sábado, 9 de novembro de 2019


AS VEIAS CONTINUAM ABERTAS DA AMÉRICA LATINA


Quando em 1986 entrei na FESC, hoje UNUSUL, para cursar história, pude ter contato com uma das obras primas da literatura latino americana, cuja leitura mudou minha compreensão sobre o processo de ocupação da América latina durante a expansão marítima espanhola e portuguesa, o real motivo da população até aquele momento manter-se subjugada a um quadro de miséria assustadora.  A obra literária a qual me refiro se chamava as Veias Abertas da America latina, escrita pelo professor uruguaio Eduardo Galeano. 
O professor Galeano trouxe a superfície, cenários assustadores de indígenas submetidos a trabalhos estafantes nas minas de prata, cobre, ouro, para saciar o desejo de poder e ostentação dos nobres e seus asseclas. Por estar quase toda a America Latina sob o domínio espanhol, exceto uma pequena fração de terra mais ao sul, controlada pelos portugueses, ambos adotaram modelos organizacionais semelhantes, mercantilista escravocrata.
O pau brasil, cana de açúcar, café, algodão, borracha, entre outros produtos de extrativismo vegetal e mineral, financiaram impérios e transformaram a Europa, tirando-a de um atraso econômico secular. Ainda hoje é visto nas decorações de igrejas e suntuosos palacetes aqui e na Europa o brilho reluzente do ouro, da prata, onde ainda verte o sangue, suor e lágrimas, de homens, mulheres e crianças que sacrificaram suas vidas sob as ordens dos déspotas.
Embora o domínio português e espanhol sobre a América latina tenha sido suprimido e surgido nações autônomas, com governos próprios, as marcas do colonizador jamais foram dissipadas. A submissão de homens, mulheres e crianças a trabalhos insalubres e com salários baixos permaneceram enraizadas nas culturas.  Muitos séculos se passaram, a América latina se modernizou, porém não suficientes para romper definitivamente com os grandes bolsões de miséria e o jugo dominador das grandes potências econômicas mundiais.
Inglaterra e depois Estados Unidos, final do século XIX e começo do XX, fincaram aqui suas afiadas garras, subjugando governos para a aplicação de modelos produtivos que os tornariam dependentes, como colônias fornecedoras de produtos primários. Terminou o século XX, e o cenário econômico, político e social de quase todas as ex-colônias espanholas e portuguesas na América Latina continuavam desolador.
Freqüentes golpes de Estados e a ascensão de regimes ditatoriais sangrentos deram o tom em muitos países latinos, financiados por potências econômicas interessadas em manter aqui seu domínio econômico. Algumas experiências de governos populares promoveram discretas transformações sociais, não ao ponto de reverter as profundas desigualdades sociais que insistem em permanecer como um vírus incurável. Todos os problemas que assolam milhões de cidadãos e cidadãs latino americanos têm sua raízes no modo como a região foi ocupada há mais de cinco séculos.
O século XXI tem se configurando como um período de grandes retrocessos econômicos e sociais. Os modelos econômicos neoliberais protagonizados por grandes potências econômicas, disseminados entre os países periféricos como o Brasil através do FMI e Banco Mundial, vêm provando que a América Latina permanece com suas veias abertas, onde alimenta com seu sangue os privilégios de uma pequena fração de bem nascidos cidadãos.
A ascensão de governos ultra liberais, a exemplo do Brasil, é uma demonstração cabal do impacto resultante do baixo investimento em educação e cultura. Quando vemos governos se vangloriando por assinar acordos de livre comércio entre a União Européia e o MERCOSUL, isso prova que nada aprendemos com o passado. O levante popular no Chile contra as políticas reformistas sanguinárias, a vitória eleitoral de Fernandes na Argentina e Morales na Bolívia, são sinais de que ainda pulsa esperança de um dia conquistarmos nossa verdadeira liberdade.
Prof. Jairo Cezar       

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