quinta-feira, 26 de junho de 2025

 

REDE ECOVIDA DE PRODUTORES ORGÂNICOS E AGROECOLÓGICOS: OS DESAFIOS PARA A SUPERAÇÃO DA FOME EM TEMPOS DE FERVURA GLOBAL


 

Em alguns textos que escrevi, sempre repeti a afirmação de que a agroecologia é caminho mais curto para reverter a grave crise climática que coloca em risco a existência da espécie humana. A queima de combustíveis fósseis, carvão e petróleo, que se intensificou a partir da metade do século passado, vem se caracterizando como um dos principais vilões do aquecimento global. A expectativa do aumento da temperatura média do planeta de 1.5 graus célsius previstos para o final do século XXI, foi atingindo há pouco tempo. O que os pesquisadores do clima afirmam é que estamos na fase de transição do aquecimento global para a fervura global.

Quando falo que a agroecologia é uma das principais alternativas para o salvamento do planeta, bem como combater a fome de milhões de pessoas, tal afirmação não se baseia em suposições, subjetivações, mas em experiencias concretos. A rede ECOVIDA de produtores orgânicos e agroecológicos vem se destacando no sul do Brasil como uma das organizações não governamentais, mas bem-sucedidas no Brasil, acredito que só fica atrás do MST em abrangência e famílias participantes. Atualmente a rede congrega cerca de 15 mil famílias, das quais são divididas em núcleos e grupos.



A homologação da Rede ECOVIDA como entidade oficial aconteceu no município de Praia Grande em 2007, a partir da realização do primeiro congresso do EARE (Encontro Ampliado da Rede ECOVIDA). A partir dessa data, de dois em dois anos, o EARE é realizado, sempre em um estado diferente a cada encontro. O último encontro ampliando ocorreu em 2023, no município de Maringá, estado do Paraná. Para 2025, o município que está se preparando para receber os mais de 500 delegados escolhidos nas centenas de núcleos é Santa Rosa, no estado do Rio Grande do Sul.



O que caracteriza a rede ECOVIDA como organização na qual se diferencia de outros segmentos vinculados ao campo da certificação orgânica, é o seu escopo participativo, ou seja, cada família, cada indivíduo, assume compromisso e responsabilidade de cumprir os critérios estabelecidos nos estatutos da rede. Desconsiderar um item sequer do plano de manejo elaborado, resulta na penalização não somente de que o infringiu, como também das demais famílias que integram o mesmo grupo, cuja sansão é a cassação da certificação.

Para ingressar na rede, o individuo ou família deve ser convidada por algum membro efetivo do grupo. Num prazo de um ou dois anos, a propriedade do membro da rede deve passar por processo de transição, que é a sua adequação ao que estabelece o regimento da entidade, uma elas, a adoção de barreiras naturais que impeçam a contaminação por agrotóxicos.   Durante o ano, os membros de cada grupos realizam encontros ou reuniões na residência de cada uma das famílias. Esse é o momento de fortalecer os vínculos, discutir e traçar diretrizes em benefício de todos os membros. Duas ou três vezes ao ano, todos os membros de cada grupo, tem a obrigação de participar do encontro de núcleo.

Foto - Maria Eduarda


No sul do estado de Santa Catarina, temos dois núcleos, o Sul Catarinense e o Serra Mar, esse último, a qual faço parte. A certificação das propriedades como orgânicas, seguem passos um tanto burocráticos, porém, é uma forma de dar seguridade ao consumidor que o produto no qual consumirá está isento de resíduos químicos. Entretanto, quem assegura a certificação não é uma empresa, que poderia ser contratada para auditar, mas os próprios membros da rede, que todos os anos suas propriedades deverão passar por inspeção.

Foto - Jairo 

Foto - Jairo

Uma comissão de ética com dois ou três membros de um grupo é constituída, em que a partir de data pré-agendada, se dirigirão até as propriedades de integrantes de outro grupo, para inspecioná-las. Na hipótese de se verificar algumas inconformidades às normas da rede, a comissão de ética, junto com o proprietário e outros membros envolvidos, irão lavrar uma ata inserindo nela todas as observações, bem como inconformidades que deverão ser ajustadas pelo proprietário.    Jamais o proposito da rede é punir quem descumpre os protocolos da entidade, muito pelo contrário, a ideia é construir laços de cumplicidade, companheirismo, um ajudando ou outro, para que todos obtenham sucesso.

