segunda-feira, 17 de outubro de 2011

AS FACES OCULTAS ACERCA DA FIXAÇÃO DA BARRA DO RIO ARARANGUÁ
O desejo incessante de alterar o curso da própria natureza vem acompanhando o ser humano desde os tempos mais remotos. Sociedades antigas como os Egípcias, os Mesopotâmicos, os povos dos altiplanos andinos, entre outros, são alguns exemplos de testemunhos do passado, que foram responsáveis por grandes empreendimentos arquitetônicos e hidráulicos, cujas construções foram possíveis graças a existência de um estado fortemente centralizado e teocrático, responsáveis pelo  controle político e ideológico da população, principal força de trabalho da época. É importante ressaltar que tais projetos, sua efetivação, além de representar melhoria no processo produtivo, apresentavam um forte caráter religioso, ou seja, suas construções “agradariam as divindades”, proporcionavam as classes nobres, notoriedade sobre as demais classes, os operários e camponeses.
 O controle periódico das cheias dos respectivos rios, como o Nilo, caracterizava-se em uma condição elementar para a sobrevivência das próprias sociedades. Anualmente, respeitando o ciclo natural, as geleiras dos picos elevados da áfrica central descongelavam e suas águas, caudalosas, desciam os rios transportando junto com suas águas enormes quantidades de material fértil, humos, sendo os mesmos depositados nos extensos vales ribeirinhos que margeavam o extenso rio. O próprio Estado Teocrático, criava instrumentos, planos de ocupação, para disciplinar a ocupação dos espaços, determinava que as áreas inundáveis, que margeavam os rios, não poderiam ser utilizadas para construção de habitações, reservando-as especificamente  para uso agrícola.
No decorrer dos últimos séculos, com o vertiginoso crescimento demográfico, estimulados por fluxos migratórios, áreas que até então eram desabitadas ou consideradas de riscos, foram, paulatinamente, sendo ocupadas, muitas das quais, é claro, próximas a rios e em encostas de morros. Periodicamente, como estamos testemunhando atualmente, milhares de pessoas no mundo e especialmente no Brasil, são vitimadas por catástrofes naturais, muitas das quais evitáveis se fossem adotadas medidas restritivas às ocupações dessas respectivas áreas.
O próprio modelo econômico capitalista, que tem sua base de sustentação na exploração dos recursos naturais, vem se configurando para as civilizações modernas como sendo um dos principais vilões dessa nova e insustentável configuração geoespacial. A corrida incessante pelo lucro imediato, associada a fragilidade do Estado Nação como mediador e articulador das políticas macro econômicas sustentáveis, vem se responsabilizando pelas catástrofes naturais, que poderiam ser facilmente amenizadas se houvessem empenho político de seus comandantes.
São exemplos dessas irresponsabilidades as constantes tragédias que nos últimos anos vem assolando, com mais freqüência cidades de estados como Rio de Janeiro, São Paulo e especialmente Santa Catarina, como Blumenau, Rio do Sul e outras, ambas situadas no Vale do Itajaí. A região do Vale do Rio Araranguá também não pode ficar de fora desse eixo de tragédias naturais. 
O que devemos considerar acerca desses fenômenos naturais é que nos últimos dois séculos, as principais cidades catarinenses afetadas por enchentes se constituíram às margens dos seus rios, que segundo pesquisas, milenarmente suas águas ultrapassam seus leitos normais inundando os terrenos baixos a sua volta. Em relação ao  caso específico de Araranguá, a região não é diferente de outros vales como o do Itajaí. Por ser uma das cidades mais antigas do estado, estar localizada próxima ao mar e por ter um solo e clima que permitiu o desenvolvimento de uma economia baseada na exportação de produtos manufaturados como farinha de mandioca e açúcar, etc, a mesma não seguiu os mesmos passos das demais cidades como Florianópolis, São Francisco e Laguna que tiveram suas sedes instaladas rente ao mar.
No segunda metade do século XIX, foi instalada a Paróquia Nossa Senhora Mãe dos Homens, numa área elevada às margens do Rio Araranguá e há 15km distante de um dos primeiros povoados conhecido por Ilhas.  Acreditava-se que em decorrência do maior fluxo populacional nas imediações das comunidades de Ilhas, Morro Agudo e Hercílio Luz, a sede do futuro município seria ali instalada, a própria geografia local dava essa certeza, pois a região estaria livre de possíveis cheias.
