REDE ECOVIDA DE PRODUTORES ORGÂNICOS E AGROECOLÓGICOS:
OS DESAFIOS PARA A SUPERAÇÃO DA FOME EM TEMPOS DE FERVURA GLOBAL
Em
alguns textos que escrevi, sempre repeti a afirmação de que a agroecologia é
caminho mais curto para reverter a grave crise climática que coloca em risco a
existência da espécie humana. A queima de combustíveis fósseis, carvão e petróleo,
que se intensificou a partir da metade do século passado, vem se caracterizando
como um dos principais vilões do aquecimento global. A expectativa do aumento
da temperatura média do planeta de 1.5 graus célsius previstos para o final do
século XXI, foi atingindo há pouco tempo. O que os pesquisadores do clima afirmam
é que estamos na fase de transição do aquecimento global para a fervura global.
Quando
falo que a agroecologia é uma das principais alternativas para o salvamento do
planeta, bem como combater a fome de milhões de pessoas, tal afirmação não se
baseia em suposições, subjetivações, mas em experiencias concretos. A rede ECOVIDA
de produtores orgânicos e agroecológicos vem se destacando no sul do Brasil
como uma das organizações não governamentais, mas bem-sucedidas no Brasil,
acredito que só fica atrás do MST em abrangência e famílias participantes.
Atualmente a rede congrega cerca de 15 mil famílias, das quais são divididas em
núcleos e grupos.
A
homologação da Rede ECOVIDA como entidade oficial aconteceu no município de
Praia Grande em 2007, a partir da realização do primeiro congresso do EARE
(Encontro Ampliado da Rede ECOVIDA). A partir dessa data, de dois em dois anos,
o EARE é realizado, sempre em um estado diferente a cada encontro. O último
encontro ampliando ocorreu em 2023, no município de Maringá, estado do Paraná.
Para 2025, o município que está se preparando para receber os mais de 500
delegados escolhidos nas centenas de núcleos é Santa Rosa, no estado do Rio
Grande do Sul.
O que
caracteriza a rede ECOVIDA como organização na qual se diferencia de outros
segmentos vinculados ao campo da certificação orgânica, é o seu escopo
participativo, ou seja, cada família, cada indivíduo, assume compromisso e
responsabilidade de cumprir os critérios estabelecidos nos estatutos da rede.
Desconsiderar um item sequer do plano de manejo elaborado, resulta na
penalização não somente de que o infringiu, como também das demais famílias que
integram o mesmo grupo, cuja sansão é a cassação da certificação.
Para
ingressar na rede, o individuo ou família deve ser convidada por algum membro
efetivo do grupo. Num prazo de um ou dois anos, a propriedade do membro da rede
deve passar por processo de transição, que é a sua adequação ao que estabelece
o regimento da entidade, uma elas, a adoção de barreiras naturais que impeçam a
contaminação por agrotóxicos. Durante o
ano, os membros de cada grupos realizam encontros ou reuniões na residência de
cada uma das famílias. Esse é o momento de fortalecer os vínculos, discutir e
traçar diretrizes em benefício de todos os membros. Duas ou três vezes ao ano,
todos os membros de cada grupo, tem a obrigação de participar do encontro de
núcleo.
No sul
do estado de Santa Catarina, temos dois núcleos, o Sul Catarinense e o Serra
Mar, esse último, a qual faço parte. A certificação das propriedades como
orgânicas, seguem passos um tanto burocráticos, porém, é uma forma de dar seguridade
ao consumidor que o produto no qual consumirá está isento de resíduos químicos.
Entretanto, quem assegura a certificação não é uma empresa, que poderia ser
contratada para auditar, mas os próprios membros da rede, que todos os anos suas
propriedades deverão passar por inspeção.
Foto - Jairo |
Uma comissão de ética com dois ou três membros de um grupo é constituída, em que a partir de data pré-agendada, se dirigirão até as propriedades de integrantes de outro grupo, para inspecioná-las. Na hipótese de se verificar algumas inconformidades às normas da rede, a comissão de ética, junto com o proprietário e outros membros envolvidos, irão lavrar uma ata inserindo nela todas as observações, bem como inconformidades que deverão ser ajustadas pelo proprietário. Jamais o proposito da rede é punir quem descumpre os protocolos da entidade, muito pelo contrário, a ideia é construir laços de cumplicidade, companheirismo, um ajudando ou outro, para que todos obtenham sucesso.
