segunda-feira, 25 de março de 2013


O dito e o não dito sobre o polêmico e controverso projeto de fixação da barra do rio Araranguá

Durante milênios a humanidade alimentou a crença exacerbada de que o planeta terra e os recursos naturais existentes poderiam ser explorados e apropriados sem risco de esgotamento ou impacto ao próprio planeta. Foi, portanto, a partir das últimas décadas do século XX que apareceram os primeiros sinais alertando de que mantendo tais ritmos de exploração pautado em uma filosofia de infinitude, rapidamente a humanidade sentiriria os efeitos desse processo que veriam sob a forma de catástrofes climáticas. Diante dessa ameaça eminente, a própria ONU (Organização das Nações Unidas) se viu forçada em promover encontros com a participação dos Estados membros para discutir a temática ambiental e propor ações conjuntas emergenciais visando evitar uma possível hecatombe planetária.
 A década de 1990, principalmente a partir do encontro sobre o clima ocorrido no Rio de Janeiro em 1992, iniciou os debates e o questionamento sobre o modelo de desenvolvimento no qual os países estão assentados, e a necessidade urgente de repensar tal modelo propondo novas práticas econômicas não agressivas à biodiversidade. Contudo o encontro resultou numa agenda de intenções sobre políticas de desenvolvimento sustentável referendada por quase a totalidade dos países presentes, exceto os mais ricos que contribuem significativamente com a emissão de gases poluentes como dióxido de carbono. Entre os compromissos acordados na Conferência do Rio teve destaque a revisão das políticas produtivas ditas sujas, devendo ser substituídas por tecnologias mais limpas ditas sustentáveis. O não comprometimento com a agenda construída na Conferência sobre o clima por países como Estados Unidos, Japão, Rússia, entre outros, deixou uma sensação de fracasso no ar.      
Um dos legados positivos conquistados na Conferência foi a aprovação de um protocolo de metas para o segundo milênio conhecido por agenda 21. Tal documento viria se tornar para os gestores públicos uma espécie de bíblia, na qual nortearia os administradores públicos municipais na elaboração dos novos planos diretores.  Uma nova cultura de organização espacial passou a ser pensada pelos novos gestores atendendo agora os princípios da sustentabilidade, cuja organização do espaço deveria ser pensada com o um olhar direcionado às futuras gerações. Admite-se que para uma sociedade, um município atingir tais metas é necessário um longo caminho, começando pela desconstrução de valores ou comportamentos que primam à individualidade, à competitividade, substituindo-os por outros mais solidários que estimulam diálogo, a participação coletiva nas discussões de temas de interesse da coletividade.
É com base nesse preceito da participação coletiva que se abre a discussão para expor algumas considerações acerca dos equívocos que vem sendo cometidos quanto ao polêmico e controverso projeto de fixação da barra do rio Araranguá. Não é de hoje que esse assunto vem provocando tanta polêmica quando a sua verdadeira intencionalidade. Desde o século XIX a idéia de instalação de um porto na foz do rio para facilitar o escoamento agrícola sempre pairou no imaginário social da população sul catarinense. Porém, foi durante as primeiras décadas do século XX, mesmo sem porto na foz do rio, que o transporte hidroviário obteve destaque quando embarcações de médio porte adentravam o rio Araranguá transportando pessoas e produtos.  
Portanto, não é de hoje a obsessão pela fixação da barra, chegando ao ponto de vir da França uma comissão de técnicos para fazer um estudo mais consistente do local. Os franceses foram embora e nada de concreto aconteceu. Porém, o desejo da fixação e de instalação de um porto no local, volta e meia, passa a permear o imaginário das autoridades locais, tornando-se mais intenso quando da ocorrência de cheias. Diante de tal fenômeno climático cada vez mais freqüente vem se construindo no imaginário da população local o sentimento de que tais episódios serão amenizados ou solucionados com a concretização do projeto de fixação da barra.        
Os cidadãos e cidadãs mais atentos e desprendidos dessa cultura imediatista e fatalista que se procura incutir, concordam que não é com a concretização de um projeto tão complexo como o que vem se cogitando que será possível solucionar definitivamente as cheias na região, um fenômeno climático que se sucede há séculos. O que a mídia ou outros meios noticiosos geralmente procuram omitir quando tratam do tema cheias na região, é quanto à omissão histórica do poder público na fiscalização tanto das ocupações irregulares nas duas margens do rio como também da devastação quase que total da floresta ciliar. A obediência de tais legislações possivelmente não geraria tanta confusão e tensões sociais tornado as enchentes não um acontecimento diabólico como vem se pregando, mas um fenômeno natural normal sem prejuízos à sociedade.
Durante décadas o poder público municipal e demais órgãos ambientais, talvez por desconhecimento da legislação ou por comprometimento político eleitoral, uma prática corriqueira na época, foram complacentes quanto à liberação de licenciamento para construções em áreas de riscos de cheias. Por ser o município de Araranguá cortado por um rio cuja largura em certos trechos ultrapassa os 100 metros, o código florestal de 1965 estabelecia que áreas sujeitas às inundações em ambas as margens deveriam estar cobertas por uma vegetação ciliar, que além de auxiliar na contenção da erosão se transformaria num extenso corredor ecológico permitindo o deslocamento da fauna. O não respeito às legislações ambientais, a permissão para a construção de residências e a prática de uma agricultura mecanizada que se estende até a borda do rio vem resultando em catástrofes cada vez mais freqüentes cujos efeitos são devastadores principalmente para a economia regional.
