quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

 

O ESPECTRO DO APADRINHAMENTO POLÍTICO RONDA AS ESTRUTURAS DE GESTÃO DEMOCRÁTICA DAS  ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE SANTA CATARINA

A redemocratização do Brasil depois de vinte anos de regime militar deve ser  considerado como uma grande conquista da sociedade brasileira. Claro que não é somente o voto, o ato de escolher seus/as representantes políticos que irá assegurar vida digna e prosperidade para todos/as os/as trabalhadores/as.  O voto, repito,  é um instrumento da democracia, porém não suficiente para a plena consolidação dos direitos, tão vulneráveis,  tão frágeis em sociedades como a nossa.

Quando falamos de democracia plena, estamos nos reportando às  múltiplas experiências que o voto pode proporcionar à diversos segmentos da sociedade: sindicatos, associações de moradores, condomínios, grêmios estudantis, escolas, etc. Lembro de uma frase dita e sempre repetida por um amigo, professor e sindicalista Nilson Matos Pereira, que nos deixou há 18 anos sobre eleições para diretores/as de escola. Ele dizia que não importava quem vencesse o pleito, porém, que fosse assegurando o processo de escolha, independentemente das tendências políticas do/a candidato/a. Infelizmente esse amigo nos deixou sem ter vivido essa realidade nas  escolas publicas estaduais do estado de Santa Catarina.

Enquanto muitos  estados da federação já haviam implantado esse dispositivo de eleição direta nas escolas públicas estaduais e municipais, Santa Catarina resistia com tenacidade para que o processo aqui permanecesse por indicação política. Claro que esse instrumento era um mecanismo político eficaz para assegurar a permanência das oligarquias no poder, todavia o/a gestor/diretor/a indicado se configuraria  em importante “cabo eleitoral mor” a serviço dos partidos e das elites políticas conservadoras de plantão, ramificadas em todas as regiões e que se perpetuavam no poder.

Por décadas todas as escolas estaduais, os/as diretores/as eram indicados/as por vereadores/as, deputados/as ou por diretórios municipais, ambos, geralmente sem qualquer vínculo com a educação pública estadual. O próprio diretor/a indicado/a, costumeiramente não possuía experiência alguma em gestão escolar, muito menos vínculo com a unidade de ensino, onde fora empossado. O resultado, portanto, todos/as que trabalharam com educação viveram na pele por décadas, verdadeira bagunça, perseguição política, cuja escola mais parecia um “curral eleitoral” que uma instituição de ensino.

Com a criação do SINTE, Sindicato dos Trabalhadores da Educação da Rede Estadual, uma das bandeiras de luta da categoria era a regularização de dispositivo da constituição do estado para que fosse assegurada a gestão democrática nas escolas. Jamais os governos que se sucederam no pós-regime militar ousaram em regularizar tal dispositivo. Entretanto, nas margens do poder constituído, algumas escolas do estado vivenciaram por pouco tempo e à revelia da lei experiências bem sucedidas de gestão democrática.

A proposta era fazer com que a comunidade assumisse de fato e de direito a escola, por ser ela pública, do povo, e não dos governos e políticos de plantão. Acontece que após a conclusão dos pleitos,  claro que a revelia de legislações, a dificuldade foi fazer com que o executivo estadual referendasse o processo. A resistência sempre foi maior quando os/as eleitos/as tinham algum vínculo com partidos ou forças políticas progressistas, que não integravam o escopo conservador do Estado. Mas, de fato, foram experiências exitosas.

As escolas que conseguiram  assegurar o processo, mantendo os gestores eleitos pela comunidade, mesmo sendo  não alinhados as forças conservadoras, seus membros respiravam ares de empoderamento e de elevada auto estima. Cabe aqui citar uma dessas escolas cujo processo de escolha reverberou em todo o estado. A unidade de ensino foi a Escola Estadual Bernardino Sena Campos, no bairro Coloninha/Araranguá-SC.

Infelizmente esse gostinho de democracia nas escolas durou pouco tempo, pois os governos eleitos e sua poderosa máquina de correligionários, de políticos oportunistas, faziam valer suas forças de persuasão, indicando para essas escolas seus apadrinhados. Foi somente no começo da segunda década de 2000 que por meio de  decreto e não de legislação específica, as escolas públicas estaduais de Santa Catarina tiveram a oportunidade de eleger os seus gestores.

Muitas críticas foram desferidas pelo sindicato/SINTE ao governo da época por não ter acatado as proposições da categoria que almejavam um modelo de gestão diferente  ao que estava lavrado no decreto.  Uma dessas desaprovações se deve ao fato de ter o governo instituído o sistema de gestão por meio de decreto e não legislação, como estava apregoada na constituição. Decretos são dispositivos facilmente modificáveis ou suprimidos por qualquer um que vier ocupar o executivo estadual.

Bom ou ruim, todas as escolas da rede estadual, de três em três anos passaram a  experenciar escolhas de seus diretores e assessores diretos por meio de votos. Claro que para ter direito à participação do pleito o candidato teria que apresentar  um plano de gestão para a escola, correndo o risco até de indeferimento do plano e o  diretor deixar de ser empossado.  Por cerca de dez anos  o sistema de gestão democrática permaneceu inalterado, sendo eleito, portanto,  o candidato que conquistasse maioria simples  dos votos nos três segmentos, estudantes, professores e pais. 

