bem como a sociedade, num todo, tiverem compreensão clara das inúmeras armadilhas embutidas no plano aprovado pela ALESC no último dia 16 de junho de 2015.   
Dentre as propostas que procuram dar justo polimento de democracia às escolas é o incremento à participação da comunidade no acompanhamento das atividades escolares, realçando os conselhos deliberativos, os pais, as mães e responsáveis. O que se aponta nas escolas é a presença ainda discreta desses seguimentos, sendo mais corrente nas reuniões para discutir assuntos administrativos e entregas de boletins. Participar de diálogos tencionando a construção co-participativa do projeto político pedagógico da escola, entre outras atividades curriculares e extracurriculares, continua sendo uma utopia ainda distante.
 A proposta de fortalecimento dos conselhos deliberativos escolares, portando, nada mais é que transformá-los em agentes fiscalizadores quanto ao cumprimento das metas estratégias, bem como conferir a execução dos exames pré-prontos das escolas. São indicadores nacionais classificatórios via IDEB, que darão mostras individuais do grau de “eficiência” e “competência” de cada estudante e unidade de ensino resultando no repasse de recursos através do PDDE, sistema que está atrelado ao cumprimento das metas e da elevação do nível das notas das escolas.
Diante disso não caberá aos Gestores Escolares, APPs e muito menos aos Conselhos Escolares julgarem as metas e os instrumentos de avaliação. Se o sistema avaliativo se constitui agora indistinto, igual para cada escola, não há porque dispor tanto tempo e esforços na construção e discussão dos PPPs, isso porque o conjunto de saberes, valores culturais, morais, aspectos ambientais, intrínsecos a cada escola, comunidade, município, perdem importância frente aos mecanismos verticalizados de avaliação, que considerará apenas aspectos quantitativos, números, índices. São instrumentos discriminatórios, de forte concepção darwinista, na qual privilegiarão escolas e grupos sociais mais afortunados economicamente, em detrimento das e dos demais agrupamentos, penalizados pelas políticas de exclusão. A tendência é sucumbir-se de forma “natural”.        
O plano faz menção em munir todas as escolas estaduais com equipamentos, laboratórios, bibliotecas informatizadas e virtuais, bem como de profissionais especializados e a promoção de políticas de regime de colaboração. Admite-se que quanto a esse item o que se propõe é fomentar parcerias público/privadas para a aquisição sob a forma de doações de livros e demais equipamentos para estimular a aprendizagem. Quanto ao processo de estímulo à leitura, o plano, com bases nas diretrizes do Plano Nacional do Livro, propõe políticas de formação de leitores, capacitação de professores, bibliotecários e agentes de comunidade para atuarem como mediadores da leitura.
Hoje em dia, as bibliotecas das escolas da rede pública estadual, aquelas que não se transformaram ainda em depósitos, são monitoradas geralmente por um professor readaptado ou estudantes disponíveis em um dos turnos.  Na sua grande maioria são espaços minúsculos, insalubres, com acervos literários ultrapassados, danificados por goteiras e insetos. A proposta de adequar arquitetonicamente às escolas estaduais com quadras poliesportivas, laboratórios de informática, atividades culturais, auditórios, produção de material didático, etc. De início a idéia é garantir esse modelo às comunidades pobres, oferecendo em seguida aos demais seguimentos. 
É um tanto quanto ridículo e até certo ponto demagógicas propostas de estabelecimentos de ensino com tais características quando se tem dados de inspeções realizadas que comprovam o quadro depredatório dos estabelecimentos de ensino. Conforme opinião de um dos coordenadores da vigilância sanitária da região de Araranguá, disse que no cumprimento integral dos dispositivos do decreto referente a inspeção sanitária, apenas uma ou duas escolas teriam direito aos alvarás para funcionamento. Outro aspecto preocupante que deve ser mencionado é quanto aos prédios escolares de ensino integral, já “concluído” há algum tempo, com custos orçados em mais de dez milhões de reais, como nos municípios de Timbé do Sul e Turvo, ambos abandonados, atacados por vândalos e já apresentando defeitos de engenharia como rachaduras e goteiras.
Quando o plano estabelece a universalização de Internet de banda larga de alta velocidade, nos próximos cinco anos, quem acompanha o dia a dia das escolas públicas sabe que a proposta soa certo deboche. Isso porque não há uma escola cujos computadores disponíveis estejam funcionando adequadamente. Exceto a escola em que o técnico de informática de maneira habilidosa consegue promover milagres transplantando peças de aparelhos danificados para outros, uma estratégia comparável a obra literária que resultou no filme Frankenstein.
