sexta-feira, 28 de junho de 2013

O Lado Obscuro das OSS (Organizações Sociais da Saúde) que administram os hospitais públicos brasileiros/Hospital Regional de Araranguá/SC

Para entender o imbróglio, o caos que atinge a saúde pública brasileira atualmente, especialmente em relação as unidades de saúde vinculadas ao SUS (Sistema Único de Saúde) como o Hospital Regional de Araranguá, pivô de denúncias de irregularidades envolvendo a Organização Social SAS, de São Paulo, temos que recuar na história e compreender que sua raiz está nas políticas reformistas do Estado brasileiro iniciadas a partir do final da década de 1980 e patrocinadas pelo Banco Mundial e demais organizações financeiras internacionais.  Em 1998, acatando as recomendações do Banco Mundial, Luiz Carlos Bresser Pereira, que exercia a função de Ministro da Reforma do Estado, na gestão Fernando Henrique Cardoso, 1995 a 1998, promoveu uma das maiores reformas estruturais no campo da saúde abrindo caminhos para que a iniciativa privada sob a forma de parcerias atuasse na gestão dos serviços de saúde e tendo direito a parcelas dos recursos públicos orçados para esse setor.
Segundo o Ministro Bresser Pereira as reformas que foram executadas tiveram por princípio definir regras claras acerca das funções que são exclusivas do Estado e aquelas que são da iniciativa privada. “Saúde, educação e segurança consideradas não exclusivas devem-se utilizar poucos funcionários apenas para controlar os serviços”. O argumento apresentado pelo ministro é o mesmo defendido pelos intelectuais norte americanos que atendendo as recomendações do grande capital construíram uma nova teoria, o neoliberalismo, para dar sustentação às reformas capitalistas em curso.   Esse programa reformista ou neoliberal também conhecido por Consenso de Washington teve suas primeiras experiências no Chile de Augusto Pinochet, em 1979, e na Inglaterra, no governo de Margaret Thatcher. No Brasil, os princípios neoliberais ou reformistas foram introduzidos em muitos artigos da Constituição de 1988, que serviria de base mais tarde para concretização das reformas estruturais. 
 A justificativa apresentada pelos seus idealizadores foi pela defesa da liberdade de mercado e pela progressiva flexibilização das regras que segundo seus articuladores restringem excessivamente o fluxo natural do sistema. A concepção ideológica Estado Mínimo buscou difundir a idéia de que transferindo serviços como saúde, educação, segurança, entre outros a iniciativa privada haveria uma maior racionalização dos recursos financeiros, tornando-os mais eficientes. Se assim o fosse, o setor de telecomunicação, que foi privatizado na década de 1990, seria um dos mais eficientes e baratos do mundo. A quem digam os usuários das telefonias móveis da região sul de Santa Catarina.
As investidas neoliberais não ocorreram somente no campo das telecomunicações, bancos, energia, previdência, transportes, entre outras. Os ataques das privatizações também deram continuidades mesmo depois da população ter escolhido através do voto um governo popular.  A promulgação da constituição de 1988 abriria brechas legais para que empresas multinacionais ou consórcios nacionais participassem de licitações disputando o controle das enormes jazidas minerais. A Vale do Rio Doce, Companhia que hoje controla a exploração de uma das maiores jazidas minerais do planeta, é um caso emblemático de privatização repleto de irregularidades e favoritismo governamental. 
E os avanços da privataria não pararam por aí e as investidas do capital alcançam finalmente os setores da educação e especialmente o da saúde cuja Constituição Federal no seu artigo 197 garante autonomia ao executivo em transferir os serviços de saúde a empresas terceirizadas e, também para pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. A função do Estado seria de entidade fiscalizadora na qual controlaria a atuação das mesmas na coordenarão os serviços a serem prestados. Esse dispositivo legal abriu oportunidades para o surgimento de dezenas ou centenas de empresas denominadas (OS) Organizações Sociais, (FEDPS) Fundações Estatais de Direito Privado; (OSCIPS) Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e (EBSER) Empresas Brasileiras de Serviços Hospitalares, que se colocaram em condições de disputar as verbas públicas destinadas à saúde. 
Esse modelo de gestão, que passou a ser adotado em hospitais estaduais e municipais brasileiros está sob a mira da justiça na qual vem averiguando inúmeras irregularidades tantos nos processos de qualificação como também na forma como as empresas selecionadas administram os recursos, sendo elas, por lei, entidades filantrópicas, que não devem visar lucros. O que se pretendia com essa nova forma de prestação de serviços, segundo seus idealizadores, era dar agilidade ao sistema mediante a transferência de toda infraestrutura às instituições filantrópicas, sem que ambas tivessem obrigação de recorrer a licitações para a aquisição de materiais, como também não havendo necessidade de tabelas de valores de referência, para serviços e salários. O que chama atenção é o dispositivo legal que garante as empresas, aditivos compensatórios na hipótese de existir prejuízos no primeiro ano de gestão da organização.
