GREVE
DO MAGISTERIO ESTADUAL DE SC - UMA NECESSIDADE À CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE CLASSE DOS/AS EDUCADORES/AS
https://www.nsctotal.com.br/noticias/professores-de-sc-completam-seis-dias-de-greve-em-meio-a-impasse-com-governo |
Quase
duzentos anos depois da criação das primeiras legislações voltadas a uma
educação pública, ainda hoje a estrutura das escolas e a profissionalização
docente no estado de Santa Catarina se mantém aquém do mínimo desejado. Convém
aqui realçar que se o magistério obteve algumas conquistas importantes durante
o seu curso como planos de carreiras e concursos públicos de acesso, isso se deve não ao mérito do
Estado, mas a luta incessante da categoria, desde a criação da ALISC, nos anos
1970 e do SINTE, anos 1980.
Isso
mesmo, tudo que o magistério conquistou até hoje, como gratificações, triênios
e o misero vale alimentação foi porque companheiros/as do passado deram o seu
sangue, sua vida, para que hoje milhares de educadores e demais servidores
públicos tivessem um mínimo de conforto. As primeiras greves desencadeadas no
período pós- redemocratização política tiveram como demandas a construção de
complexos arcabouços legais, que tornassem de fato profissionais todos/as que
ingressassem no magistério público catarinense.
A
luta não se limitou apenas no âmbito da profissionalização docente, pois
faltava assegurar outro importante dispositivo para dar respeitabilidade social,
a remuneração condigna à profissão. Infelizmente nenhum governador que
transitou pela casa administrativa nos últimos quarenta anos cumpriu de fato
suas promessas de campanhas eleitorais que sempre priorizaram três pilares:
saúde, segurança e educação. De certo modo o próprio servidor público estadual,
o magistério, em especial, tem certa dose de culpa pelo estado de desolação que
se encontra hoje.
Durante
os inúmeros pleitos eleitorais a categoria sempre teve bons quadros que se
colocaram a disposição para representá-los nas instâncias do legislativo e do
executivo. Entretanto, concluído os escrutínios, a maioria dos eleitos em ambas
as instâncias sempre foram predominantemente pró-elites que apregoavam programas
de Estado mínimo. É inacreditável que um estado com mais de cem mil servidores
públicos, historicamente sempre teve na ALESC três, quatro ou cinco deputados/as
que os/as representam de fato. E olha que são quarenta assentos disponíveis,
cuja maioria é sempre ocupada por parlamentares de partidos conservadores tradicionais,
que sempre votaram projetos contrários aos interesses dos servidores estaduais.
O
governo passado, eleito na febre do bolsonarismo, sem esquecer que milhares de
votos obtidos foram de servidores, professores da rede estadual, foi alvo de
denúncia por ter desviado milhões de reais que seriam aplicados na compra de
respiradores durante a pandemia do COVID 19. No final foi absolvido por “falta
de provas” acerca das acusações. Seu governo também foi marcado pela fatídica
reforma previdenciária dos servidores do Estado em 2021, cujo projeto de lei teve
uma emenda inserida atingindo, em cheio, milhares de servidores/as aposentados/as,
que passariam a ter o desconto de 14% nos seus proventos, como “contribuição
previdenciária”.
Claro
que tais atrapalhadas administrativas tiveram enorme peso eleitoral. No pleito
de 2022 os votos obtidos não foram suficientes para passar para o segundo
turno, perdendo a vaga para o candidato do PT, Décio Lima. O fato é que o peso
do bolsonarismo no estado foi determinante mais uma vez tanto na derrota do
candidato Moisés à reeleição como na vitoria do candidato eleito, Jorginho
Melo, do PL. Entretanto os alertas de centenas de servidores, integrantes do SINTE,
em especial, de que a eleição do candidato Jorginho Melo, do PL, seria para o
magistério a pá de cal às conquistas históricas que ainda nos restavam, não
surtiram efeitos.
A
aprovação do projeto Universidade Gratuita que deslocaria recursos públicos do
Estado para o financiamento de instituições particulares do ensino superior foi
o primeiro ato anti-servidor público adotado pelo atual governo. O segundo ato
de governo comprovou o seu autoritarismo e de seus aliados no legislativo, que ajudariam
a se perpetuarem a frente desses poderes no estado. O ato que me refiro foi o
dispositivo aprovado que alterou regras relativas às eleições de gestores/as públicos/as
no estado, exigindo dessa vez 50% de participação nos três segmentos,
estudantes, pais e professores.
Esse
governo sabia como todos os que o antecederam que monitorar o processo de
gestão das escolas públicas era estratégico para assegurar ganhos eleitorais. O
gestor/diretor de uma escola tem na comunidade forte influência devido ao seu
poder simbólico, quase comparado a um sacerdote em termos de capital simbólico.
Não havendo eleições é claro que a escolha se dará mediante afinidade político
partidária, tarefa que ficará sob a responsabilidade dos seus apadrinhados
políticos locais, vereadores, presidentes de diretórios, deputados, etc.
Historicamente
esse foi um instrumento muito utilizado no estado, fortalecido ainda mais
quando da existência das SDR – Secretarias de Desenvolvimento Regionais, órgão que
abrigava milhares de apadrinhados e que garantiram eleições e reeleições de
muitos governadores e deputados/as estaduais. A ascensão de Jorginho Melo ao
cargo de governador, agora representado por um partido de tendência extremista
acende uma luz amarela no final do túnel para os professores e demais
servidores estaduais.
A
greve dos trabalhadores da educação que se desencadeou há pouco mais de uma
semana, a primeira nos últimos dez anos, tenderá a se estender por muito tempo,
como foi no passado, quando tivemos governadores que se utilizaram de métodos
extremos para o esvaziamento do movimento. O discurso proferido no domingo
passado, 28 de abril, em horário nobre na televisão, o governador se utilizou
daquilo que o seu “guru”, Jair Bolsonaro, adotara com eficiência no posto de
presidente da república, mentir, mentir, mentir.
Sabendo
que os/as professores/as já estão bem calejados/as dessas estratégias de
caráter autoritário por parte dos seus representantes, o que poderá acontecer a
partir do ato dos professores em 30 de abril é o aumento significativo da
adesão ao movimento. Deixar bem claro que uma greve é o momento em que o/a
trabalhador/a passa a se interar de fato dos seus direitos, além do mais,
momento de construção da sua consciência de classe. É exatamente o que está
faltando ao magistério catarinense, profissionais imbuídos de criticidade política.
Quem participa de um movimento, qualquer que seja, uma greve, por exemplo,
jamais será o mesmo no seu término. Sua postura frente aos colegas, aos
discentes, enfim, a todo o conjunto da sociedade será de alguém mais lúcido,
mais crítico, com forte empoderamento político.
Prof.
Jairo Cesa