domingo, 16 de junho de 2013

A precarização da saúde pública no Brasil


As grandes transformações ou revoluções no mundo ocidental moderno ocorreram a partir da primeira metade do século XIX das quais resultaram na constituição dos estados nacionais, com suas fronteiras estabelecidas e um sistema de governo protegido por normas constitucionais. São, teoricamente, a partir dessas normatizações e dos impostos cobrados que cada cidadão e cidadã passaram a ter garantia do Estado Republicano as condições mínimas para uma existência digna e segura. Saúde, educação, seguridade social, entre outros benefícios, tornaram-se atribuições obrigatórias dos governos eleitos, especialmente nos períodos pós-guerra. Porém, é importante ressaltar que tais conquistas sociais se deveram às pressões dos trabalhadores e dos sindicatos fortemente influenciados por idéias anarquistas, socialistas e comunistas.
Outro aspecto importante e que deve ser ressaltado é quanto a universalização dos benefícios sociais ou estado de bem estar social que perdurou até o começo da década de 1970. Diante das transformações no mundo do trabalho associada as inovações tecnológicas, o sistema capitalista assume uma nova configuração pautada na redução do tamanho do Estado e na flexibilização das relações entre trabalhador e patrão. Com o esgotamento do modelo fordista de produção justificada pelas excessivas benesses oferecidas pelo Estado assistencialista, uma extraordinária reforma estrutural entrou em cena na qual recebeu a denominação de neoliberalismo. O objetivo agora era transferir à iniciativa privada a gestão dos principais seguimentos produtivos e de serviços como energia, bancos, comunicação, transportes, etc. A garantia dessas reformas no Brasil se deu com a promulgação da Constituição de 1988, na qual lançou os fundamentos para as futuras reformas dentre elas a educacional e previdenciária, flexibilizando ou extinguindo leis que asseguravam direitos adquiridos constitucionalmente.
 A promulgação da Constituição de 1988 embora tenha sido interpretada pelos gerenciadores do capital como um grande avanço, nada mais foi que a garantia de assegurar-lhes maiores poderes sobre as riquezas naturais e os subsídios públicos antes destinados exclusivamente à educação, saúde, etc. Se a promulgação da constituição tinha por objetivo melhorar as condições de vida da população, o que se constatou nesses quase quinze anos de vigência é um cenário desolador, de corrupção atingindo quase todos os seguimentos da máquina pública, de uma população desassistida e descrente da política, e uma perspectiva pessimista de futuro.  

Um dos setores mais afetados e desassistidos pelas políticas governamentais é o da saúde cuja população mais necessitada não podendo recorrer aos planos de saúde para atender suas necessidades emergenciais tornam-se reféns dos ambulatórios e hospitais públicos que não atendem as mínimas condições estabelecidas pelo artigo 196 da Constituição Federal quando diz que saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visam a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.


Os parlamentares constituintes quando elaboram esse artigo supõe-se que tinham consciência de que tal proposta jamais seria concretizada diante de uma estrutura econômica que se nutre não da saúde do povo, mas da doença, e que empurrou para as corporações que controlam os planos de saúde nada mais e nada menos que 60 milhões de pessoas. É bem possível que entre os parlamentares envolvidos nessa discussão muitos representavam os interesses das corporações vinculadas aos cartéis da saúde ou da doença.  A debandada da população por planos particulares reflete o fracasso do sistema público de saúde SUS, que a partir da sua implantação o governo deveria ter criado mecanismos para protegê-lo da cultura corrupta e perversa que invade os interstícios das administrações estaduais e municipais.  
Outro aspecto preocupante acerca dos hospitais públicos atendidos pelo SUS é quanto ao modo como estão sendo gerenciados, pois, de acordo com o artigo 197 da Constituição a lei garante autonomia ao executivo estadual para transferir a administração dos hospitais públicos à iniciativa privada, por meio de parceria público privadas como as (OS) Organizações Sociais, (FEDPS) Fundações Estatais de Direito Privado; (OSCIPS) Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e (EBSER) Empresas Brasileiras de Serviços Hospitalares.