Com a instalação da sede do município, próximo ao rio, e sendo navegável, serviria de estrada para o deslocamento barcos para o transporte de pessoas e mercadorias para outras regiões de Santa Catarina e outros estados. No entanto, muitas vezes, em decorrência do mau tempo ou pelo assoreamento da barra do Rio Araranguá, as embarcações eram impossibilitadas de entrar ou sair no município, causando transtornos sociais e prejuízos econômicos. Naturalmente, o que se poderia fazer na época e continuado durante os anos posteriores era a dragagem da referida foz que, além de amenizar o problema das cheias no vale, proporcionaria as comunidades situadas ao seu entorno novas possibilidades de subsistência, como o incremento da atividade pesqueira.
Durante todo o século XX e XXI, o fantasma das cheias passou a pairar sobre o velho/jovem município de Araranguá, trazendo agora transtornos e prejuízos sociais e econômicos ao município e ao Estado. A cada tragédia, milhares  recursos financeiros passam são destinados na contenção dos prejuízos causados pelas águas. Isso não significa que anterior as essas datas não ocorreram cheias com maior ou menor proporção. A diferença agora é que, facilitado pelo poder público, os espaços que deveriam ser restringidos às ocupações populacionais, foram ocupados.
Como resolver tais problemas, sabendo que o único caminho plausível é o deslocamento dessas populações para outras áreas protegidas das cheias. A não efetivação dessas medidas pelo poder público, lhe reservaria outras alternativas paliativas, dentre elas o desassoreamento da foz com a remoção do excesso de sedimentos acumulados no leito do rio. Outra medida considerada ousada e que já vem sendo debatida há anos é a fixação da barra do rio sob a forma de molhes de pedras.
Durante anos esse é o projeto que vem ocupando o imaginário da população dos municípios do Vale do Araranguá, em especial as comunidades próximas a foz. Com relação a esse empreendimento, construiu-se um cenário conflituoso envolvendo empreendedores e as comunidades que serão afetadas mais diretamente com o projeto. No entanto, embora estivessem ocorrido alguns encontros para apresentar o projeto à sociedade araranguaense, ainda são insuficientes os dados quanto a viabilidade e segurança do projeto. Seriam necessários mais alguns anos para que pudéssemos ter com mais exatidão respostas acerca das vantagens e desvantagens do mesmo.
São inúmeras as dúvidas que ainda pairam sobre as mentes da população araranguaense, dentre elas podemos citar: Com a fixação da barra, que facilitaria o escoamento da água em épocas de cheias, não estaria comprometendo o próprio ciclo da natureza, ou seja, o processo de fertilização dos solos responsáveis pela subsistência humana e animal?
Um projeto de tamanha envergadura como a fixação da barra não poderia jamais ser decidido a toque de caixa sem novos debates e estudos mais precisos  e consistentes. Haveria outras possibilidades mais sustentáveis e de baixo custo, com mesmo efeito, que proporcionassem benefícios semelhantes ao projeto em questão? Certamente teria, mas o que fica subtendido diante dos acontecimentos é que há um jogo de cartas marcadas, um espécie de teatro, cujo resultado já se sabe.
É inegável, respaldando os argumentos dos moradores da comunidade de Ilhas, se o empreendimento ocorrer no local defendido pelo empreendedor, ou seja, a prefeitura, o mesmo estaria respaldando o desaparecimento de uma das primeiras comunidades surgidas no sul do estado. Isso porque, o rio que passa nas proximidades de Ilhas e que é responsável pela subsistência do povoado, terá seu fluxo cessado. A areia proveniente do oceano, num prazo aproximado de 30 a 40 anos, assoreará completamente o braço morto do rio. Além do mais, que é mais preocupante, é a história de um povo que desaparecerá e que vem tentando preservar através da ousadia de seus moradores.
Diante das repercussões que o referido projeto vem  proporcionando, é salutar citar o título da obra do pensador Francês Yves Lacost chamado “A Geografia Serve em Primeiro Lugar para Fazer a Guerra”. Essa obra pode ser utilizada para compreender o impacto da geografia na desestruturação de uma sociedade com fortes laços tradicionais como as situadas nas proximidades da Fox do Rio Araranguá. Sentimentos de solidariedade e amizade, intrínseco a essas comunidades estão sendo destruídos devido a intolerância dos protagonizadores do referido projeto.
Para concluir, fazemos algumas considerações acerca da  forte crença na ciência como, muitas vezes, a única resposta às dúvidas aos fenômenos que envolvem o nossa existência. É sabido que a razão por si só não nos dá respostas e certezas seguras quanto as nossas práticas cotidianas.  Nesse sentido, recorrer a sabedoria popular pode nos dar respostas mais seguras acerca das dúvidas que pairam nossas mentes. Portanto, antes que cometamos qualquer equívoco irreversível à natureza, devemos prestar mais atenção no que dizem os mais antigos, aqueles que, cujo conhecimento, fora aprendido através da interação com a própria natureza. 
PROF. JAIRO CEZAR                   

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