quinta-feira, 6 de dezembro de 2012


A “Via Crucis” dos educadores da Rede Pública Estadual  de Santa Catarina

Vinculada às políticas de desmantelamento da estrutura publica estadual, como saúde e segurança, o magistério catarinense vem passando pelo mesmo drama há décadas, tornando-se mais dramático agora quando vem a público o retrato fiel de dezenas ou centenas de escolas abandonadas e às ruínas, enquanto que as restantes com raras exceções apresentam alguma deficiência estrutural ou pedagógica, que impossibilita ao profissional da educação condições mínimas para o exercício digno de suas funções. Associado aos problemas de infraestrutura  das escolas vive o professor o drama salarial que para ter direito a uma remuneração  mais digna enfrenta diariamente ou semanalmente à “via crucis” das estradas lecionando em duas, três ou mais escolas, com carga horária extenuante de até 60 horas semanais, muitas vezes mal alimentado, obrigando-o, com freqüência, a utilizar as próprias dependências da escola para preparar ou “requentar” sua própria refeição.
Como em qualquer profissão o fator psicológico (equilíbrio emocional) é determinante para o bom desempenho das funções laborais. Porém, no campo educacional essa condição continua longe de se tornar realidade, pois diariamente os educadores acordam na expectativa negativa de novas ações por parte do governo, como a possível extinção da lei do Piso Nacional do Magistério, da municipalização das escolas de ensino fundamental, da política de meritocracia e, como agravante, da possibilidade de encerrar a carreira docente como professor temporário.
É com medidas vergonhosas para a educação, saúde e segurança, que os governos estaduais e federal, têm a coragem de ocupar os espaços das mídias para afirmar que o Brasil está no rumo certo. “Somos a sexta economia do planeta, e com pouco mais de esforços de todos alcançaremos a quinta, quarta, terceira, segunda e, quem sabe, a primeira, basta acreditar.”
Recentemente, em 28 de novembro de 2012, foi divulgado resultado de pesquisa encomendada por uma consultoria britânica Economist intelligence Unit (EIU), pela Person, empresa que fabrica sistemas de aprendizado e vende seus produtos a vários países. A pesquisa, envolvendo 40 países, que avaliou aspectos como conhecimentos em matemática, ciências e habilidades lingüísticas, qualidade de professores, dentre outros, colocou o Brasil na ridícula penúltima colocação entre os avaliados.  No topo dos que obtiveram melhores resultados está à Finlândia, Coréia do Sul e Hong Kong. O consultor do instituto responsável pela pesquisa constatou que os países que apresentaram índices satisfatórios têm como premissa a valorização dos profissionais da educação, interpretado como conceito enraizado na própria cultura dessas nações.
O que é curioso acerca desses dados é que não bastam apenas investimentos financeiros, é necessário construir uma verdadeira cultura nacional de aprendizado, que valoriza professores, escolas e a educação como um todo. Elevar os investimentos do PIB na Educação como se pretende no Brasil, mantendo as mesmas políticas de cunho desenvolvimentista, depredatório, exploratório, irracional e sem uma inversão cultural profunda, dificilmente retirará o país dessa situação marginal que se encontra frente às demais.  
É necessário intensificar a importância à educação por parte da sociedade e melhorar as expectativas dos pais em relação a seus filhos na escola. A efetivação desses princípios exige uma profunda transformação dos hábitos de consumo, relacionamento, ou seja, uma revolução cultural, situação que estamos ainda anos luzes distantes dos demais.
Embora Finlândia e Coréia do Sul, países que ficaram no topo das melhores, apresentem profundas diferenças em termos culturais, ambas se assemelham quando atribuem “valor moral” elevado a educação, ou seja, conceitos adquirimos ao longo da vida com base nos ensinamentos que recebemos de nossos pais e da comunidade na qual estamos inseridos, que norteiam nossa forma de ver o mundo e de agir em sociedade. Destaca que os países melhores ranqueados a importância de empregar professores de alta qualidade e com bons salários é uma condição de princípio moral que deve ser evidenciado. São esses alguns exemplos que poderiam já estar fazendo parte da nossa cultura, principalmente quando se trata da valorização do professores. Não é o que se prevê em curto prazo, principalmente quanto estiver no comando governos conservadores e autoritários que sabem muito bem que investir em educação, melhorar as estruturas físicas das escolas, o aprendizado e valorizar os educadores pagando bons salários comprometem a hegemonia desse modelo de política, alimentado no apadrinhamento, na troca de favores e outras tantas benesses.
Quanto mais angustiado, desestimulado, estressado, estiver o professor menos possibilidades emocionais ele terá para refletir sua própria condição de trabalhador explorado, escravizado por um Estado cada vez mais desumanizado e irracional. Esse sentimento de desencanto, de desesperança dos educadores com sua própria realidade profissional, refletem diretamente no trabalho diário nas escolas, com aulas cujos conteúdos “livrescos” são vazios, desconectados com a realidade, tendo a “prova” ou o “teste” (método comportamentalista, séc. XIX) o principal instrumento de avaliação. Esse ciclo vicioso que se repete ano após ano, é percebido na espantosa quantidade de livros didáticos que chegam as escolas públicas ocupando corredores e salas, numa era em que a informática, a internet, as redes sociais, os Iped, Iphone, Trablet e tantas outras inovações tecnologias chamam cada vez mais atenção das crianças e adolescentes, porém ainda vistos com certo preconceito por ampla maioria de educadores cuja formação data da era giz, do quadro negro, da prova, do exame, do teste, da reprovação, da sala da diretoria, do livro negro, do recreio, da sineta, da campainha, da merenda, etc.