Não precisamos ir muito longe para encontrar exemplos de irregularidades no que tange a aplicação dos recursos públicos à saúde. O caso do Hospital Regional de Araranguá se encaixa perfeitamente nas políticas privatistas articuladas pelo governo do Estado no qual a própria constituição federal lhe faculta todo suporte legal. Em países mais organizados exemplos como o do hospital público de Araranguá, a empresa responsabilizada pelos crimes de favorecimento do dinheiro, seus administradores seriam detidos e condenados a prisão.
Raros são hospitais públicos que cumprem na integra os dispositivos constitucionais, sendo visível o descaso com a população. Problemas como instalações precárias, insuficiência de leitos, pacientes em macas espalhadas pelos corredores, falta de profissionais capacitados, entre outros, se tornaram práticas corriqueiras e noticiadas quase que diariamente pelos telejornais. Ao mesmo tempo em que dezenas ou centenas de hospitais públicos sofrem com o sucateamento, com a escassez de materiais básicos como algodão, seringa, etc., o governo brasileiro irá gastar até 2014 visando a realização da copa do mundo cifras equivalentes a cem bilhões de reais, sem contar outros bilhões para as olimpíadas no Rio de Janeiro em 2016. Afinal o que seria mais importante nesse momento saúde o futebol? Talvez para o governo o futebol seja mais importante, pois, na hipótese do Brasil sagrar-se campeão, e por ser um ano eleitoral, a população ainda hipnotizada ou ofuscada pelo ouro da taça, garantiria nas urnas a permanência no poder por mais quatro anos. 


