sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O novo PNE (Plano Nacional de Educação), Lei n. 13.005/2014 a serviço dos interesses das corporações vinculadas à educação

No começo da década de 1980, muitos acreditavam que quando o partido dos trabalhadores chegasse ao poder, a educação pública brasileira finalmente daria um salto significativo de qualidade, cujas ideias dos célebres pensadores revolucionários como Paulo Freire, Florestan Fernandes, Vigotsky entre outros tantos, ocupariam os espaços das escolas públicas, universidades, etc. com intensos e calorosos debates, transformando-se em projetos relevantes que alterariam o curso da educação como da própria história política e social brasileira daquele momento em diante. Ledo engano, 20 anos depois do PT (Partido dos Trabalhadores) ter se transformado na principal força política, de base popular, lançando severas criticas ao modo como o Brasil vinha sendo governado, chega ao poder o ex-metalúrgico e sindicalista Luís Inácio Lula da Silva, que se transformaria no porta-voz da esperança para milhões de brasileiros excluídos, vivendo na marginalidade do processo.
Dentre os vários seguimentos da sociedade que o governo popular eleito concentraria esforços, além do social é claro, a educação pública certamente teria espaço considerável na agenda política, razão pela qual por se tratar de um setor ainda marginalizado e capaz de promover profundas rupturas de um modelo secular de sociedade, dominado por uma elite parasitária que vem se revezando no poder e se beneficiando da miséria e ignorância de milhões de brasileiros, analfabetos estruturais e funcionais, que ainda usam o voto como moeda de troca por promessas ou migalhas.
No entanto, a eleição de 2002 que elegeu Lula, ocorreu num momento de expectativa acerca da possibilidade de amargar mais uma derrota depois de três tentativas frustradas. A abertura das urnas mostrou que a sociedade queria realmente transformação, pois estava saturada com as políticas reformistas, privatistas e excludentes dos governos anteriores que entregaram parte das riquezas ao capital estrangeiro. O setor da educação antes da posse do governo do partido dos trabalhadores seguia paralelamente o caminho das reformas impostas pelo Banco Mundial e demais organizações financeiras, quando ocorreu a aprovação da nova LDB (Lei de Diretrizes e Base da Educação), lei n. 9394/96, que no seu bojo não vislumbrava a médio e longo prazo transformações relevantes no conjunto da sociedade, apenas a adequação do sistema educacional brasileiro às mudanças estruturais do capital global.
Com a homologação da nova lei de diretrizes e base da educação, caberia ao governo federal, na época Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, encaminhar proposta de lei para a elaboração do PNE (Plano Nacional de Educação) cuja finalidade seria estabelecer um plano de metas que norteasse a educação pública para os próximos dez anos, financiada com recursos alocados do próprio estado, mediante a elevação da parcela do PIB, de 5 para 10%. A questão da expansão do orçamento público destinado à saúde, saneamento básico, educação entre outros, sempre foi tema presente nos discursos dos políticos especialmente em períodos eleitorais. Durante suas gestões, para cumprir as metas inflacionárias estabelecidas com organismos internacionais, muitas vezes os governos são forçados a cortar gastos, e as investidas geralmente atingem as áreas sociais importantes como educação.
Depois da homologação da nova LDB foram realizadas em todos os estados da federação conferências para discutir as propostas que seriam inseridas no PNE. No entanto, quando o plano com as propostas construídas pela sociedade chegou ao congresso nacional, passou a conflitar com a proposta apresentada pelo MEC, com proposições conservadoras muito aquém dos ensejos da sociedade. As pressões dos setores organizados eram para que o plano apresentado pela sociedade na qual ampliaria os investimentos do PIB de 4,8% para 7% nos próximos dez anos fosse aprovado no Congresso Nacional. Porém, quando chegou à mesa da presidência para ser sancionado, recebeu veto do presidente Fernando Henrique Cardos, voltando tudo a estaca zero.
