sexta-feira, 31 de março de 2023

 

ESCOLAS PUBLICAS COMO CATALISADORAS DAS TENSÕES E CONFLITOS DA SOCIEDADE

Acompanhando os desdobramentos do caso envolvendo a professora Elisabeth Tenreiro morta por um estudante de treze anos em uma escola estadual de ensino fundamental em um bairro na zona oeste da cidade de São Paulo veio à tona questões antigas, porém consideradas muitos atuais no cotidiano das escolas públicas brasileiras. Os descasos dos governantes com a infraestrutura das escolas e a carreira dos docentes são um deles. Depois de trabalhar por longos vinte cinco, trinta e até mais tempo lecionando, a aposentadoria que deveria ser um prêmio merecido para desfrutar os anos restantes de vida que para viajar ou até mesmo se recuperar de todo desgaste sofrido na carreira, vem a ser um período traumático pelo fato das dificuldades de tentar sobreviver com o parco salário que receberá.

Parcela significativa dos docentes quando concluem a carreira já tem parte de seus salários comprometidos com consultas médicas, medicamentos, principalmente psicotrópicos para o tratamento de doenças emocionais, depressão, crise do pânico, insônia, são as mais comuns que atingem nossos/as colegas de escola. Quem visita uma unidade de ensino pode perceber a quantidade de professores/as aposentados/as ou em idade de se aposentar em salas de aula lecionando. A presença desses profissionais não se deve a um ato de caráter vocacional, missionário como insistem apregoar o senso comum.

Nada disso, o retorno ou permanência ao turbulento espaço das escolas de deve sim a necessidade ter um ganho extra para pagar suas contas no final do mês. Mesmo aqueles que já estão fora desses espaços há algum tempo continuaram ou permanecem trabalhando em outras funções para completar sua renda de professor.

Quando foi noticiado que a professora morta na escola paulista por um adolescente de 13 anos tinha a idade de 71 anos, muitos/as devem ter questionado o que faz uma pessoa com essa idade ainda lecionando? Deveria estar em casa curtindo os/as netos/as, passeando, curtindo a vida, não é mesmo? Para que trabalhou quase quarenta anos em escola pública estadual como eu, sabe o que é viver o dia a dia em unidades de ensino que faltam tudo, de materiais  de limpeza à internet de boa qualidade.

 Além de lecionar, o/a professor/a tende a assumir outros papéis secundários para assegurar o funcionamento satisfatório da escola. Pai, mãe, babá, psicólogo/a, são tarefas corriqueiras assumidas pelos/as profissionais que sobrecarregam de maneira descomunal seu tempo.  Isso mesmo, professores/as estão sobrecarregados com tantos afazeres. Muitos/as tem uma jornada de trabalho extenuante que chega a sessenta horas semanais, lecionando em duas, três ou mais escolas durante a semana. Claro que são injustificáveis atos brutais como o que foi cometido pelo adolescente em escola paulista assassinado a professora Elisabeth. O caso do menino de treze anos que protagonizou tamanha brutalidade, entre outros casos similares, são reflexos sim de cenários de violência e ódio disseminados por figuras políticas que deveriam propagar o amor e a paz.

Existem outros inúmeros fatores entrelaçados nesse episódio que não devem ser esquecidos quando opiniões, criticas e julgamentos forem proferidos  ao caso em tela. Não quero que me julguem errado acreditando que estou aqui minimizando o ato cruel praticado pelo garoto, transformando-o em vítima em vez de algoz. A verdade é que escolas são transformadas em catalisadoras das tensões, frustrações, medos e incertezas que perpassam sobre o conjunto da sociedade. Incrível que nas últimas décadas o que mais se investiu nas escolas foi na construção de muras e sistemas de câmeras para vigiar e controlar quem entra e sai da escola. Escolas hoje mais parecem campos de prisioneiros ou verdadeiras Big Brother tamanha quantidade de câmeras espalhadas por todos os cantos.

Etimologicamente a escola, a exemplo das prisões, hospitais, asilos, etc, ambos/as surgiram como instituições higienizadoras do Estado burguês, ou seja, espaços esses construídos para retirar das ruas sujeitos marginalizados/as.  Ainda hoje escolas públicas mantêm quase intocáveis o mesmo principio de séculos atrás, que é formar/moldar sujeitos à luz do sistema capitalista, que é reproduzir força de trabalho barata para manter funcionando toda engrenagem de um sistema que esfola milhões de cidadãos.

A vida da professora Elisabeth, que foi ceifada brutalmente, entre outras/os milhares de professoras e professores violentados/as diariamente por governos e seus capachos fazem parte de um cenário triste que vem se repetindo a cada quatro anos. Trocam-se governos, legisladores/as a cada quatro ou oito anos, porém, quem assume, insistem em repetir políticas excludentes, como de arrochos salariais e supressões de direitos adquiridos depois de incessantes lutas da categoria.

O que se espera é que o caso da escola de São Paulo sirva para refletir a triste realidade dessas instituições em todo o território nacional. Que a professora morta não caia no esquecimento rápido de sociedades líquidas como a brasileira. É preciso repensar o tipo de escola que temos e seus reais objetivos pretendidos. Não há dúvida que o modelo de escola que temos hoje não contempla os interesses da classe trabalhadora, mas de uma classe de abastados beneficiados de um exército de mão de obra barata disponível.

Prof. Jairo Cesa           

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