quinta-feira, 10 de abril de 2014

A LGC (Lei Geral da Copa) e suas implicações na vida dos brasileiros

A partir da última edição da copa do mundo realizada na África do Sul, em 2010, a atual que se transcorrerá no Brasil e as duas edições seguintes, Rússia e Catar, ambos os países apresentam democracias ou fragilizadas ou geridas por regimes absolutistas como o Catar, que sediará o mundial de 2022. O que tudo isso tem a ver com o dia a dia de milhões de pessoas que vivem nesses países? Tudo! A FIFA fundada em 1904 e considerada uma das maiores organizações esportivas do atual mundo globalizado, que agrega mais de duzentas federações afiliadas, vem se constituindo como um Estado paralelo quando o assunto é copa do mundo.
São tantas as exigências impostas pela entidade no momento da seleção, que o país contemplado é forçado a se subordinar a uma espécie de constituição paralela ou Legislação de Exceção, que assegura as empresas contratadas para a realização das obras de infraestrutura privilégios excepcionais como a suspensão das licitações. São, portanto, bilhões de reais disponibilizados e oriundos de bancos públicos como o BNDS, a juros irrisórios, para o financiando de verdadeiros “elefantes brancos” como as Arenas Cuiabá, Manaus, Natal, entre outras, que depois de concluídas e finalizadas as competições, os quarenta ou cinquenta mil assentos disponibilizados ficarão obsoletos ou semiocupados em jogos envolvendo equipes sem expressão local ou nacional como o Mixto e o Cuiabá (MT), São Raimundo (AM), América e CRB (RN), etc., algumas dessas agremiações não disputam as divisões intermediárias do campeonato nacional. E os custos de manutenção dessas arenas, quem arcarão? Presume-se que os respectivos estádios citados terão o mesmo destino como o Ninho do Pássaro, construído em Pequim/China para as Olimpíadas, e os da África do Sul, obsoletos e bem dizer abandonados.
O que dizer da remoção forçada de cifras que ultrapassam duzentas mil pessoas em algumas cidades sedes brasileiras, cinquenta mil aproximadamente somente no município do Rio de Janeiro, para dar lugar a obras de infraestrutura e “higienização” (limpeza) condicionadas aos eventos previstos como copa do mundo e olimpíadas? E o envolvimento das três forças armadas no processo de pacificação dos morros e favelas do Rio de Janeiro, cuja mídia coorporativa a serviço do capital maquia as informações divulgando a falsa ideia de que a ação é necessária porque visa exclusivamente retomar o controle do estado sobre áreas dominadas pelo tráfico e garantir “segurança” à população. Muitos dos que foram forçados a abandonarem suas casas e transferirem-se para lugares distantes, cinquenta quilômetros aproximadamente, não obtiveram proteção devida do Estado, ou seja, a garantia mínima de uma nova alocação sem prejuízo econômico e social.
Com a “pacificação” das ditas áreas ocupadas por favelas próximas a área central da cidade, o resultado foi a valorização financeira desses espaços que por sua vez contribuiu para a intensificação da especulação imobiliária envolvendo grandes empreiteiras. Transferir populações marginalizadas para áreas distantes da qual viviam segue a mesma política adotada pelo município décadas atrás quando cortiços ou casebres foram destruídos e justificados pela necessidade de higienização da cidade. Como acreditar que através do simples deslocamento de centenas de militares fortemente armados para as respectivas áreas será possível contornar um problema crônico que tem sua causa o próprio modelo econômico que se alimenta e se reproduz das desigualdades sociais existentes.            
Se uma pequena fração dos bilhões de reais utilizados nas obras estruturantes estivesse sendo aplicados na melhoria das condições de vida dessas populações, esquecidas e abandonadas pelo Estado, talvez hoje não estivessem reféns do tráfico, da violência e nem tão pouco submetidas ao controle das forças armadas. Poucos sabem também que durante a realização dos jogos estarão suspensas a validade do estatuto do idoso e o Código de Defesa do Consumidor, tudo minuciosamente planejado e acordado entre as partes e explicitado na LGC (Lei Geral da Cópia), Lei n. 12.663/12 para beneficiar empresas parceiras da FIFA. Dentre outros acordos inconvenientes que também afronta leis nacionais destacamos a liberação da venda de cerveja nos estádios durantes os jogos exclusivamente para beneficiar a principal multinacional americana  Budweiser. Em relação a esse tema, na copa do mundo da Alemanha, em 2006, as cervejarias nacionais conseguiram na justiça vetar tal dispositivo assegurando a comercialização das marcas locais nos estádios.