Em 2007, o município de São Paulo repassou para as Organizações Sociais valores fabulosos que totalizaram cinco bilhões de reais. O governo estadual seguiu a mesma diretriz, transferindo para 32 Organizações Sociais, 14,2 bilhões, contratos que têm validade até 2016.  Nesse fabuloso mercado no qual envolve a saúde pública, do dia para noite dezenas de empresas se qualificaram para disputar as enormes fatias dos recursos públicos e cujos serviços oferecidos não correspondem proporcionalmente às verbas recebidas. Uma empresa paulista que está sob investigação do TCM (Tribunal de Contas do Município), é a SECONCI indiciada por irregularidade em contratos envolvendo a prefeitura e o governo do estado de São Paulo. O valor do contrato de 46 milhões de reais teve que ser revisado recebendo um novo aditivo que o elevou para 127,5 milhões, valor três vezes maior que o anterior. Desde 2010 o orçamento público da saúde para as Organizações Sociais é de 38%, garantindo 6,2 bilhões de reais para 2012.   Em 2013, o orçamento do estado para saúde equivale a 16,6 bilhões, somando os valores para o município elevam os recursos 20 bilhões de reais aproximadamente.
Esse modelo de administração hospitalar começou a se espalhar para os demais estados e municípios brasileiros a partir de São Paulo onde inúmeras empresas assumiram a administração das unidades e demais setores vinculados à saúde. No entanto, diante da descentralização dos serviços de saúde, referendadas pelo SUS totalmente público, estados e municípios para se adequar a esse novo modelo de gestão deveriam criar suas próprias leis visando a flexibilização dos processos que permitiram a inserção das OS (Organizações Sociais) na administração da saúde.       
                    Desde 01 de maio de 2012 o Hospital Regional de Araranguá depois longos anos administrado pela UNESC sua administração foi entregue a uma organização social SAS que teria a incumbência de proporcionar uma melhor eficiência do atendimento de saúde à população dos quinze municípios da AMESC. Segundo seu diretor quando questionado em entrevista realizada pelo Jornal Correio do Sul em 04 de maio de 2012, quatro dias depois da homologação, o mesmo argumentou que a finalidade de instituição era acabar com situações ilegais que ocorriam durante a gestão comandada pela Fucri-Unesc.
                   Disse também que a população estava próxima de vivenciar uma nova era do hospital, que seria marcada pela prestação de serviços de qualidade. http://www.grupocorreiodosul.com.br/jornal/noticias/principal/hravamosacabarcomsitua-esilegais/. Opinião semelhante foi proferida pelo Secretário Regional da Saúde Aécio Casagrande e do coordenador da Área Médica do Instituto SAS Arthur Betti Ricca a uma emissora de televisão do município de Araranguá http://www.artv.com.br/revista-no-ar/982/hospital-regional-de-ararangua-sob-novo-comando.html, ambos garantindo a população que os serviços a serem prestados pela empresa dariam uma nova dinâmica no que se concerne à qualidade dos serviços prestados à população. Poucos meses depois da empresa ter iniciado as atividades começaram vir a público as primeiras denúncias de envolvimento do seu envolvimento em operações fraudulentas no estado de São Paulo como também no próprio Hospital Regional de Araranguá, cujas investigações do Ministério Público Estadual identificaram desvios aproximados de dois milhões de reais às empresas cujos sócios e proprietários mantinham vínculos com essa Organização Social. As denúncias envolveram além do hospital de Araranguá outras seis instituições espalhadas em São Paulo e uma no Rio de Janeiro. A decisão da justiça foi intimar o governo de santa Catarina, para que num prazo de trinta dias, assumisse a gestão do mesmo, que na hipótese de descumprimento da ação lhe incorreria multa diária de 200 mil reais.
Não resistido às pressões por parte da imprensa e da sociedade civil organizada, em abril de 2013 o governo determinou o cancelamento do contrato com a SAS, anunciando que faria um novo processo para contratação de outra organização social para substituir a anterior. As vozes da sociedade que exigiam o controle direto do estado na administração do hospital não foi acatada pelo governo, como também a recusa a proposta encaminhada pela ACIVA (Associação Comercial e Industrial do Vale do Araranguá) que defendiam a transferência da administração do hospital para os municípios do vale do Araranguá.  Depois de muitas e muitas discussões sobre os destinos do hospital, o governo descartou qualquer hipótese de transferência para os municípios ou gestão direta do próprio estado decidindo que manteria a política de terceirização com as OSS.