As campanhas articuladas pela CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) um braço político do governo federal para elevar em 10% do PIB os gastos com a educação, na saúde vem ocorrendo processo semelhante. O que poucos sabem é que em 2012, o governo federal promoveu corte de cinco bilhões de reais do orçamento público para a saúde. São recursos que certamente contribuiriam para minimizar o caos que se abate sobre os hospitais públicos conveniados ao SUS (Sistema Único de Saúde). A campanha nacional que visa arrecadar um milhão e meio de assinatura denominada Saúde Mais 10 teve a iniciativa da câmara de vereadores de Araranguá que aproveitou o “Dia Mais”, promovido pela CDL, para instalar na praça central estande para coletar assinaturas.
Tal iniciativa também foi desenvolvida no município de Sombrio cujo protagonista foi o deputado estadual José Milton Sheffer, do PP (Partido Progressista), e integrante da base de sustentação do governo Raimundo Colombo, principal pivô das críticas recebidas nas últimas semanas sobre as denúncias de corrupção envolvendo a organização social que administrou o Hospital Regional de Araranguá.   Em reportagem publicada por um jornal de circulação diária cuja manchete dizia Saúde Mais 10, quando uma cidadã foi questionada sobre tal iniciativa, a mesma respondeu que “o trabalho merece nosso apoio, pois além de esclarecer a todos a situação da saúde, é uma forma de fazer a diferença e mostrarmos ao governo que queremos mudança”. Tal mudança sugerida pela cidadã acredita-se que estava se referindo às urnas não votando nos candidatos do executivo e legislativo que elaboram e aprovam projetos contra os trabalhadores especialmente os da educação pública. Um exemplo para elucidar foi a PLC (Projeto de Lei Complementar) 026/11, que nivelou por baixo o salário de todos os profissionais da educação, como também a extinção dos Prêmios Educar e Jubilar; do Prêmio Assiduidade; a diminuição da porcentagem da Regência de Classe, do valor das aulas excedentes, entre outros.
 Deveria saber a cidadã que o partido no qual o deputado é filiado compactua com as políticas do governo do estado que vem sendo responsabilizado pelo caos que atingem as áreas da saúde e da educação públicas.  Em âmbito federal o partido do deputado também integra a base de apoio da atual presidente que para atingir as metas de crescimento econômico do PIB e conter a inflação, cortou, em 2012, investimentos já aprovados para a saúde.  A proposta do abaixo assinado é transformá-lo em projeto de lei de iniciativa popular que elevar os investimentos do PIB à educação de cinco para 15%.  Em 2011, o percentual gasto na saúde foi de 3,6% do PIB ou US$ 109 bilhões. Para aproximar os gastos a países como Alemanha e Austrália seriam necessários mais 2% ou US$ 83 bilhões.
Se for incluído os gastos com planos de saúde e atendimentos particulares as cifras chegam a 8,4%, metade do valor investido nos EUA e ainda abaixo do que investem os países que integram a (OCDE) Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que é de 9%. Portanto quando se pensou na promoção do abaixo assinado a idéia era pressionar o governo a disponibilizar mais 40 bilhões para a saúde, que é pouco. A pergunta que não quer calar, esses quarenta bilhões reivindicados serão apenas disponibilizados para o setor público?
Atendendo as determinações constitucionais, as políticas públicas adotadas pelos últimos governos federais vêm em direção a descentralização dos serviços essenciais, ou seja, a transferência às instâncias estaduais e municipais às responsabilidades por suas gestões. Para ter uma idéia em 1980, o governo federal tinha o compromisso de investir 75% dos recursos à saúde pública, os estados participavam com 18%, enquanto que os municípios, apenas 7%. Trinta anos depois, a situação se inverteu. A participação do governo federal reduziu para 45%, os estados teriam que disponibilizar 27% e os municípios pulou para 28%. O que se constatou foi um progressivo deslocamento das responsabilidades do financiamento da saúde para os municípios.
   Esse processo de municipalização dos serviços essenciais, sua ineficácia é resultante de uma cultura política viciada, de administrações corruptas que se utilizam do dinheiro e da máquina pública para favorecer partidos de base aliada e apadrinhados que irão determinar o resultado dos pleitos eleitorais. Portanto, enquanto tal cultura continuar permeando os interstícios das administrações municipais qualquer política de municipalização deve ser encarda com desconfiança.
É imprescindível desconstruir conceitos errôneos como da municipalização que é amplamente difundido como sinônimo de eficiência e vantajosa para a sociedade. O que se vê são políticas fragmentadas e descontínuas nas áreas da educação e saúde envolvendo as instâncias federais, estaduais e municipais. A federalização de tais sistemas imputaria ao governo federal a responsabilidade pelo planejamento, gestão, contratação, valorização e distribuição dos recursos financeiros, atendendo de forma igualitária todos os municípios. Não é possível um país como o Brasil que tem uma das maiores arrecadações de impostos do mundo e cuja população é pressionada a recorrer aos planos de saúde e escolas particulares para suprir necessidades básicas.  
O problema, como se vê, não está na escassez de recursos, mas na forma como o mesmo é gerido. O repúdio por tais abusos e irresponsabilidades deveria partir especialmente da classe média brasileira que explicita seu conformismo recorrendo aos planos de saúdes, segurança privada e escolas particulares para seus filhos. Com essa postura vai se internalizando todo um sentimento de impotência e isolamento, um salve-se quem puder. Os cidadãos e cidadãs quando são consultados acerca dos problemas em curso, ambas de forma unânime admitirão que a corrupção nas instâncias dos poderes seja o que está levando a tal situação. No entanto, quando da realização de novas eleições, os mesmo políticos severamente criticados e suspeitos de irregularidades, são reeleitos, permanecendo o ciclo. 
  É necessário esclarecer a todos e a todas que diante do atual modelo econômico, as políticas públicas que estão sendo implementadas têm como princípio o mercado, o lucro e a perpetuação das desigualdades que alimenta o sistema. É com essa política que o Brasil vem disputando as primeiras posições como nação mais desigual, corrupta, intolerante, violenta do mundo. Romper esse quadro de perversidade e desigualdade exige profundas transformações estruturais, especialmente no campo educacional que oportunize as pessoas a compreenderem que o planeta terra é um sistema vivo e complexo, que nossa existência e das demais espécies vivas depende do modo como nós nos comportamos nesse frágil globo. Chegar a esse nível de compreensão significa atingir a maturidade e a capacidade de perceber que vida plena ou qualidade de vida jamais pode ser atribuição de uma sociedade tão desigual, injusta como a nossa.    
Prof. Jairo Cezar













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