domingo, 8 de outubro de 2017

REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ENSINO  DE SANTA CATARINA E OS RETROCESSOS NA CARREIRA DOCENTE

Nas últimas semanas, os/as professores/as da rede pública estadual de SC, exaustos diante de tantas responsabilidades e problemas rotineiros tendo de enfrentar nas suas escolas, e já se preparando para o último bimestre do ano letivo, são surpreendidos com uma circular bomba do governo, que lhes traz apreensão, em especial aos/as profissionais que acessaram ao quadro efetivo a partir de 2006 e aos readaptados. Também foram pegos de surpresa os/as docentes que atuam em classe com estudantes especiais, quando souberam que o STF, desobrigou suas presenças nas escolas brasileiras. Tais fatos tiveram efeitos semelhantes a um terremoto, que produziu efeitos devastadores em todas as escolas espalhadas nos quatro cantos do estado de Santa Catarina.
Quem está a mais tempo na função docente no estado, possivelmente não reagiu tão compulsivamente como os demais a mais um ato torturante do governo e do seu fiel escudeiro secretario da educação. Se a educação fosse como tanto se apregoa nas campanhas eleitorais, prioridade número um dos governos, não haveria razão de tantas greves, paralisações, como se sucederam nas últimas décadas. Não é mesmo? O fato é que o foco das lutas do magistério vem a cada período tomando outros direcionamentos, de reajustes salariais, lei do piso do magistério, à preservação de direitos conquistados.
É claro que os signatários do documento bomba tinham clareza que seus efeitos abalariam a rotina das unidades de ensino, podendo, de fato, resultar em mobilizações, paralisações e até mesmo ameaça de uma possível greve da categoria. Viver o dia a dia de uma escola pública estadual e outras tantas públicas municipais, não é tão agradável, como insiste retratar a poderosa e milionária máquina publicitária dos governos, exibindo professores/as, crianças e jovens sorridentes. Além dos problemas estruturais, os/as professores/as e demais trabalhadores/as são submetidos/as a tarefas diárias extenuantes/semi-escravidão, sem o mínimo de recursos técnicos e pedagógicos para o satisfatório exercício de suas funções.
Todos/as que ousam entrar na universidade para cursar algumas das licenciaturas oferecidas têm pretensões de um dia fazer concurso público e galgar a carreira docente.  Foi exatamente o que fizeram milhares de cidadãos e cidadãs no último concurso promovido na rede pública estadual de Santa Catarina. O fato é que nesse concurso o regimento encaminhado pelo governo, alguns dispositivos já davam sinais das reais pretensões de fragilizar ainda mais a carreira docente.
Como nos concursos anteriores, todos os editais estabeleciam cargas horárias de 10h, 20h, 30h e 40h. No concurso de 2005, embora o edital estivesse descrito os respectivos quadros de horas, no momento da posse, os aprovados só puderam lotar com 10 horas, mesmo havendo na unidade de ensino de sua lotação, mais horas disponíveis. Aí estava a armadilha preparada pelo governo. Depois de findado concurso, o governo encaminhou decreto, que permitia a alteração da carga horária, ou seja, havendo na escola aulas disponíveis de sua área afim, o mesmo poderia alterar, completando o limite legal de 40 horas.
 Outra polêmica que abalou as escolas foi a recomendação enviada pela SED desautorizando o professor de exercer função docente à disciplina incompatível ao concurso realizado. Em outras palavras, um/a professor/a que fez concurso específico em física, onde poderia completar a carga em química, deverá ter seu quadro de horas reduzido. Imaginem, dez anos trabalhando com 30 ou 40 horas, de repente vê sua vida bagunçada, de perna para o ar, porque terá seu rendimento reduzido significativamente. Não é desesperador?
Como professor e pesquisador em história do magistério público catarinense, nos seus quase 150 anos de resistência pela profissionalização docente, a postura do atual governo e de seu secretariado, caso as medidas não sejam revogadas, se configurará em um dos maiores retrocessos na carreira docente. Compare agora o retrocesso. No final do século XIX, já período republicano, o Estado de Santa Catarina, encaminha algumas resoluções com intuito de regulamentar a profissão docente, dentre elas o art. 60 do Regulamento Geral da Instrução Pública do Estado de Santa Catarina, que assim estava escrito: “os professores efetivos seriam considerados vitalícios, independentemente da nova titulação, assim que completassem seis anos de serviço efetivo no magistério, não perdendo seus lugares, apenas quando fosse por motivo de incursão penal”.
