A Consolidação da ilegalidade a partir da aprovação do Novo Código Florestal Braseileiro
Depois de quase meio século em vigor, quando da sua promulgação em 1965, um novo e controverso Código Florestal é aprovado no dia 06 de dezembro de 2011 pelo Senado Federal, sendo o relator o Senador Catarinense Luiz Henrique da Silveira que, quando governador do mesmo estado, sancionou documento semelhante do qual lhe resultou em uma ADIN (Ação de Inconstitucionalidade) pelo Supremo Tribunal Federal.
Sua escolha como relator de um projeto de lei tão importante, depois de todas as polêmicas e controvérsias que se envolvera em seu estado, merece maiores reflexões. Tudo levava a crer que, como relator, a cópia da minuta do código florestal catarinense seria adotada como documento mediador nos debates e na construção do texto base que se configuraria em projeto de lei.
Dito e feito, os quase cem artigos e mais uma centena de parágrafos que transitaram pelas duas casas do congresso pouco se diferenciou do texto catarinense, porém, o projeto votado no senado, aparentemente, é menos conservador especialmente no que se refere as APPs das margens dos rios.
Dentre os argumentos apresentados pelos legisladores e pela própria elite agrária brasileira, visando desconsiderar o documento oficial e construir outro, partiu do princípio de que a legislação atual apresentava incompatibilidade com a atual conjuntura “Democrático-popular Pós-neoliberal”, necessitando ajustá-la, adequando-a as prerrogativas desenvolvimentistas patrocinadas pela atual administração e seu bloco de sustentação.
No entanto, o que se constatou acerca do texto aprovado na Câmara e posteriormente no Senado é que o código atual apresenta dispositivos normativos muito mais restritivos em relação aos crimes ambientais, enquanto que o texto que está tramitando no congresso abre enormes brechas para intensificação dos desmatamentos, isentando os infratores de sanções.
Qualquer cidadão (ã), mesmo (a) aquele (a) com pouca compreensão do assunto, perceberia, lendo atentamente o texto, que o mesmo apresenta dispositivos cuja finalidade primordial é anistiar, ou seja, isentar de pena os proprietários que desmataram durante a vigência da lei.
São milhares de propriedades rurais que estão, de acordo com o atual Código Florestal, na ilegalidade, e para sua regularização deveriam ajustar-se a legislação em vigor, pagando as multas e recuperando as áreas destruídas. Porém, aos prantos, os infratores recorreram aos seus protetorados, deputados e senadores, tanto os do baixo como os do alto clero, para que os libertassem do martírio que estavam envolvidos.
Através de uma manobra política bem sucedida, a bancada ruralista presente no congresso, que representa os interesses do agronegócio nacional e internacional, apoiada por correntes políticas conservadoras e outros de tendência “esquerdista”, atenderam as súplicas e venceram o segundo round, consolidaram a ilegalidade no Brasil.
Dentre os itens aprovados e que comprovam a “compaixão” dos congressistas aos respectivos “foras da lei”, destacamos: redução das APP (Áreas de Proteção Permanente), de 30 para 15 metros, nas margens dos rios com largura de até 10 metros. Esse artigo dentre os muitos aprovados representará, caso seja homologado pela presidente, um profundo retrocesso no que tange a vegetação ciliar, sendo a mesma imprescindível à proteção das margens de rios e córregos, reduzindo a deposição de sedimentos causadores de enchentes.
Em relação ao município do Araranguá, mais especificamente no trecho Centro/foz do rio, cuja largura aproximada alcança cem metros, a lei aprovada exige que seja mantida a mata ciliar numa dimensão proporcional a sua largura, ou seja, os mesmos cem metros. Porém, se verificarmos em loco, o trecho citado notaremos que a área preservada não ultrapassa nem mesmo os cinco metros, desrespeitando até mesmo o próprio código florestal catarinense, que está sob júdice, devido a sua incongruência com a lei federal.
Discorrendo sobre o Código Florestal Catarinense, sancionado em 2009, sendo posteriormente vetado pela justiça, o mesmo admite que ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, cujas propriedades possuam até 50 (cinqüenta) hectares e estando cortadas por rios ou córregos com largura inferior a 5 (cinco) metros, deverão seus proprietários conservar os mesmos 5 metros de margem.
O argumento proferido pelo governo para justificar os limites mínimos de preservação às margens de rios e córregos partiu de informações obtidas do LAC (Levantamento Agropecuário Catarinense), no qual salienta que 89% das propriedades agrícolas catarinenses, ou seja, 167,000, possuem dimensões equivalentes a 50 hectares, sendo elas identificadas como minifúndios. As regras ambientais em vigência, segundo os defensores do novo código catarinense, não possibilitam o desenvolvimento pleno das atividades agrícolas.