Conforme prometido uma nova OSS (Organização Social da Saúde) foi contratada, a SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), originária do estado de São Paulo que já tem contratos milionários com o município e o governo paulista. É importante frisar que essa organização é dirigida pelos diretores e chefes da Escola Paulista de Medicina ligada a UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), que não há informações confiáveis acerca dos valores dos contratos fechados e a tamanha expansão da empresa nos últimos anos cujo caráter jurídico é filantrópico, não permitindo que haja lucros nas suas gestões. A empresa SPDM já possui um currículo recheado de denúncias e irregularidades que mereceria o máximo de atenção dos governos na hora de decidir fechar qualquer contrato de parceria.
Uma das tantas irregularidades cometidas nos últimos anos resultou em ação do tribunal de contas de São Paulo em 18 de 08 de 2009 cujo parecer do conselheiro foi pelo cancelamento do contrato entre a prefeitura de São José dos Campos e a empresa. http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_cidadania/Terceiro_Setor/Jurisprudencia_ACP/TCE-%20001773-007-06.pdf. Outra denúncia grave de desvio de recursos da saúde e que gerou um rombo acumulado dos cofres públicos na ordem de 147,18 milhões, ocorreu no estado de São Paulo em 2011, em que uma das empresas envolvidas é a SPDM que administrava o Hospital Municipal de Barueri, uma das cidades mais importantes da grande São Paulo. O blog MOPSABUS, na sua página traz uma extensa reportagem mostrando de forma detalhada a falta de transparência dos procedimentos contratuais entre o poder público e as OSS que atuam no estado. O problema, segundo o Blog, é extremamente grave, porém parte da população brasileira desconhece, pois a mídia oficial se omite em divulgar tais informações. O mesmo blog faz acusação severa a empresa SPDM/APDM, um grupo que opera diversos hospitais do estado, responsabilizando-a de desmonte da saúde pública e de estar interessada apenas no dinheiro, cuja saúde é concebida como um balcão de negócios. E para agravar, a empresa possui mais de 3000 títulos protestados em cartório. http://mopsabsus.blogspot.com.br/2011/06/21-de-junho-de-2011-as-1216-hospitais.html. A mesma empresa que atua em Santa Catarina recebeu denúncias do Sind/saúde em abril de 2010 por estar descumprindo diversos itens da Convenção Coletiva de Trabalho com a Organização Social responsável pela administração do SAMU catarinense. Dentre as irregularidades estão  o banco de horas e as condições sanitárias dos ambientes de trabalho.
A crise da saúde no estado de São Paulo foi agravada em 2008 com a promulgação da lei n. 62/2008, na época governado por José Serra, quando o mesmo autorizou a transferência para as OSS o gerenciamento de todos os hospitais públicos, tanto os novos como os antigos. http://www.sindsaudesc.com.br/index.php/noticias/797-sindsaudesc-se-reune-com-organizacao-social-que-administra-o-samu.html.  Para convencer a população que tais modelos de serviços à saúde eram eficientes, os prefeitos e governadores se utilizaram de relatórios oficiais emitidos pela entidade financiadora Banco Mundial. Nos seus relatórios procuram enfatizar que o modelo de OSS tem produzido melhores resultados que os hospitais públicos diretamente administrados pelo governo, que há mais altas de pacientes, menos serviços médicos e que os custos hospitalares são bem menores que os tradicionais. O que não é divulgado e que poucos certamente sabem é que de 2006 a 2009 os gastos públicos com as OSS de São Paulo subiu de 910 milhões de reais para 1.96 bilhão, e que  em 2010 os relatórios comprovaram que 70% dos equipamentos hospitalares tiveram déficit.      
Para reverter esse quadro caótico que atinge à saúde pública é imprescindível uma reformulação ou regularização de muitos artigos da constituição federal em especial o capítulo referente à saúde que permite  parcerias envolvendo o poder público e a iniciativa privada no que tange a administração da saúde. Os serviços de saúde como hospitais não podem ser encarados como uma casa de jogos ou cassino onde cada um faz sua aposta com possibilidades de lucros ou perdas exorbitantes. Dentro do atual quadro conjuntural e persistindo o modelo de produção, não há expectativas otimistas de melhorias na saúde pública em curto prazo. Isso porque além da própria constituição brasileira dar cobertura a esse modelo de saúde, que garante lucros fáceis a grupos ou organizações que atuam de forma irregular, poucas são as ações da justiça no que se refere a punição sumária dos criminosos que solapam o dinheiro dos contribuintes destinados à saúde.  
Prof. Jairo Cezar



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