Quando se imaginava que o sistema de gestão nas escolas estaduais tenderia a avançar ainda mais, sepultando  para sempre  as práticas politiqueiras de condução das escolas,  transforma-las em currais eleitorais para contemplar elites políticas e econômicos, veio o retrocesso. Em novembro de 2022 os catarinenses elegeram um novo  governador com  tendência política  ainda mais conservadora, neoliberal, do que os que o antecederam. É isso mesmo, mais de 70% dos eleitores catarinense em novembro de 2022 depositaram o voto, a esperança, no candidato do PL (Partido Liberal) o mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, que dispensa qualquer comentário, e que fora derrotado na reeleição de 2022.

O agravo  é que nesses mais de 70% de eleitores votantes à vitória desse governo, expressiva parcela que acreditou no seu programa de gestão, foram de servidores públicos do estado, pasmem, milhares de professores, que vem sofrendo as agruras dos governos passados. Em menos de um ano no comando do estado, o chefe do executivo  já anunciou que realizará nova reforma previdenciária, alegando estar a previdência dos servidores, quebrada. A intenção é, sim, ferrar ainda mais os servidores ativos e, principalmente, os inativos, já afetados na reforma previdenciária de 2021, quando o legislativo estadual votou pelo sequestrado de 14% dos seus vencimentos. 

Óbvio que o governo do “Jorginho Malvadeza” não ficaria somente no anúncio de uma nova reforma previdenciária, a outra bomba anunciada foi de que faria modificações no decreto que tratava sobre o sistema de gestão democrática nas escolas estaduais. O anúncio foi para assegurar posse ao cargo de gestor das escolas o candidato que apresentasse um plano de gestão e conquistar  50% +1 dos votos dos três segmentos da escola. Não havendo o cumprimento do quórum obrigatório em um dos três segmentos, o decreto dizia que seria o próprio governo o encarregado na indicação do diretor/a.

Subtende-se que havia nesse dispositivo ao decreto, explicita armadilha com intuito de inviabilizar o processo democrático nas escolas do estado. Ficou ainda mais escancarada tamanha má fé do governador quando se soube que no decreto estava escrito que o pleito se transcorreria somente em um dia e, para piorar, esse dia seria o domingo, quando não há transportes coletivos em muitos municípios  à disposição. Depois de muita pressão de diversos  segmentos, finalmente o governo cedeu, permitindo que as votações acontecessem  em dois dias, domingo e segunda-feira.

Por outro lado o governador não abriu mão do item que obrigava o quórum de 50% + 1 dos/as eleitores/as, pois sabia que dezenas, centenas de escolas não iriam cumprir. Faltando alguns dias para o pleito, o SINTE protocolou ação junto ao tribunal de justiça solicitando ao magistrado que suprimisse o artigo 13 do decreto que obrigava a ocorrência de quórum no processo eleitoral. A ação foi acatada pelo TCE – Tribunal de Contas do Estado que determinava a suspensão do edital 2.711/2023, da SED – Secretaria do Estado da Educação, na qual determinaria o retorno ao processo anterior, ou seja, maioria simples dos votos.

Tanto os antigos como os atuais servidores estaduais,  sabem que  no magistério e outros setores tudo que venham beneficiá-los é passivo de ação por parte do Estado para prejudicá-los. Não é mesmo?  Foi o que ocorreu com a ação, ganha, que derrubou o quórum para eleição de diretores. Quem decidiu o retorno do retrocesso nas escolas foi uma desembargadora do TJSC e  um juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública da Capital do estado.

   Voltando tudo à estaca zero, após o pleito de 03 e 04 de dezembro, cerca de 200 escolas no estado os novos gestores a serem empossados deverão ter o dedo/canetada de políticos ambos vinculados ao partido do governador ou de sua base de apoio na ALESC. Lendo algumas reportagens postadas nos sites jornalísticos da região da AMESC, constatei que foram 11 escolas que não tiveram êxito eleitoral nos dias 03 e 04 de dezembro.

Sobre o processo das indicações dos novos gestores, em uma entrevista dada a um canal de TV digital, foi mencionado que os nomes preferidos aos cargos terão que preencher alguns requisitos como capacidade técnica e ser efetivo no estado. Foi dito também que:  “Em praticamente todas as escolas existem profissionais com este perfil, mas, como a questão política deve ter peso nas indicações, o governo deverá indicar nomes com proximidade, com alinhamento político. E em alguns casos, indicações para atender deputados do PL ou alinhados do governador Jorginho Mello”.

O próprio editor do Post fez algumas confabulações de possíveis nomes que ocuparão os espaços de gestão dessas 11 escolas, se o processo político partidário ou de alinhamento político prevalecer. Portanto, se alguém tiver alguma dúvida ou acreditar que não ocorrerão tais interferências politiqueiras, certamente deve  acreditar na existência de Papai Noel e Coelhinho da Páscoa. O fato é que retornando às indicações de gestores nas escolas, àquelas que tiveram quórum ou nem mesmo candidato, não há dúvida que irá contaminar toda a estrutura de um processo que estava ainda embrionário, a democracia nas escolas de Santa Catarina.

Prof. Jairo Cesa   

                        

        

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