domingo, 30 de julho de 2023

 

O ESPERADO FRACASSO NO CUMPRIMENTO DAS METAS DO DECÊNIO DO PNE (PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO) – 2014 a 2024

https://campanha.org.br/noticias/2023/06/20/plano-nacional-de-educacao-tem-90-das-metas-nao-cumpridas-aponta-balanco-do-pne-2023/


Depois de quase quatro anos de intensos debates, conferências e outros tantos eventos envolvendo professores e segmentos da sociedade civil organizada, finalmente em 2014 foi aprovado no congresso nacional o PNE, que demarcaria os rumos da educação brasileira para os próximos 10 anos. Foram elencadas 20 metas e 250 estratégias, que se executadas na sua plenitude, o Brasil romperia definitivamente seu trágico passado de atraso cultural, econômico e social se equiparando aos países com melhores índices de IDH e educacional. Durante os cinco primeiros anos da vigência do plano, construí cinco textos mostrando todo o meu ceticismo acerca do cumprimento das metas e estratégias até o seu final.[1] [2][3][4][5]

De todo o modo já quase expirado os prazos de vigência do plano, a comissão de educação do senado federal vem promovendo audiências públicas para avaliar os avanços e retrocessos nesses dez anos de vigência do plano. O fato é que pouco pouca diferença faria a realização das audiências para constatar coisas que são óbvias e estão às vistas de toda a sociedade, uma educação pública básica aos frangalhos em quase todos os aspectos citados nas metas.

É fato que os retrocessos foram mais evidenciados nos últimos sete anos, a partir do golpe político de 2016, quando ascenderam ao posto de presidente governos ultraconservadores, autoritários, que promoveram intensos ataques e retrocessos à educação pública brasileira.  A aprovação da Emenda 95 que restringe investimentos em serviços públicos essenciais por vinte anos foi uma das medidas que afetou em cheio o cumprimento do PNE, principalmente em se tratando da Meta 20 sobre a elevação para 10% do PIB para a educação pública.

Analisando o gráfico abaixo, percebe-se que nem mesmo o percentual previsto de 7% até 2019 nem chegou perto ficando nos 5% como vinha ocorrendo há anos. O agravante aqui é que por muito tempo parte desses míseros cinco por centos  vem se perdendo  pelos dutos da corrupção ou muitas vezes  assumem outras finalidades bem diferentes dos seus propósitos. Lembra do esquema envolvendo o ministro da educação do governo passado beneficiando pastores aliados a prefeitos com desvio de recursos do MEC para construção de igrejas. Esse é só um exemplo de muitos outros que acontecem todos os dias no Brasil.    


Além da meta 20 que não vai ser cumprida de jeito nenhum, destacamos também a meta 15 cuja promessa era fazer com que todos os  envolvidos com a educação, porteiro, faxineira, merendeira, etc, tivessem  formação profissional, além de planos de carreiras com piso salarial a altura do cargo ocupado. Foi acordado no plano que em dez anos, ou seja, até 2024, todos os docentes que atuassem do nível infantil ao médio teriam que ter curso superior. Infelizmente os números mostram que ainda está muito longe para o cumprimento dessa meta. Pois prestemos atenção no gráfico abaixo, a educação infantil anos iniciais eram 62% dos profissionais em 2022 que possuíam formação universitária. No ensino fundamental, do primeiro ao quinto ano, são 71,2%;


No ensino fundamental, anos finais, dos sextos aos nonos anos, são 58,5% de docentes que exercem o trabalho conforme sua habilitação acadêmica. Isso quer dizer que 41,5 % ou estão trabalhando em área não corresponde a sua formação ou não possuem titulação acadêmica ao exercício do cargo.  Incrível que no ensino médio ainda tem 34,4% de professores não habilitados ao cargo que ocupa. A realidade no ensino médio, não tão diferente do fundamental são mais de 30% de trabalhadores que vivem essa situação, basta observar o gráfico abaixo.  


 

Se já são absurdos os números mostrados relativos à Meta 15 sobre formação superior dos docentes brasileiros, é mais estarrecedor ainda quando analisamos a quantidade de professores com pós graduação e os percentuais recomendados até 2024. Quando é mencionado pós-graduação, se inclui aí especialização, mestrado e doutorado. Dados de 2021 confirmavam que do total de 44,7% dos docentes que continuaram os estudos depois da graduação, 40,07 possuíam especialização; 3,3% mestrado e, por último, 0,8% com doutorado.   

