segunda-feira, 9 de setembro de 2024

 

A HISTÓRIA DO VALE DO ARARANGUÁ CONTADA EM DOIS VOLUMES (1605-1842 e 1842-1883) PELO PROFESSOR/HISTORIADOR WANDERLEI SOUZA GOMES JUNIOR

PRIMEIRA PARTE

 

Foto - Jairo 

Quando soube que haveria o lançamento de dois livros narrando à história do município de Araranguá, mais precisamente o Vale do Araranguá, um entre 1605-1842 e o segundo de 1842-1883, minha atitude foi de não dar muita atenção, pois quem ousaria escrever sobre uma região que para mim, bem como para muitos, acreditavam que nada existia, talvez indígenas aqui e acolá, embrenhados em florestas tomadas por animais peçonhentos, insetos, pequenos mamíferos e mais nada. 

Analisando as obras postadas nas redes sociais convidando a população para o lançamento comecei prestar a atenção no titulo as obras, em especial o primeiro volume cujo título assim estava escrito: História do Vale do Araranguá – Tempos heróicos. Aproveitei também o momento para ver se conhecia o autor desses dois trabalhos, apresentando-se como Wanderlei Souza Gomes Júnior, nome pelo qual para mim era desconhecido.  

Chegando ao local onde haveria o rito de lançamento das obras, no auditório do Colégio Murialdo, em Araranguá, me deparei com o professor Wanderlei, autor das obras, cumprimentei-o, porém, lhe confessei que não o conhecia pessoalmente. Como acontece em eventos desse gênero, ou seja, lançamentos de livros ou temas relacionados à cultura local e regional, o auditório não estava repleto, muitos dos quais ali presentes eram parentes, amigos, bem como os obcecados pela historia regional, como eu. Por cerca de duas horas o professor Wanderlei discorreu pausadamente sobre as duas obras, mantendo o público em atenção absoluta, pois seus relatos traziam à luz algo até então inédito, um Araranguá repleto de fatos curiosos e relevantes para a historiografia regional, estadual e nacional.

Todos que estudaram e estuda a história de Santa Catarina nos dois ou três séculos posteriores à colonização portuguesa tem a compreensão de que tudo que estivesse ao sul de Laguna, na época Capitania de Sant’Ana, era um verdadeiro abandono, por se tratar de terras espanholas. Penso que quem estudou a história do extremo sul de Santa Catarina, ou seja, do vale do Araranguá, tem a compreensão de que tudo começou com a abertura do Caminho dos Conventos em 1729, a partir de Laguna, passando por Araranguá, subindo a serra da rocinha até os campos de cima da serra indo em direção a Curitiba e Sorocaba/São Paulo. Até ai tudo bem, pois essas informações quase todos os araranguaenses conhecem por intermédio do livro História de Araranguá, escrita pelo Padre Paulo Hobbold, uma obra um tanto romanceada e carente de fontes documentais relevantes. 

Depois de concluída a apresentação das importantes obras historiográficas e o cerimonial de autógrafos cheguei em casa e me debrucei no primeiro volume lendo-o com muita atenção e expectativa. Fui imediatamente dar uma vasculhada no índice e comecei a prestar a atenção nos temas e sub temas ali escritos. Eram conceitos novos, outros até conhecidos, porém com abordagens fragmentadas, descontextualizadas do conjunto da historiografia até então existente. Esperava também que fosse uma leitura truncada, desconexa e repleta de termos complexos que somente os historiadores mais experientes conseguiriam decifrar. Já na apresentação da obra todo o preconceito que ainda rodeava a mente de muitos historiadores foi dissipando, transformando em encantamento avassalador pela brilhante obra escrita.

O modo como o historiador Wanderlei narrou os fatos, fugindo a certos estereótipos academicistas transformou o que se imaginava de uma obra densa e chata em uma agradável construção poética da nossa intrincada história regional. Já no primeiro volume Tempos Heroicos 1605-1842, o pesquisador discorre sobre uma quase epopeia de desbravadores destemidos que se embrenharam em terras desconhecidas com o objetivo, em nome da coroa portuguesa, tomar posse de terras espanholas. Claro que haviam mais interesses sobrepostos a esses no desbravamento das terras ao sul da província.