Embora tivesse que ficar seis anos em estágio probatório, no momento que se efetivava, se tornava vitalício, não perdia o lugar, nem carga horária e salário era rebaixado. Era o começo de um longo calvário de dificuldades e desafios dos professores catarinenses, de reivindicar e consolidar conquistas, e que perdura até os dias de hoje.  Não há dúvida que tais medidas precarizantes são parte do grande pacote de reformas previstas e iniciadas há cerca de dois ou três anos, com vistas a fragilizar ainda mais os serviços públicos oferecidos aos catarinenses. Lembram do acordo do pagamento da dívida pública dos estados com a união?
A estratégia do governo é fazer caixa para o cumprimento de acordos relativos ao pagamento da dívida pública. É claro que é muito mais fácil penalizar os milhares de professores e demais servidores assalariados, que os incontáveis sonegadores fiscais e outros tantos empresários beneficiados por isenções fiscais milionárias. Somando tudo isso, mais os altos salários pagos aos deputados, assessores, comissionados e os milhões repassados as 35 ADRs, seria suficiente para restaurar todas as escolas e promover reajustes significativos a todos os servidores públicos.
Mas não é isso que ocorre. Não parece piada de mau gosto o que está ocorrendo na educação? Lembram da propaganda dos governos, com jovens felizes, sorridentes, só porque a nova BNCC lhes assegurará possibilidades de escolhas no currículo? Tudo isso são armadilhas que omitem seus reais objetivos de privatizar o ensino público. É o mesmo que estão fazendo com as Universidades Federais. E os planos nacionais, estaduais e municipais de educação, já leram as 19 metas propostas?  Quase todas com um viés revolucionário, não é mesmo? Sem esquecer o PCNs e a Proposta Curricular Catarinense, essa última sancionada em 2014, ambas merecedoras de prêmios pela ousadia de seus protagonistas Não é mesmo?.
Diante de tantos planos, propostas inovadoras no ensino, afinal como são o cotidiano das escolas, dos professores, do processo pedagógico, administrativo, etc? Pedagogicamente, a escola hoje é o retrato fiel de 50, 100 anos atrás: quadros ou lousas negras ou acrílicas, classes em fila, aulas guiadas por livros didáticos ou apostilas, provas, exames, notas, conselhos de classe que mais parecem tribunais de inquisição, etc, etc. Qual a escola que inovou seguindo o que determina os PPP, as propostas curriculares, que trabalham com projetos, currículos integrados, que envolvem os estudantes, comunidades nas reuniões pedagógicas e nas semanas de planejamento? A quem interessa tudo isso? É claro que para os governos e as poderosas oligarquias regionais, o modelo de escola inovador, integral, comprometeria tal hegemonia.   
Para dificultar ainda mais possíveis rupturas desse atual modelo hegemônico de administração, o governo vem se utilizando de artimanhas sórdidas, flexibilizando ainda mais o trabalho do professor. Situação tão terrível que nos dias 05 e 06 de outubro de 2017, milhares de mensagens foram redigidas e compartilhadas pelos professores no estado inteiro pelas redes sociais. Frases do tipo: “agora não é aumento, nem lei do piso... é sobrevivência! É o divisor de águas entre ter emprego ou ter carreira”.
A frase confirma o que muitos visionários da educação diziam no passado, que a categoria teria que se organizar e se fortalecer para enfrentar o golpe decisivo do capital sobre os educadores. Historicamente foram nos momentos mais turbulentos da trajetória docente que os/as professores/as puderam se reorganizar, tomando consciência do monstro/governo que estava criando, enfrentá-lo e fazer recuar até extingui-lo definitivamente. Combater todos os vícios e privilégios do atual sistema de governo que se nutre da ingenuidade e a miséria de milhões de catarinenses é tarefa dos movimentos sociais, como dos sindicatos e demais entidades representativas. Não esquecer que as transformações também se dão em escalas institucionais, com a escolha de representantes comprometidos com os interesses sociais.

Prof. Jairo Cezar

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