Tal rigidez no cumprimento dos protocolos da rede ECOVIDA se deve ao fato de que os processos de certificação também são inspecionados pelo ministério da agricultura e produção animal. Sem data marcada ou aviso prévio, qualquer membro da rede de orgânicos pode a qualquer momento receber a visita de um integrante do MAPA. Portanto tamanha preocupação da rede para que cada um se detenha aos princípios da organização, é para que não sofra o constrangimento de ter na sua propriedade um membro do governo e lá detecte alguma irregularidade no manejo orgânico.

Embora soframos tantas restrições no processo de cultivo orgânico e agroecológico, tal regramento não resulta em ganhos compensatórios para muitos que atuam nesse segmento. Na hora de comercializar o produto no mercado ou numa feira livre, o consumidor geralmente considera mais importante o preço a ser pago ao produto, que o manejo tido pelo produto, de modo orgânico. Poucos são os que conseguem comercializar o seu produto, agregando valor por ser de manejo orgânico, ou seja, sem o emprego de técnicas convencionais como insumos químicos e agrotóxicos.

Quem se arrisca a ingressar ao cultivo orgânico e a agroecologia sabe que vai enfrentar inúmeras barreiras, principalmente dos agentes públicos, governos estaduais municípios e em muitos casos do próprio governo federal. Um exemplo claro do descompromisso se dá no momento do lançamento do plano safra, onde quem mais recebe são aqueles que mais degradam os ecossistemas. No plano safra de 2025, o segmento do agronegócio recebeu mais de 400 bilhões de reais, enquanto a agricultura familiar, ficou com 90 bilhões. Agora, o setor da agroecologia e do orgânico, pouco superou os dois bilhões de reais, é muito pouco para um país que se vangloria externamente como um dos protagonistas dos protocolos assinados nas COPs de transição ecológica.

Os problemas de quem se arrisca acessar ao manejo orgânico em sua propriedade ocorre não no manejo da sua propriedade, mas na do seu vizinho, que produz de forma convencional. Enquanto para aqueles que ingressam na agroecologia devem obedecer a uma infinidade de protocolos de não contaminação de sua produção, o vizinho, que produz aplicando agrotóxico em sua propriedade está isento de qualquer medida punitiva. O produtor orgânico ocupa muito do seu tempo protegendo sua propriedade da ação externa, por meio de barreiras naturais protetivas.

Quem olha de cima uma propriedade certificada como orgânica percebe que ela se coloca quase como uma ilha, em um imenso oceano de culturas convencionais.   O fantasma que hoje ronda essas propriedades que margeiam áreas de rizicultura, por exemplo, são os drones, que estão cada vez mais popularizados. São equipamentos usados exclusivamente para a pulverização com agrotóxicos essas e outras cultivares convencionais. A falta de regras claras e fiscalização efetiva acerca do uso desses equipamentos, faz com que os agrotóxicos se desloquem por meio da deriva para longas distâncias. Para evitar constrangimento e risco aos demais produtores certificados, famílias vinculadas a ECOVIDA estão solicitando desligamento à rede e retornando ao manejo convencional.

Em vermelho -Área de cultivo orgânico (Maracajá) Google Earth

Em vermelho - Área de cultivo orgânico (Meleiro) Google Earth




Em vermelho - Área de cultivo orgânico (Içara) Google Earth

Em vermelho - Área de cultivo orgânico (Araranguá) - Google Earth

É consenso dos que resistem ao manejo agroecológico que todas as barreiras burocráticas impostas à essa atividade, são articulações provenientes dos segmentos governamentais, no caso de Santa Catarina, por um governo cuja secretaria de agricultura é ocupada por um representante direto do agronegócio. O caminho que a rede ECOVIDA vem desempenhando nos últimos tempos é a pressão, aproveitando alguns parlamentares, sensíveis as causas agroecológicas nas instâncias municipais, estaduais e federais, para que ressoem no parlatório dessas casas legislativas o eco desesperador dos produtores.

Prof. Jairo Cesa