Prometer internet de banda larga em escolas que apresentam goteiras, forro caindo, rachaduras nas paredes, sem bibliotecas, sem quadras esportivas, entre outras carências, é ofensivo. O que dizer dos diários online, medida impositiva do governo às escolas que nem internet possui, quando tem, o sinal é tão baixo que mal se consegue enviar um e.mail. Não se pode cair no equívoco acreditando que a resistência dos profissionais em educação no não preenchimento dos diários seja por questões meramente políticas. Nada disso, ninguém se opõe a essas tecnologias, o que se quer é que se tenham equipamentos de qualidade que proporcione agilidade no processo.  
Embora as crises cíclicas da economia global estejam comprometendo a qualidade dos serviços públicos oferecidos por países com históricos de eficiência na educação, o que se percebe, mesmo assim, são mobilizações gigantes de pessoas saindo às ruas pressionando governantes para assegurar tais direitos. No Brasil, Santa Catarina em especial, não se viu e não se vê tal mobilização da população, exceto dos/as próprios/as professores/as, como nas tantas e longas greves da rede estadual. A última paralisação do magistério, que teve duração de 72 dias, teve como uma das bandeiras de luta a preservação de direitos dos trabalhadores e a melhoria das condições infraestruturais das escolas. No último artigo publicado no blog morrodosconventos-jairo.blospot.com.br, fazia crítica acerca do fato dos pais, mães e a sociedade em geral se manterem indiferentes ao modo como o governo vem tratando as escolas públicas, onde estudam mais da metade da população jovem catarinense em idade escolar.
O Plano Estadual de Educação vem respaldar o que está no texto do blog quando diz que é necessário mobilizar e criar espaços de participação para as famílias e setores da sociedade civil, com o propósito de que a educação seja assumida como responsabilidade de todos e de ampliar o controle social sobre o cumprimento das políticas educacionais.  Nessa perspectiva o SINTE em parceria com as APPs e Conselhos Deliberativos Escolares, vem realizando encontros semanais com intuito de dialogar com esses seguimentos a complexa realidade da educação pública e a possível realização de um Fórum Educacional Regional para elencar as demandas e estratégias de soluções. Como uma das iniciativas tiradas em assembléia, o Sinte está protocolando nas sedes das defesas civis, vigilâncias sanitárias e corpo de bombeiros dos municípios da 22 Gered, ofício solicitando inspeções em todas as unidades de ensino. Os relatórios servirão de subsídios para o Fórum, apresentando ao público participante uma radiografia fidedigna das condições de cada escola inspecionada.
Além dos problemas crônicos de infraestrutura, as escolas públicas estaduais também amargam o drama da escassez de recursos financeiros para pequenos reparos e outros serviços essenciais necessários para o funcionamento diário dos estabelecimentos. Todas as unidades de ensino estaduais têm direito a receber anualmente recursos oriundos do PDDE, valor distribuído proporcionalmente ao número de estudantes matriculados no ensino fundamental. Embora escasso os recursos repassados às escolas, é com tais verbas e outras oriundas de campanhas promocionais, como rifas, festas, doações, que subsidiam o funcionamento a tal ponto, pasmem, de nenhum outro recurso extra chegar para o reparo das escolas, reformas de telhados, forros, sistema elétrico, etc. Em muitos casos os serviços prestados por profissionais da contabilidade também tem as despesas pagas com tais recursos. 
 Na Meta 7 do plano, uma das estratégias é a transferência direta de recursos para as escolas, garantindo a participação da comunidade no planejamento e na sua aplicação.  A própria LDB já prevê esse modelo de descentralização, sendo jamais efetivado ou dialogado com a comunidade escolar. Para Santa Catarina, com a perspectiva de prevalecer o modelo de gestão ainda partidarizado, tudo leva a crer que as escolas públicas funcionarão seguindo as regras das SDRs, com conselhos consultivos fantoches, que quando são criados não cumprem nem mesmo com suas responsabilidades de agentes fiscalizadores. Acredita-se que as chances são remotas de haver reversão do quadro mendigatório e de submissão das escolas, que permanecerão dependentes da boa vontade de voluntários, “os amigos das escolas”, de empresas e demais seguimentos, oferecendo “gratuitamente” serviços e recursos materiais.
Seguindo essa diretriz, gestores, pais, conselhos escolares, entre outros envolvidos com a educação pública, continuarão vivendo a saga diária de ter de fazer render os parcos reais disponíveis.  O seguimento escolar público seguirá o modelo dos demais setores através da consolidação de parcerias com o setor privado, as chamadas PPPs (Parcerias Público, Privadas).    Ao mesmo tempo em que o Plano Estadual promete triplicar as matrículas de educação profissional técnica e de nível médio, a proposta se contrapõe aos planos curriculares das escolas não públicas que tem como prerrogativa a “formação” de estudantes para acessarem ao ensino superior, ocupando vagas de importantes cursos das universidades públicas. Depois de concluído o ciclo universitário, são esses indivíduos que preencherão os principais postos de comendo político nas esferas públicas dos três poderes e das instâncias federal, estaduais e municipais.