Uma situação semelhante ocorreu na cidade de Salvador (BA) cuja tradição é a comercialização do Acarajé no entorno e interior  dos estádios  durante as partidas de futebol. A FIFA na tentativa de favorecer uma multinacional de FEST FOOD tentou assegurar que tal iguaria regional tivesse seu comércio proibido num raio de dois quilômetros  durante os jogos, sem sucesso. E sobre à venda dos ingressos para os jogos que além de serem questionáveis os procedimentos para os sorteios, tem o agravante de penalizar os compradores na hipótese de quererem desisti-los independentemente dos motivos. De acordo com a LGC (Lei Geral da Copa), a FIFA tem direito assegurado reter 10 a 20% do valor total do ingresso no instante da desistência e devolução do dinheiro ao  comprador, decisão que afronta em cheio o código do consumidor que permite o cidadão, na compra pela internet, ter o reembolso total do valor pago num prazo de sete dias antes da realização do evento. 
E a lei antiterrorismo que visa enquadrar manifestantes como dos bleck blocs e de outros grupos que saíram às ruas em junho de 2013, em criminosos comuns que ameaçam a ordem pública? Não podemos esquecer que todas essas medidas que estão sendo adotadas fazem parte do pacote de recomendações impostas pela FIFA. É ou não é a respectiva entidade um Estado Paralelo, tão poderoso que consegue fazer com que seus governantes se curvem a ponte de sofrerem humilhações como no episódio em que um representante da entidade indignado com os atrasos das obras expressou publicamente que o governo brasileiro deveria receber um chute no traseiro como punição pelos atrasos. Qual a punição recebida por tal dirigente? Nenhuma.      
Faltam três meses aproximadamente para o início das competições e a população brasileira que na época da escolha da sede tinha recebido com entusiasmo e euforia a escolha do Brasil, não demonstra o mesmo sentimento hoje, paira no semblante dos mais céticos uma aura de expectativa e preocupação, são bilhões de reais que deverão ser pagos após o evento, acredita-se, que tais recursos sairão dos bolsos dos contribuintes, pagando mais caro pelo quilo do arroz, feijão, leite e outros produtos de primeira necessidade. E a FIFA, qual sua responsabilidade em todo esse passivo financeiro? Nenhum. A única beneficiada nesse mar de falcatruas e irregularidades que paira sobre as obras em andamento é que a entidade e seus parceiros terão lucros líquidos superiores a um bilhão de dólares. Isso mesmo. Essa é uma das razões pelas quais há anos países com democracias mais consolidadas vêm se recusando a aceitar eventos protagonizados por essa entidade.
Acredita-se que milhões de pessoas na expectativa do começo da copa no dia 12 de junho quando o Brasil estreará esqueceram que no estádio onde Neymar e outros tantos jogadores que recebem salários milionários, o Itaquerão, perderam a vida três trabalhadores, sendo o último, no dia 31 de março, cujas explicações da causa morte são controversas. É claro que dificilmente serão as empreiteiras responsabilizadas pelos incidentes no Itaquerão que segundo informações obtidas dos bombeiros que vistoriaram o local constataram 26 (vinte seis) irregularidades, além da estafante jornada de 16 horas de trabalho diário que são submetidos os operários, justificadas pelas horas extras. Não podemos esquecer que historicamente no Brasil o montante dos recursos que financiam os  eleitorais são oriundos de empreiteiras e empresas de transportes coletivos. Esse é um dos motivos que faz com que nos planos diretores dos municípios brasileiros, temas como mobilidade e ocupação urbana sejam sempre polemizados ou postergados para o final na expectativa de barganhar benefícios.
   Observem que tanto a África do Sul como Brasil e a Rússia são repúblicas ainda fragilizadas cujas instituições e  partidos políticos volta e meia aparecem no cenário nacional e internacional envolvidos em denúncias de corrupção. São essas as nações que se enquadram perfeitamente no padrão FIFA, falta de transparência, analfabetismo estrutural, democracia fragilizada, passividade do povo, entre outros. 

Prof. Jairo Cezar              

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