Tal
rigidez no cumprimento dos protocolos da rede ECOVIDA se deve ao fato de que os
processos de certificação também são inspecionados pelo ministério da
agricultura e produção animal. Sem data marcada ou aviso prévio, qualquer
membro da rede de orgânicos pode a qualquer momento receber a visita de um
integrante do MAPA. Portanto tamanha preocupação da rede para que cada um se
detenha aos princípios da organização, é para que não sofra o constrangimento
de ter na sua propriedade um membro do governo e lá detecte alguma
irregularidade no manejo orgânico.
Embora
soframos tantas restrições no processo de cultivo orgânico e agroecológico, tal
regramento não resulta em ganhos compensatórios para muitos que atuam nesse
segmento. Na hora de comercializar o produto no mercado ou numa feira livre, o
consumidor geralmente considera mais importante o preço a ser pago ao produto,
que o manejo tido pelo produto, de modo orgânico. Poucos são os que conseguem
comercializar o seu produto, agregando valor por ser de manejo orgânico, ou
seja, sem o emprego de técnicas convencionais como insumos químicos e
agrotóxicos.
Quem se arrisca a ingressar ao cultivo orgânico e a agroecologia sabe que vai enfrentar inúmeras barreiras, principalmente dos agentes públicos, governos estaduais municípios e em muitos casos do próprio governo federal. Um exemplo claro do descompromisso se dá no momento do lançamento do plano safra, onde quem mais recebe são aqueles que mais degradam os ecossistemas. No plano safra de 2025, o segmento do agronegócio recebeu mais de 400 bilhões de reais, enquanto a agricultura familiar, ficou com 90 bilhões. Agora, o setor da agroecologia e do orgânico, pouco superou os dois bilhões de reais, é muito pouco para um país que se vangloria externamente como um dos protagonistas dos protocolos assinados nas COPs de transição ecológica.
Os
problemas de quem se arrisca acessar ao manejo orgânico em sua propriedade
ocorre não no manejo da sua propriedade, mas na do seu vizinho, que produz de
forma convencional. Enquanto para aqueles que ingressam na agroecologia devem obedecer
a uma infinidade de protocolos de não contaminação de sua produção, o vizinho,
que produz aplicando agrotóxico em sua propriedade está isento de qualquer
medida punitiva. O produtor orgânico ocupa muito do seu tempo protegendo sua
propriedade da ação externa, por meio de barreiras naturais protetivas.
Quem olha
de cima uma propriedade certificada como orgânica percebe que ela se coloca quase
como uma ilha, em um imenso oceano de culturas convencionais. O fantasma que hoje ronda essas propriedades que
margeiam áreas de rizicultura, por exemplo, são os drones, que estão cada vez
mais popularizados. São equipamentos usados exclusivamente para a pulverização
com agrotóxicos essas e outras cultivares convencionais. A falta de regras claras
e fiscalização efetiva acerca do uso desses equipamentos, faz com que os
agrotóxicos se desloquem por meio da deriva para longas distâncias. Para evitar
constrangimento e risco aos demais produtores certificados, famílias vinculadas
a ECOVIDA estão solicitando desligamento à rede e retornando ao manejo
convencional.
Em vermelho -Área de cultivo orgânico (Maracajá) Google Earth |
Em vermelho - Área de cultivo orgânico (Meleiro) Google Earth
Em vermelho - Área de cultivo orgânico (Içara) Google Earth
Em vermelho - Área de cultivo orgânico (Araranguá) - Google Earth
É consenso
dos que resistem ao manejo agroecológico que todas as barreiras burocráticas
impostas à essa atividade, são articulações provenientes dos segmentos
governamentais, no caso de Santa Catarina, por um governo cuja secretaria de
agricultura é ocupada por um representante direto do agronegócio. O caminho que
a rede ECOVIDA vem desempenhando nos últimos tempos é a pressão, aproveitando
alguns parlamentares, sensíveis as causas agroecológicas nas instâncias
municipais, estaduais e federais, para que ressoem no parlatório dessas casas legislativas
o eco desesperador dos produtores.
Prof.
Jairo Cesa
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