Com a vitória nas urnas do governo do Partido dos Trabalhadores, a expectativa agora era a imediata derrubada do veto do governo anterior, em relação ao PNE, e iniciar a discussões para ampliação dos recursos do PIB para 10%. O que causou surpresa e perplexidade para muita gente e especialmente para os próprios educadores e militantes do partido dos trabalhadores, que sempre defenderam maior repasse de verbas para educação pública, foi à postura assumida pelo presidente mantendo o veto à lei do PNE. Transcorrido dez anos de governo popular, ainda sem um plano de metas para a educação, os gastos do PIB com educação mal chegavam a 5% e com um agravante, parte dessas verbas jamais chegavam ao seu destino ou quando aplicadas, pouco alterou o quadro calamitoso das escolas e dos salários pagos aos educadores.
As pressões dos setores organizados, sindicatos de trabalhadores da educação e CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), voltaram e ecoar nos quatro cantos do território nacional defendendo a urgente construção de um PNE que priorizasse investimentos exclusivos para o ensino público. Outro tema também discutido pelos educadores e que vem recebendo apoio de parlamentares e de setores progressistas ligados à educação, é a proposta de Federalização da educação, cuja iniciativa contribuirá para por fim as profundas disparidades curriculares e salariais nos diferentes níveis de ensino. Além do mais, com a federalização seria possível dar um basta definitivo no secular domínio das oligarquias/coronelismo, nos municípios e estados, que se utilizam da educação como trampolim político, indicando nomes para ocupar postos estratégicos das escolas e das demais instâncias administrativas, cujo critério determinante na escolha é sua filiação partidária.
 Retornando ao tema PNE, a base de apoio do governo popular no congresso nacional dedicava pouco esforço em direção à proposta vinda das bases defendendo investimentos imediatos de 10% do PIB. No entanto, paradoxalmente, essa mesma proposta de elevar os investimentos encontrava apoio dos parlamentares do bloco de oposição ao governo do PT, como o PSDB, partido que foi responsável pela destruição do projeto encaminhado em 2001, que determinava a elevação de 4,8 para 7%, nos próximos dez anos. Com a aprovação da proposta de lei do plano na Câmara Federal em 2012, que garantiria 10% do PIB para a educação pública, o texto agora seria encaminhado para o senado federal que resultou no Projeto de Lei Complementar n. 103/12.
O que diferenciou essa proposta do texto apresentado pelos deputados federais foi no quesito “público”, que foi suprimido e substituído pela nomenclatura PPP (Parcerias Público Privadas), dominada pelas grandes corporações que vem atuando e faturando milhões no rico negócio da educação de nível superior no Brasil. A proposta de lei aprovada no senado federal em 2012 deixou transparecer que teria havido formação de lobby entre corporações e parlamentares que os representam, garantindo, na aprovação do texto, fatias significativas de recursos públicos para os respectivos seguimentos. Com a aprovação do plano modificado no senado, as instituições superiores de ensino particular abririam vagas para estudantes cujas mensalidades seriam pagas mediante financiamentos como o Proune, Fies, entre outros.
Além do mais, o PNE permitirá a expansão das escolas tecnológicas no Brasil, bem como a ampliação de vagas gratuitas e financiadas pelo Pronatec. Ideologicamente, a expansão do ensino técnico no Brasil, bem como o fortalecimento do sistema “S” - SESI, SENAI, SESC, SENAC, entre outros, não confere com os preceitos defendidos pelos intelectuais revolucionários das décadas passadas, que dedicaram parte de suas vidas na defesa de uma educação emancipadora, transformadora, e não adestradora, formadora de mão de obra de baixo custo, um novo exército de trabalhadores “treinados” disponibilizados para suprir as demandas do capital. A proposta de lei do PNE que transitou primeiro pelos corredores da Câmara e depois seguiu para o Senado, recebendo centenas de emendas, alterando profundamente o texto original, finalmente foi aprovada pelo congresso nacional em 2014 transformando na lei n. 13.005/14, que foi sancionada pela Presidente da República.