O plano deixa explícito o caráter ideológico, excludente e discriminatório de um Estado a serviço do capital.  Isso se constata também no item que garante a oferta de bolsas para estudantes de graduação, pós-graduação de professores/as. É dinheiro público transferido às instituições particulares de ensino superior e formação técnica. Todos/as aqueles/as interessados/as em seguir a carreira docente, as duas únicas universidades públicas no estado deveriam disponibilizar vagas suficientes para atender a demanda necessária. Não o faz, porque refletirá obviamente nos gigantescos lucros auferidos às particulares, especialmente as que oferecem ensino a distância.
A gestão democrática é destaque na Meta 19 do plano. No entanto, em nenhum momento o plano faz qualquer menção a promoção de pleitos verdadeiramente democráticos de escolha de gestores, que tenha o envolvimento de toda a comunidade escolar. O que o plano propõe é um simulacro de gestão democrática, com direito a candidatar-se e concorrer à vaga de direção apenas aqueles que estejam em conformidade com as regras do plano.
 Em Santa Catarina o governo se antecipou a aprovação do plano e sancionou em 2013, decreto autorizando a “democratização” dos sistemas de gestão nas escolas, seguindo os parâmetros estabelecidos pela meta. O decreto traz no seu bojo, dispositivos que de cara excluem a maioria dos interessados, pois um dos critérios para candidatar-se é ter o número mínimo de faltas, bem como ter participado de cursos pré-preparatórios de gestores. Em um estado onde a cada um ou dois anos greves são decretadas e de longa duração, cujos/as professores/as são penalizados/as com faltas injustificadas, já se presume antecipadamente que poucas serão as escolas cujas vagas serão ocupadas por professores grevistas.
 São os futuros gestores os que serão responsáveis pela aplicação e cumprimento dos instrumentos de controle e de meritocracia nas unidades de ensino no qual se intensificarão os assédios morais contra os professores obrigando a executar jornadas de trabalhos extensas e o cumprimento de metas. Serão os/as professores/as meros/as aplicadores/as de apostilas, provas, cumpridores/as de prazos e metas. São profissionais que paulatinamente vem se submetendo às regras estafantes de um sistema de ensino cada vez mais perverso, que converte escolas em empresas, estudantes em consumidores, professores/as em trabalhadores/as alienados/as, meros repassadores de informações prontas sem qualquer criticidade.
É um novo modelo de educação pública que deverá atender as necessidades específicas do mercado, qualificando jovens trabalhadores/as às funções diversas e de baixo custo orçamentário. Por que razão investimentos em professores mestres e doutores em escolas públicas de educação básica se a demanda estudantil tem por objetivo ascender rapidamente ao mercado laboral para subsistir.
Talvez seja esse um dos motivos do escasso número de profissionais com tais habilitações atuando na rede estadual de ensino.  Com base nesses pressupostos as escolas que tiveram bons índices nos diversos sistemas avaliativos como o IDEB, PISA, ENEM, entre outros, serão agraciadas com repasses extras de recursos. Os/as professores/as serão submetidos à mesma lógica, com a concessão de bônus adicionais aos salários. O oposto também é verdadeiro. Escolas que não cumprirem ou não estiverem em conformidade com tais políticas serão advertências ou até mesmo penalizadas financeiramente podendo resultar no fechamento da instituição. Essa prática competitiva neoliberal já vem se convencionando normal nas diferentes unidades de ensino distribuídas nos vários municípios e estados da federação.
 Porém, é no sistema de ensino municipal que se constata o descalabro dos administradores, secretários e gestores de escolas no uso de artimanhas e promessas descabidas para elevar o número de matrículas das escolas que resultará no maior repasse de recursos do FUNDEB. Há casos em que o próprio administrador público, quando entrevistado em uma rádio, relatou que os/as estudantes da rede municipal tem tido melhores desempenhos em provas de acesso a cursos subseqüentes que os estudantes da rede estadual. Nas entrelinhas, os planos nacional, estaduais e municipais de educação escondem seu verdadeiro objetivo que é consolidar um novo modelo de escola empresa, numa perspectiva de gestão de excelência.
Muito longe do discurso falacioso e demagógico dos seus protagonistas que insistem tentando convencer o público de que o plano defende a universalidade, a igualdade, os interesses gerais e objetivos emancipatórios.  Realmente não assegura tais direitos, pois segundo estatísticas, do total das escolas públicas de ensino básico brasileiro, apenas 0,6% delas têm infraestrutura próxima ao padrão mínimo para escolarização. Ou seja, são escolas que oferecem bibliotecas, laboratórios e outros recursos necessários ao bom desempenho das habilidades intelectuais. Por fim, 44% contam apenas com água encanada, energia elétrica, cozinha, e outros poucos equipamento necessário.

Prof. Jairo Cezar 

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