É uma justificativa um tanto quanto descabida e repleta de equívocos. O próprio LAC esclarece que dos 6 (seis) milhões de hectares destinados à agricultura, um pouco mais de 32% são controladas por 2% dos proprietários rurais - grandes latifúndios. Portanto, 98% dos proprietários rurais são detentores de 45,68% da extensão fundiária do estado. Esses números comprovam as inverdades do governo para aprovação do documento, deixa explícito que os principais interessados (e beneficiados) com a mudança legislativa não são os pequenos agricultores, e sim os grandes.
O que poucos sabem, pasmem, é que o pequeno agricultor familiar, e somente ele, em vista do reconhecido interesse social da sua atividade, já possui autorização legal, pelo próprio Código Florestal (Lei nº 4.771/65) que se pretende revogar, para economicamente utilizar as áreas de preservação permanente, desde que o faça mediante um sistema de manejo agroflorestal sustentável.
No caso específico de Araranguá o texto catarinense não difere muito do nacional, porém, é mais subjetivo, dando margem para possíveis interpretações. Um dos artigos afirma que cursos d’água superior a 10 (dez) metros de largura, a extensão da área de mata ciliar deverá ser de 10(dez) metros, acrescidos mais 50% da medida excedente a 10 metros. Subtende-se que, transportando essa normativa para a realidade araranguaense, onde a largura aproximada do rio é de 100(cem) metros, o código catarinense exige 15 (metros) de preservação. Ficando muito aquém do Código Nacional, que obriga 100 (metros) de área preservada.
Outro item polêmico do projeto e que interessa aos cidadãos de Araranguá é quanto aos mananciais hídricos Lago Dourado, Lago da Serra e Açude Belinzoni, que são responsáveis pelo abastecimento da população local. Diz o projeto que a área de preservação no entorno dos lagos e lagoas naturais cuja extensão alcance 20 (vinte) hectares de superfície, deverá ser de 50 metros. Nesse caso, os mananciais, Lago Dourando e Lago da Serra, serão contemplados. Exceto o açude Belinzoni que será enquadrado em outro dispositivo, determinando 30 metros de proteção da vegetação existente. Comprovada a existência de nascentes e olhos d’água que proporcionam a recarga dos mananciais, terão os órgãos ambientais, a obrigatoriedade de proteger os 50 metros situados no seu entorno.
Quando se trata de vegetação nativa situadas em topos de morros com elevação mínima de 100 metros, consideradas APP, a mesma deverá ser preservada. O Balneário Morro dos Conventos estará enquadrado nesse dispositivo, pois expressiva parcela de sua área é formada por APP.
De acordo com o documento que está em vigor a supressão da APP ocorrerá obedecendo o Art. 4 e parágrafo 2 que diz: “ A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua Conselho de Meio Ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico”.
A solução de pendengas como essa, de acordo com projeto aprovado no senado, ficará submetida às decisões locais, leis orgânicas, planos diretores e fundações ambientais. O documento aprovado suprime a participação do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) nas resoluções de atividades de utilidade pública, de interesse social e de baixo impacto ambiental. Se as responsabilidades ficarão a cargo dos municípios, tudo indica, levando em consideração a nossa herança cultural, que não prevalecerá o bem censo nas decisões e sim os interesses dos apadrinhados vinculados ao poder vigente.
Dentre os vários artigos polêmicos verificados no projeto aprovado no senado, destacamos alguns artigos que podemos considerar como avanços em relação ao documento anterior, especialmente o artigo 26 que obriga o poder público municipal a assegurar o equivalente a 20 metros quadrados de área verde por habitante. Exige também, para a liberação de novos loteamentos, também deverá estar explicitado os espaços destinados as áreas verdes.
A anistia as infrações ambientais cometidas antes de 2008, desrespeita descaradamente muitos artigos e parágrafos estabelecidos na Lei de Crimes Ambientais, denominada Lei 9605/98. Dentre os mais de 80 artigos existentes na Lei de Crimes Ambientais, destacamos 5, que perderão totalmente sua validade caso o texto do código florestal, aprovado no senado, não sofrer alterações por parte da presidente da república.
A Lei no 9605/98, no seu artigo 38 estabelece que destruir ou danificar florestas consideradas de preservação permanente, mesmo que em formação, resulta em pena de detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. O mesmo artigo no seu parágrafo único define que se o crime for culposo, a pena será reduzida a metade.
Art. 39, define o corte arvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente, como crime e a pena será de detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. O Art. 44 também estabelece que extrair de florestas de domínio publico ou consideradas de preservação permanente, sem previa autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais, o infrator receberá pena de detenção, de seis meses a um ano, e multa.
O Art. 48, diz que impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação o infrator será submetido a pena de detenção, de seis meses a um ano, e multa. Para finalizar, destacamos o Art. 50, no qual salienta que destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação, incorre o infrator de pena de detenção, de três meses a um ano, e multa. No caso específico deste último artigo o mesmo faz referência ao município de Araranguá que possuiu uma extensão aproximada de 15km de praia, sendo que mais da metade da mesma é constituída por dunas e restingas.