 


 

Geralmente quem faz uma especialização, a instituição responsável pelo curso não exige a apresentação de uma pesquisa stricto sensu, obrigatória para quem ingressa no mestrado doutorado. Aqui está uma das causas da extrema carência de trabalhos científicos desenvolvidos no ensino básico, pois muitos têm dificuldade ou desconhecem as metodologias de iniciação a investigação cientifica.   Em 2015 tive a oportunidade de conhecer os países nórdicos, Suécia, Noruega e Finlândia. No entanto, na época, quando estava na capital finlandesa Helsinque, visitamos uma escola e procuramos conhecer melhor o modelo pedagógico adotado que contribuía para colocar o país nas primeiras posições entre os quase cem países que fazem parte do OCDE.

A resposta que tive foi a seguinte: “um dos aspectos importantes na educação finlandesa é a qualidade profissional dos docentes, aliada a uma excelente infraestrutura. Todos os professores devem ter mestrado no momento da contratação. O profissional quando se deparar com alguma dificuldade em sala de aula poderá solicitar apoio de uma auxiliar, atém mesmo levar o caso ao comitê de socorro, que incluirá diretores, pais, psicólogos e outros profissionais. Na Finlândia não é desenvolvida avaliação externa para professores. Quando ao currículo básico nacional, o mesmo pode sofrer adaptações seguindo as peculiaridades de regiões e municípios”.  

Nas sociedades modernas um dos principais pilares de equilíbrio aos conflitos de interesses é a democracia, tanto representativa quanto participativa direta. Todos sabem os terríveis impactos gerados a uma sociedade quando regimes autoritários ocupam o poder fazendo valer o mando das armas. Nas escolas não são diferentes. Por décadas, séculos, as escolas sempre tiveram seus gestores indicados por conveniências político partidárias. Após a constituição de 1988 e a aprovação da LDB, 9394/96, um das maiores desafios da sociedade brasileira era fazer com que a democracia também virasse realidade em todas as instituições de ensino público brasileiro.

Entretanto, quase quarenta anos mais tarde a aprovação da LDB e nove anos do PNA, o que temos está demonstrado no gráfico abaixo, relativo à Meta 19, que expressa o percentual de escolas públicas que selecionam diretores por processo de seleção, qualificado e eleição com participação da comunidade escolar. A intenção era que até 2024 todas as escolas públicas tivessem implantado suas políticas de gestão democrática. Analisando o gráfico abaixo o que se nota é algo estarrecedor, são apenas 6% das escolas publicas brasileiras que implementaram a gestão democrática. É muito pouco para um país que almeja integrar as grandes potencias econômicas. 

É possível que o estado de santa Catarina esteja inserido nesse gráfico, mesmo estando à rede pública estadual contemplada parcialmente com a gestão democrática sancionada por meio de decreto.  Por que parcialmente?  O primeiro ponto merecedor de criticas sobre a gestão democráticas nas escolas públicas estaduais foi o instrumento utilizado pelo governo, adotado por meio de decreto e não por lei aprovada na ALESC. Um decreto pode ser suprimido a qualquer tempo pelo executivo, enquanto lei os passos são mais complexos. O segundo ponto se deve ao fato de o decreto criar uma serie de regras de barreiras que confronta com os princípios democracia entendida na sua forma plena.

Em 2013 escrevi um texto criticando na época o governo Raimundo Colombo por não cumprir a lei federal sobre o piso do magistério entre outros assuntos. Destaquei no texto também a minha indignação ao decreto 1794/2013 que estabeleceu o processo de gestão democrática nas escolas. Disse que: “o decreto era uma farsa no quesito democracia, quando diz que o candidato para concorrer deverá ter curso de PROGESTÃO, exclusividade essa apenas para diretores. Além do curso como critério, o decreto estabelece também que o candidato apresente um projeto pedagógico no qual passará por uma “severa” avaliação de uma banca examinadora. A dúvida é quem são os examinadores e quais critérios considerados na hora a seleção. Outro dado questionável que merece reflexão é quanto a escolha dos assessores, subdiretores, secretários, etc, que ficam submetidos à decisão do diretor geral”.[6] Em ruim ou bom, até o momento esse procedimento segue nas escolas públicas estaduais.