Depois de anos pressionando o governo para que atendesse as solicitações e promovesse concurso público para efetivar milhares de professores ainda temporários, o Estado, de maneira habilidosa, sanciona edital lançando concurso para apenas dois mil professores, sabendo-se que o déficit no estado atinge cifras aproximadas de 20 mil. Embora o número de vagas disponíveis fosse ínfimo, a quantidade de inscritos na esperança de conquistar uma das vagas foi expressiva, ultrapassando seguramente os 40. No entanto, para cada inscrição a taxa cobrada foi de R$ 50,00 reais, que multiplicado pelo número aproximado de candidatos, totalizou uma arrecadação estimada de dois milhões de reais. A resposta que todos, imagina-se, desejam saber é por que tão cara a inscrição? Qual foi custo total do concurso e qual o destino do excedente do dinheiro arrecadado?
 Depois de concluído os trâmites e a divulgação dos aprovados e das vagas disponíveis vieram a público aquilo que se esperava que é costumeiro das administrações que desvalorizam a educação, uma manobra bem articulada arquitetada pela Secretaria da Educação e aplicada pelas Gereds descumprindo descaradamente o próprio Edital. Estamos nos referindo ao item cinco do edital do concurso que trata da jornada de trabalho e vencimentos. De acordo com o documento a jornada de trabalho para o cargo de professor nas áreas 2 e 3 corresponde à carga horária de 10(dez), 20 (vinte), 30 (trinta) ou 40 (quarenta) horas semanais e na área 1, 20 (vinte) ou 40 (quarenta). Portanto se uma escola tiver disponível 40 horas excedentes, ou seja, vaga antes pertencente a um professor já aposentado, a mesma deveria aparecer no cômputo de vagas. Pois não foi isso que ocorreu, a Secretaria Educação encaminhou as Gerências Educacionais, como a de Araranguá, uma listagem de 56 vagas disponíveis, cuja carga horária permitida para ingresso seria de 10 horas.
No momento da escolha funcionários da gerencia regional esclareciam os concursados de que os mesmos quanto efetivados na escola com dez horas de carga horária, havendo vaga disponível, poderiam incorporá-las sob a  forma de decreto. O que o decreto diz e que não está no edital, o (a) professor (a) caso seja removido (a), solicite remoção sem remuneração ou tenha   redução da carga horária, perderá as aulas incorporadas pelo decreto. Não sei se os leitores perceberam a sutileza do decreto. Quando ressalta que o (a) professor (a) perderá a vaga em caso de redução da carga horária, subtende-se nesse item a explicita política do Estado de continuidade da municipalização da educação, fortemente criticada pelos educadores e setores da sociedade civil, como o próprio Sinte (Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina).
Diante da política de desrespeito as regras estabelecidas em edital, e como forma de compensar as perdas, o governo lançou decreto possibilitando aos concursados a ampliação da carga horária caso exista vagas excedentes na escola escolhida. Expressiva parcela dos que participaram da escolha foram prejudicados, pois não tinham informações seguras da existência de vagas excedentes e da carga horária. Há casos em que o professor melhor classificado e na ânsia de se efetivar, não teve o cuidado de verificar se na escola na qual escolheu havia aulas excedentes. Podem também ter acontecido situações de professores não bem classificados que tiveram a sorte de escolher uma escola que além das dez horas garantidas, haviam outras mais disponíveis.  
 Não há dúvidas de que a lisura do processo de efetivação dos concursados da rede pública estadual é questionável. Outro aspecto que, certamente, gerará enorme dor de cabeça aqueles não favorecidos da primeira chamada do concurso é com relação as vagas que se disponibilizarão para a segunda chamada. A questão é: serão respeitadas fielmente as classificações dos professores ou, como é de praxe, ocupará as vagas ou as melhores vagas o professor que tiver estreitos vínculos com o grupo detentor do poder? Cabe aos professores não empossados, manter-se atento a lista de classificação e principalmente uma constante consulta ao diário oficial observando se alguém abaixo da sua classificação foi efetivado. Diante da suspeita ou certeza de irregularidades convém encaminhar denúncia ao Sinte, para que sejam providenciadas ações junto ao  departamento jurídico da entidade.      
O que se percebeu mais uma vez em ações como essa coordenada pelo Estado foi o explícito desrespeito as regras pré-estabelecidas e a participação eficiente da máquina estatal, utilizando-se de todas as manobras possíveis para fazer valer o que era conveniente para o Estado. A dúvida agora que perpassa o imaginário dos possíveis quinze mil professores temporários que atuam na rede pública estadual é quanto haverá um novo concurso de ingresso? Dentro dessa política de precarização do sistema público as chances de ocorrer a médio e curto prazo e com lisura são remotas.
Prof. Jairo Cezar


Nenhum comentário:

Postar um comentário