O Art. 48, diz que impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação o infrator será submetido a pena de detenção, de seis meses a um ano, e multa. Para finalizar, destacamos o Art. 50, no qual salienta que destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação, incorre o infrator de pena de detenção, de três meses a um ano, e multa. No caso específico deste último artigo o mesmo faz referência ao município de Araranguá que possuiu uma extensão aproximada de 15km de praia, sendo que mais da metade da mesma é constituída por dunas e restingas.
É visível o processo depredatório no qual esses ecossistemas estão sofrendo. Embora a legislação estabeleça sanções aos infratores, poucas são as situações em que ocorreram autuações dos criminosos. Não há por parte das autoridades argumentos que possam justificar sua recusa em impedir que a infração seja cometida. Como forma de dar mais consistência ao artigo 50 da Lei de Crimes Ambientais, o Conama, na sua resolução 303/02 estendeu a proteção às restingas em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima e em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues”.
Com base nessa resolução podemos concluir que a área situada na parte baixa do balneário ocupa as dimensões estabelecidas pelo Conama, ou seja, os 300 metros exigidos, portanto, qualquer ação humana sobre esse ecossistema estará imbuído de irregularidade.
Embora as leis sejam um tanto quanto genéricas e muitas das quais não representando os verdadeiros sentimentos das realidades locais, cabe aos órgãos ambientais locais adaptá-las de forma que atendam a esses princípios. No caso de Araranguá, o plano diretor que está sendo contruído, busca criar uma política sustentável para o Balneário, ou seja, aproveitar todo potencial natural ali existente de forma que possa reverter em benefício da sociedade local, mas sempre com um olhar nos impactos que essas transformações podem ocasionar a curto, médio e longo prazo.
O que mais se constata na região da Bacia do Rio Araranguá, nas propriedades destinadas à rizicultura é progressiva redução ou a completa eliminação da vegetação primária. A legislação em vigor obriga o proprietário a manter protegidas 20% da reserva legal. Com o código aprovado no senado, continuará os mesmos 20%, porém, admite que 50% da área desmatada poderá ser ocupada por espécies exóticas, como pinos, eucaliptos, etc. Esse dispositivo que trata da reserva legal em muito se assemelha ao art. 125 do código catarinense que diz: “para o cumprimento da manutenção da área de RL (Reserva Legal) em pequena propriedade ou posse rural, nos termos definidos nesta lei, poderão ser computados os plantios de árvores frutíferas, ornamentais ou industriais, compostas por espécies exóticas, em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas”.
Nas propriedades com até 4 módulos fiscais, Araranguá por exemplo, o proprietário ficará isento de recompor a reserva legal. Se não houver veto ou alteração desse artigo pela presidente, o que poderá ocorrer nas propriedades não contempladas pelos quatro módulos fiscais, especialmente no norte do Brasil, é um intenso processo de fracionamento das mesmas, reduzindo-as em extensão para escaparem das obrigações.
Mais uma vez, reitera-se a ilegalidade e a impunidade aos criminosos ambientais no Brasil. E para agravar ainda mais, reitera-se o profundo desconhecimento ou desrespeito dos legisladores à Constituição Federal, especialmente ao artigo 225, parágrafo 3 onde diz: as condutas e atividades consolidadas lesivas ao meio ambiente, sujeitarão aos infratores, as sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar as danos causados. Portanto, a constituição brasileira no artigo citado acima, não deixa nenhuma margem de dúvidas, desmatamento e outros crimes ambientais, não serão isentos de penalidades, sendo obrigação infrator reparar o dano.
Verifica-se um conflito jurisprudencial entre as legislações ambientais existentes. Afinal, qual das normativas deverá prevalecer: Lei de Crimes Ambientais, de 1998, Código Florestal ou a Constituição Federal de 1988? Em qualquer sociedade, com um mínimo de democracia todos sabemos que o documento que prevaleceria seria a Constituição Federal, e que seu descumprimento imputaria ao infrator sanções severas. Sendo assim, os deputados e senadores que aprovaram o novo código Florestal estarão sujeitos as penalidades legais, por desrespeitarem a carta magna? E como ficaria a Presidente frente a opinião pública internacional coso sancione o respectivo documento sem a concessão de emendas?
Porém nem tudo está perdido, embora o senado tenha aprovado o texto, o mesmo retornará à câmara para possíveis emendas e, posteriormente, encaminhada à presidência para sancioná-la. Cabe a Presidente da República, honrar o seu discurso de campanha quando prometeu vetar as anistias, a redução de proteção ambiental e os incentivos aos novos desmatamentos. Mas, ao mesmo tempo, estará desencadeando um forte conflito com o PMDB, cujo relator do projeto é o senador Luiz Henrique da Silveira, membro do partido que é majoritário no congresso e que pertence a sua base de sustentação.
O que pode levar a presidente a rever suas posições no momento de sancionar o documento, que poderá ocorrer já no primeiro semestre de 2012, é o encontro do Rio+20, que ocorrerá no Rio de Janeiro em julho próximo.
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