Em se tratando de escolas públicas municipais a realidade é bem mais caótica do que se imagina.  O MPSC, em 25 de novembro de 2021, lançou nota técnica sustentando que diretor de escola publica deve ter qualificação técnica e ser escolhido com a participação da comunidade escolar. A nota apresentada pelo Ministério Público foi motivada depois de constatar que 75% dos municípios catarinenses não vinham cumprindo com a Meta 19 relativa a gestão democrática.[7] Essa meta, entre as  outras dezenove, foram criadas por meio do decreto 13.005/2014. A eleição de diretores, conforme o decreto, todas as escolas teriam que elaborar seus planos num prazo de dois anos após a promulgação do mesmo. Realidade essa não contemplada por mais de 200 municípios catarinenses. 

Há cerca de dois meses o TCE em decisão ao município de Passo de Torres reforçou a importância da gestão democrática na educação. O argumento do tribunal era de que o município não vem cumprindo o PNE e o PME no qual estabeleceu prazo de dois anos para sua execução. Diante da inexistência de plano, o órgão estadual deu prazo de 180 dias para que o executivo encaminhe projeto à câmara municipal a fim de que os vereadores aprovem o respectivo projeto de lei.[8]

A pergunta que fica é se tal medida do TCE/SC se estende também para os demais municípios catarinenses que não estão cumprindo com a META 16? Se, de fato, contemplará os demais municípios é bem provável que Araranguá estará na lista do tribunal. O que estranho é o fato de o município ter implantado a Meta 19 por meio de decreto n. 9.020/2019, e sedo suprimido em 2021, agora por meio da lei n. 020/2021, da qual ficou com a seguinte redação.[9] Nessa ocasião dois vereadores um do PT e outro do PP tentaram alterar o art. 19 dessa lei apresentando emenda substitutiva de n.002/2021, na câmara de vereadores, que foi rejeitada.    


Outro desafio histórico no Brasil é fazer com que todos os estudantes de escolas públicas permaneçam na instituição durante os dois turnos, ou seja, período integral.  Embora não tenha tido sucesso no primeiro decênio, 2000 a 2010, no decênio seguinte, 2014 a 2024 a expectativa era atingir, 50% dos alunos do público alvo. Acontece que em 2021 não havia atingindo nem o limite mínimo de 25%, ficando com 22,4%. O problema é que parcela significativa dos estudantes das escolas públicas exerce algum trabalho contra turno para ajudar na renda familiar.


      Para concluir vou discorrer a meta 17 que se atendida que de fato não ocorrerá a profissão docente recuperaria sua dignidade e respeitabilidade frente as demais áreas profissionais. Já perceberam que um médico, um advogado, um engenheiro ou qualquer outra profissão, o contratado tem direito a um piso salarial equivalente a sua formação. A meta 17 teria por finalidade superar esse abismo salarial envolvendo o magistério e outras profissões com o mesmo nível acadêmico.   Em 2022, o gráfico abaixo mostra que a media salarial do magistério permanecia ainda distante das demais categorias, isto é, 82,2%


Prof. Jairo Cesa

https://sinte-sc.org.br/files/1081/Decreto_Plano_de_Gesto_Escolar.pdf

https://leismunicipais.com.br/a/sc/a/ararangua/lei-complementar/2016/19/186/lei-complementar-n-186-2016-dispoe-sobre-a-organizacao-interna-da-administracao-municipal-de-ararangua?q=186

https://leismunicipais.com.br/a/sc/a/ararangua/decreto/2019/902/9011/decreto-n-9011-2019-dispoe-sobre-a-eleicao-de-diretores-das-escolas-basicas-da-rede-publica-municipal-de-ensino-e-da-outras-providencias?q=9011

https://www.files.agorasul.com.br/wp-content/uploads/2021/07/20210713-projeto-do-executivo.pdf

 

 

 



[6] https://www.blogger.com/blog/post/edit/8334622275182680372/636941388336194856

[8] https://www.tcesc.tc.br/em-decisao-sobre-municipio-do-sul-do-estado-tcesc-reforca-importancia-de-gestao-democratica-na#:~:text=Uma%20decis%C3%A3o%20do%20Tribunal%20de,para%20o%20cargo%20de%20diretor.

[9] “§ 2º Os cargos de Diretor de Escola Básica, Secretários de Escola Básica, Auxiliar de Direção de Escola Básica, Diretores de Escolas Reunidas, Coordenadores de Centros Educacionais Infantis e Auxiliar de Coordenação de Centros Educacionais Infantis da rede municipal de ensino, todos com as atribuições abaixo descritas, serão exercidos por profissionais de livre nomeação e exoneração do Prefeito, através dos cargos de confiança constantes do Anexo I, desta lei.

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