Foram inúmeras as denúncias que deram conta que a aprovação da lei do PNE se deu por meio de manobras políticas coordenadas pelo próprio governo federal que pretendia aprovar um texto que fosse de interesse do sistema capitalista, das corporações ligadas ao ensino superior e da expansão da educação técnica, capaz de adestrar trabalhadores, de baixo custo e disponíveis no mercado. A primeira comprovação de manobra ocorreu quando da transferência do II CONAE (Congresso Nacional de Educação) programado para ocorrer em fevereiro de 2014, cujo encontro reuniria milhares de educadores de todo Brasil discutindo e encaminhando proposições a serem incluídos no texto do PNE. Alegou o governo que o cancelamento se deu motivado pela extensa agenda de eventos que iriam ocorrer no Brasil, como Copa do Mundo e eleições, que seria mais salutar promover o congresso para Novembro deste ano.  Esse argumento não convenceu, pois como se sabia em fevereiro a proposta de lei do PNE deputados federais iria para votação na plenária da câmara, e nada pior para as pretensões do governo uma legião de educadores em Brasília pressionando os legisladores para incluir proposições de interesse da classe. Olha que em 2010, quando da realização do I CONAE, o próprio governo Lula, falou na plenária do encontro que iria respeitar as decisões dos educadores inserindo no texto as deliberações aprovadas. Traiu os educadores, pois quando o projeto de lei n. 8.035/2010 adentrou na câmara não estavam incorporados os itens aprovados no congresso.
Sem pressão e resistência dos educadores, o texto virou lei na câmara, recebeu uma enxurrada de emendas no senado, transformando num novo projeto de lei, que perdeu sua configuração original. Em Junho, mais uma vez, numa plenária tranquila do congresso, o projeto foi à votação que se transformou na lei 13005/2014. A lei aprovada não deixa dúvidas quanto ao seu caráter ideológico conservador e neoliberal, embutido nos artigos e parágrafos, que abre caminho para as terceirizações e privatizações do sistema educacional, já em curso em muitos estados, como os demais serviços como saúde, segurança, comunicação, mineração, transportes etc. O que dizer das décadas de 1980 e 1990 quando o partido dos trabalhadores e a própria CUT (Central Única dos Trabalhadores), incitavam as massas a saírem às ruas para protestarem contra os opressores, as privatizações e o modelo de escola pública em vigor, veemente criticada e combatida por sua forte contribuição na reprodução do modelo de sociedade excludente a serviço do capital. A quem interessa um plano de educação nacional como o aprovado em junho de 2014 que atende explicitamente os ensejos da OMC (Organização Mundial do Comércio), quando se sabe que o sistema de ensino brasileiro, como o superior, visa exclusivamente à formação aligeirada e massiva de trabalhadores acríticos, “empreendedores”, obedientes e de baixo custo financeiro.
É patético pensar em um plano como do PNE aprovado em 2014, que defende investimentos de 10% do PIB até 2024. Nesse período de dez anos, de 2014 a 2024, quando o PNE irá vigorar, se não houver uma profunda transformação na cultura dos políticos e da política brasileira, das instituições e secretarias que administram o repasse e aplicação dos recursos para o financiamento da educação, de nada adiantará planos educacionais mirabolantes. O principal problema hoje da educação é quanto ao modo como os parcos recursos são aplicados, muitos dos quais se perdem nos corredores da burocracia dos órgãos executores ou desviados para órgãos sem qualquer vínculo com a educação. Um exemplo para elucidar, é o Funde, cujo propósito, entre outros, seria para o financiamento e pagamento de professores, porém, nos municípios, os prefeitos utilizam-se dos recursos até para execução de obras como pavimentação de ruas próxima à escola.  
É bom que fique claro que o Plano aprovado em junho atende não exclusivamente a educação pública, mas a educação num todo, ou seja, todas as instituições que direta e indiretamente estiverem vinculadas ao atendimento gratuito do ensino. Nessa perspectiva não há expectativa de que a curto e médio prazo o Brasil possa reverter o quadro desolador de um país que continua no ranque dos que apresentam maior desigualdade social do mundo e por consequência um dos que apresentam os piores índices em qualidade da educação.   
Prof. Jairo Cezar           

       

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