Na realidade a proposta do desbravador Francisco de Souza Faria era abrir um caminho ao sul para chegar aos campos de Viamão e de lá abrir trilha por cima da serra para levar gado às feiras de Sorocaba, em SP. Com receio do sucesso dessa empreitada na qual pudesse concorrer economicamente com Laguna, Francisco foi estimulado a abrir um caminho nas imediações do Rio Araranguá, projeto esse quase impossível devido à geografia acidentada. Por alguns meses Faria concluiu sua meta, abrindo finalmente uma trilha que foi popularizada de Rota dos Conventos.

Entretanto essa rota ou trilha manteve-se atuante por pouco tempo, pelo fato da abertura de nova rota, agora sim a partir de Viamão, como havia sido idealizado por Francisco Faria. Mesmo assim, o Caminho dos Conventos e outros tantos caminhos adjacentes tiveram importâncias relevantes no surgimento de pequenos núcleos de povoamentos que mais tarde contribuíram para a consolidação do pujante distrito, hoje município de Araranguá.

Esses complexos e emaranhados caminhos, rotas, ajudaram na intercomunicação, apoio militar contra os espanhóis e trocas comerciais entre a região das missões, campos de vacaria, com o litoral, porto de Laguna e o nascente atracadouro da foz da Barra Velha, considerara a primeira comunidade oficialmente constituída no extremo sul de Santa Catarina. Mais tarde, por fatores geográficos, bem como qualidade do solo satisfatória para a agricultura e pequena pecuária, as famílias de Barra Velha paulatinamente foram se transferindo para onde é hoje a foz do Rio dos Porcos. Na época esse mesmo afluente do rio Araranguá foi chamado de Cangicassu, que em idioma tupi-guarani era conhecido por “rio grande e comprido”, margem esquerda. Na obra escrita é destacado o nome de Cangica, que faz referência a atual canjiquinha.

 Com o passar do tempo, a partir dos acordos ou tratados entre Portugal e Espanha sobre as terras ao sul, o território abrangendo o RS e SC foi assumindo as características de limites como as atuais. A região do vale do Araranguá, até 1850 já possuía uma expressiva leva de moradores, na sua maioria, posseiros, ou seja, ocupavam as terras, porém não possuíam registro cartorial de proprietários. Com a legislação de terras de 1850, criada pelo governo imperial, essas áreas ou sesmarias passaram a ser adquiridas por uma esperta elite econômica e política.

Alguns, de imediato, adotaram a estratégia de expulsão dos posseiros, caboclos, outros, porém, foram mais sutis, mantendo-os nas terras, condicionando-os a produzirem e transferindo os excedentes aos “proprietários” dos pequenos latifúndios.  Esse sistema deu inicio a um processo de acumulação de capital, que por sua vez, exigia cada vez mais um regime de ordenamento jurídico, burocrático, a favor dessas elites que irão desencadear todo o processo de emancipação político administrativo do jovem/velho município de Araranguá.

É obvio que a intenção desse texto foi fazer um rápido preâmbulo da primeira obra sobre o Vale do Araranguá, tempos heroicos (1605-1842) escrita de forma magnífica pelo professor e historiador araranguaense Wanderlei Souza Gomes Junior. Existem muitos outros fatos relevantes pesquisados que devem ser lidos por todos. Não posso deixar de recomendar, tanto essa obra como a seguinte: o rio, a terra, o povo (1842-1883) do mesmo autor, a todos/as os/as professores/as da rede municipal, estadual e particular do município de Araranguá, para que as leiam e reformulem os seus planos de aula de historia, especialmente aquelas voltadas ao ensino fundamental.     

Prof. Jairo Cesa   

   

  

      

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