A não observância de itens como os citados acima por parte do poder público e das demais autoridades, propiciam gastos financeiros desnecessárias especialmente quando se propõem a elaboração de projetos caros para conter ou amenizar catástrofes climáticas como o da Fixação da Barra do Rio Araranguá. Sua eficácia técnica ainda hoje é questionada por expressiva parcela da sociedade civil e do próprio Ministério Público Federal, que garantem que o projeto não cumpriu todas as etapas recomendadas, ou seja, a obrigação do empreendedor de promover estudos complementares do local pretendido de modo que os impactos ao ecossistema sejam o menor possível.
O que se notou quando da apresentação conclusiva do projeto à sociedade em audiência pública realizada em 2011, foi a constatação de que o empreendedor descumpriu algumas metas obrigatório tais como o estudo da viabilidade técnica dos dois pontos mais ao norte. A recusa do empreendedor de seguir os trâmites estabelecidos no documento base e tentar convencer a opinião pública de que o fluxo da vazão da água não apresenta alterações significativas em qualquer um dos pontos indicados, demonstra que o empreendimento está envolto de suspeitas quanto a sua real finalidade. Suspeita-se que terrenos situados nas proximidades do local que se pretende efetivar a fixação da barra foram adquiridos durante o processo de tramitação do projeto, e que seus proprietários vêm exercendo forte influência junto aos poderes constituídos tentando impedir que a tal empreendimento ocorra mais ao norte.
A insistência para que a obra ocorra mais ao sul tem uma justificativa plausível e fortemente avalizada pela população de Ilhas, principalmente os moradores mais antigos, cuja experiência e conhecimento do local deveriam ser considerados pelos técnicos envolvidos no projeto. Influenciada pelo movimento das correntes marinhas, ventos e outros fatores climáticos e geográficos, a barra do rio Araranguá, durante sua existência sofre deslocando intermitente tanto em direção norte como para o sul. Com base no vasto conhecimento acumulado tanto da geografia como da geologia da região, sustentam os moradores que a não observância da ordem natural da vazão do próprio rio pode resultar em prejuízos irreparáveis ao ecossistema da região.
A intolerância do empreendedor de não rever sua posição contribuiu para que se desencadeasse intenso conflito social entre as comunidades tradicionais de Ilhas e Morro Agudo, que reivindicam a obra próxima as suas comunidades. A tendência é o agravamento das tensões se não houver sensibilidade e capacidade reflexiva do poder público na busca de um acordo consensual capaz de reintegrar a harmonia na região. Desde as primeiras reuniões realizadas para a discussão do projeto cuja conclusão se deu com a realização de audiência pública no Grêmio Fronteira, ocorreram manifestações populares alertando sobre os impactos irreversíveis que sofrerá o bairro de Ilhas se for mantida a proposta originária. A justificativa tem procedência, pois o rio que atravessa a comunidade perderá força e se transformará em um lago inerte, cujos efeitos do vento resultarão no seu assoreamento ameaçando a sobrevivência da população local que tem na pesca sua principal fonte de subsistência.
Em sociedades um pouco mais organizadas a liberação de recursos públicos destinados a projetos de infraestrutura ocorre freqüentemente depois de cessarem as discussões e os estudos de viabilidade técnica. Cumprindo as etapas propostas e tendo em mãos as licenças ambientais, dá-se início a liberação dos recursos para as obras licitadas. Em termos de Brasil, mais especificamente em Araranguá, o processo referente à barra ocorreu de modo invertido, primeiro se processou a liberação dos recursos financeiros para o empreendimento ocorrendo depois os estudos de viabilidade técnica. Não havia, portanto, nenhuma certeza se o projeto seria aprovado ou não.
Uma comitiva composta pelo prefeito, vice-prefeito e demais representantes do poder executivo e legislativo de Araranguá se deslocaram a capital federal, Brasília, para tentar junto ao órgão ambiental, IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), liberação da licença para iniciar as obras. No entanto, a resposta do órgão ambiental não foi distinta daquela proferida em reuniões passadas, ratificando a obrigatoriedade do empreendedor quanto ao cumprimento dos estudos complementares e ratificar acordo consensual entre as comunidades envolvidas sobre o local que será realizada a obra. Presume-se que todos que compunham a comitiva que foram a Brasília tinham consciência ou deveriam ter de tais recomendações.  Sendo assim, que razões motivaram tais autoridades em viajarem a Brasília, cujos gastos foram subsidiados pelo honorário público, para participar de reunião com órgão ambiental federal para ouvir aquilo que já era sabido por todos.
De acordo com informações veiculadas por um jornal de circulação diária do município, o periódico coloca que o poder público fará reunião com a comunidade para discutir novamente o projeto. Uma questão tão complexa e de forte impacto para todo extremo sul de Santa Catarina, não deve ser tratada de forma tão particularizada como se pretende. É preciso que se promova uma nova audiência pública, discutindo meticulosamente com a sociedade araranguaense cada detalhe do projeto e seus reflexos no cotidiano da população do vale do Araranguá. 
Prof. Jairo Cezar    

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