sábado, 20 de abril de 2024

 

DESDOBRAMENTOS ACERCA DO POLÊMICO PROJETO DE REFORMA DO PREDIO HISTÓRICO DA IGREJA MATRIZ NOSSA SENHORA MÃE DOS HOMENS

https://portalc1.com.br/ararangua-comunidade-protesta-contra-mudanca-na-fachada-do-santuario-n-sra-mae-dos-homens/


O polêmico e controverso caso envolvendo uma virtual restauração/reforma da parte frontal do prédio histórico da Igreja Matriz de Araranguá, que gerou acirradas discussões nas redes sociais, abriu debate para outro tema importante no município, o tombamento de edificações de relevância histórica, como o próprio prédio da igreja erguido em 1957.  Um município como Araranguá com quase trezentos anos de história e palco de importantes acontecimentos como a Guerra dos Farrapos, a Revolução Federalista e a Revolução de 1930, entre outras, seus gestores públicos e a própria sociedade não conseguiram manter de pé parte de sua relevante arquitetura histórica.

A segunda igreja matriz inaugurada em 1902, o coreto, na parte central do Jardim Alcebíades Seara e a antiga prefeitura, construída na década de 1920, são alguns desses espaços ou estruturas, que foram demolidos, dos quais geraram imenso vazio existencial dos cidadãos araranguaenses e certamente de todo o Grande Araranguá.  Incrível que muitas cidades catarinenses, com idades similares ou um pouco mais jovens à das avenidas, tem as edificações históricas, igrejas, prédios públicos, monumentos, das áreas centrais completamente preservadas. São Francisco do Sul, Florianópolis, Laguna, Itajaí, Tubarão, são alguns exemplos de municípios onde é possível transitar pelas ruas centrais e contemplar a atmosfera do cotidiano dos moradores que habitavam esses espaços.

Se Araranguá é tão ou mais antiga que Itajaí e Tubarão, cidades que têm preservado seus centros históricos, até mesmo tendo sido tombados por legislação municipal e estadual, por que o município do extremo sul não teve a mesma “sorte” com a sua história material? Claro que são muitas as respostas hipotéticas, porém, o fato é que a descaracterização exacerbada de sua “maquinaria arquitetônica” tem relação com o modelo de gestão pública adotada durante as últimas décadas, embasadas em uma visão pueril de modernidade, onde o velho/antigo passa ser uma representação de antiquado, ultrapassado.

Aqui a supressão de edificações como o coreto, residências, prédios e passeios públicos, considerados de extraordinário valor histórico e cultural, passou a tomar caráter de normatização no dia a dia dos cidadãos. Tudo acontece de repente, pois em poucas horas retroescavadeiras adentram no pátio de uma residência e põe abaixo setenta, oitenta ou até mais anos de historia. O que é mais impactante nessas ações demolidoras é o fato de o município de Araranguá ter uma legislação criada na década de 1980 que delibera regras sobre o manejo de tais edificações. Dessa data em diante nenhum governo que ocupou o paço municipal, muito menos o poder legislativo abraçaram essa causa, que era regulamentar a própria legislação sobre o patrimônio material e imaterial do município.

É importante ressaltar que quando falamos de patrimônio não nos referimos exclusivamente ao histórico, cultural, há também o patrimônio natural, no caso de Araranguá o mais conhecido pelo seu imenso caráter paisagístico e estético é a Paleofalésia do Morro dos Conventos, popularmente conhecida como paredão, no qual foi transformada em 2016, por meio de decreto, no MONA-UC (Monumento Natural Unidade de Conservação).   Acontece que como qualquer lei ou resolução, o decreto estabeleceu inúmeras demandas obrigatórias atribuídas aos gestores públicos, dentre elas auxiliar a criação de um grupo gestor para coordenar todas as ações na estruturação da Unidade de Conservação.  2017 em diante tudo continuou parado, até que em 2022, a atual administração decidiu, também por meio de decreto, alterar dispositivos do MONA-UC, bem como a revogação do decreto que criou a APA Área de Preservação Ambiental.

Com uma canetada o poder público conseguiu mudar o decreto reduzindo significativamente a área de abrangência do mesmo, tudo com o claro objetivo de permitir obras de infraestrutura em Área de Preservação. Pouca gente em Araranguá sabe que a faixa costeira do município possui um dos mais significativos sítios arqueológicos do sul de Canta Catarina. Sendo assim são de competências do poder público, órgão ambiental municipal e MPSC, prezarem pela sua preservação. Em relação aos sítios arqueológicos, em 2016 houve uma importante reunião no gabinete do prefeito da época, com a presença de membros do IPHAN/SC, UNESC/IPAT, FAMA, OSCIP PRESERV’AÇÃO e IMPRENSA, para definir ações emergenciais voltadas à conservação dos mesmos.

Até o momento não se tem qualquer informação concreta se houve ou não o cumprimento das deliberações encaminhadas nessa reunião. O procurador do IPHAN propôs ao Juliano, Coordenador do Departamento de Arqueologia da UNESC, que elaborasse projeto orçamentário exclusivo para o salvamento do sítio 48, e depois outro projeto estendido para os demais sítios. Foi sugerido a primeira semana de agosto de 2024, o dia 10, como dada do próximo encontro, com o convite estendido aos demais órgãos municipais, como educação, cultura e turismo.  Acontece que os sítios continuam abandonados e suscetíveis ao vandalismo, principalmente por veículos tracionados que ousam transitar por essas áreas, APP, onde estão os sítios.

Se há hoje toda uma comoção pela a preservação da fachada da quase centenária igreja matriz, esse mesmo engajamento também deve ser direcionado aos demais bens históricos que estão sob riscos de descaracterização ou até mesmo desaparecimento definitivo, como exemplos os sítios arqueológicos samabaquianos, o abrigo sobre rocha e o próprio monumento natural Morro dos Conventos. O fato é que tombamento por si só não da garantia segura à preservação. Uma das saídas é o engajamento da sociedade como guardiões naturais desses espaços. A escola é em essência o ambiente propício para a construção de cidadãos engajados com as causas históricas do seu ambiente de convívio. A fragilidade estrutural dos espaços de ensino, bem como a débil formação dos profissionais/professores no quesito patrimônio tende a vislumbrar um futuro nada promissor a preservação da nossa memória histórica.

Se muitos dos artigos, parágrafos inseridos na LDB, bem como tantas outras resoluções e legislações homologadas posteriormente estivessem sendo executadas nas escolas, não há dúvida que teríamos muito mais pessoas envolvidas nos movimentos em defesa da nossa memória histórica, sendo um deles o monumento igreja matriz. É notório que para classe política conservadora e segmentos religiosos tradicionais, é até aceitável a existência de uma legião de indivíduos despossuídos de conhecimentos acerca da cultura, pois tudo isso assegura o domínio das elites clericais e civis sobre a política e na vida da população simples, mais efetivamente durante os pleitos eleitorais.

É tão real isso que podemos constatar observando os atuais legisladores eleitos para representarem o povo araranguaense. É só observar o que debatem no plenário e os projetos e indicações aprovados nesses quase quatro anos de mandato. Para a área da cultura, meio ambiente, algum projeto extremamente relevante que causaria impacto positivo às atuais e futuras gerações no campo da educação, nada disso aconteceu.

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