SETE
DE SETEMBRO, BRASIL PÁTRIA AMADA, TODO DIA UM POUCO DA SUA HISTÓRIA É APAGADA
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Se
durante décadas o Brasil vem liderando o ranque mundial entre os piores em eficiência
na educação, episódios macabros como o incêndio no museu nacional no Rio de
Janeiro é um demonstrativo que confirma a máxima, “povo sem memória é um povo sem história, e um povo sem história está
fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado.”[1]
É óbvio que para as elites políticas parasitárias que se nutrem da ignorância
de um povo, a perda desse patrimônio deve ter sido motivo de comemoração, a
exemplo da destruição de cidades milenares como Palmira e outras tantas, na
Síria, Iraque, Afeganistão, pelo Exército Islâmico, Talibã, etc. O que causa
mais indignação e revolta é quando relatórios e reportagens já alertavam as
autoridades de que ações emergenciais deveriam ser executadas para evitar uma
tragédia anunciada.
Na
década de 1990, quando fiz pós-graduação em história no Rio de Janeiro, tive o
prazer de visitar o museu nacional. Dentre os objetos dos quais ainda lembro,
estão o meteorito Bendegó e o enorme fóssil do animal pré-histórico, o
titanossauro, um dos maiores encontrados no Brasil. Desde aquele momento, o
museu vinha “patinando” devido a escassos recursos para manutenção. O museu do
Rio de Janeiro é um minúsculo fragmento do gigantesco “buraco negro” que está
engolindo a cultura brasileira. Quem já visitou algumas cidades históricas como
Salvador, Ouro Preto, Mariana, entre outras, com menos expressão cultural,
percebeu que as edificações - igrejas, casarios, monumentos, e até mesmo
museus, estão na mesma situação deplorável do extinto museu do Rio de Janeiro.
Quando
lia a reportagem publicada pelo jornal Diário Catarinense do dia 04 de setembro
de 2018, página 12, com a manchete: “Tragédia
alerta para situação dos museus”, lembrei de uma entrevista ocorrida em
2014, no programa Roda Viva da TV Cultura, com a arqueóloga Niéde Guindon. A lembrança foi pelo fato de parte do acervo
arqueológico destruído pelo fogo, terem sido recolhidos em sítios pré-históricos
espalhados pelo Brasil, a exemplo de Santa Catarina, com os artefatos ou
fósseis sambaquianos, encontrados na região da Cabeçuda, Laguna, há cerca de
cinqüenta anos. Na época da entrevista, setembro de 2014, Niéde denunciava o
descaso dos governos como à cultura, em especial com o sitio arqueológico anexo
ao Parque da Serra da Capivara, no Piauí, que guarda vestígios, pinturas e
desenhos em rochas, da presença humana no Brasil de aproximadamente 20 mil anos.
Relatou
Niéde, que embora o parque tenha sido criado em 1979, até o momento da
entrevista não havia sido elaborado plano de gestão eficiente, sendo o mesmo
constantemente invadido por caçadores e vândalos que ameaçavam todo o acervo
pré-histórico. A única vez que a parque
havia recebido uma autoridade política brasileira foi em 2002, o então
presidente Fernando Henrique Cardoso, que participou das cerimônias de
festividade dos quinhentos anos da “descoberta do Brasil”. Desabafou a
arqueóloga que o maior número de delegações que visitam o parque é de
estrangeiros, pois as autoridades brasileiras pouca importância dão à cultura.
Em 2013, disse a pesquisadora, que a ministra da Cultura Marta Suplicy, do PT,
havia prometido o repasse de recursos para ativar o turismo na região. A
promessa jamais fora concretizada
Quatro
anos depois de ter participado da entrevista denunciando o descaso com o parque,
é de se imaginar que o mesmo continua esperando melhorias. Se estiver
funcionando é decorrente de doações espontâneas de entidades internacionais
como era de costume até 2014. Quantas vezes a imprensa brasileira realizou
alguma reportagem mostrando o parque da Serra da Capivara e sua importância
para a cultura brasileira? Da para
contar nos dedos. Diariamente quais os tipos de reportagens e documentários que
dominam as grades de programações das TVs brasileiras? Claro que poucas são
sobre cultura, arte, músicas boas, etc. Violência, corrupção, futebol, etc, predominam, não é mesmo?
Sobre
o acervo do museu nacional, contendo artefatos de SC, como fósseis dos sítios
dos sambaquis em Laguna, poucos catarinenses talvez soubessem que havia no
recinto outro acervo de grau de importância semelhante aos artefatos
arqueológicos catarinense. Estamos nos
referindo ao acervo botânico que pertencia ao padre Raulino Raitz. Sim, o mesmo
que morou no Sombrio, sul de Santa Catarina, irmão de João Raitz, que também
era padre. O padre Raulino, entre as obras que escreveu, a mais conhecida foi
sobre a “Paróquia do Sombrio – ensaio de
uma monografia paroquial”. Além de documentos, havia no museu diversas
espécies de bromélias descobertas no vale do Itajaí e cujo padre teve
participação nos achados.
A
expectativa agora é que com a tragédia ocorrida no museu no Rio, possa
despertar a atenção das autoridades e da população quanto aos cuidados com a
nossa história material e imaterial. No entanto, tudo leva a crer que no máximo
15 ou 20 dias, ninguém mais se lembrará do ocorrido. Com o esquecimento, os
recursos prometidos pelo governo federal para a reconstrução podem não ser
liberados, e o prédio, como outros tantos prédios históricos abandonados, gradualmente
serão consumidos pelo tempo, até que desabem, e no local, erguido torres
comerciais ou condomínios de luxo.
Como
professor e historiador há 35 anos na rede pública estadual de ensino, a
situação estrutural de centenas de escolas públicas são similares a do antigo
prédio do museu incendiado, e de outros tantos arquivos públicos e bibliotecas
espalhados pelo Brasil. A depredação das escolas públicas, tornam tais
ambientes em ameaças diárias a milhares de estudantes, professores e demais
trabalhadores. Algumas dessas unidades de ensino há décadas não recebem
qualquer reparo, cuja fiação elétrica, antiga e inadequada, não atende a
elevada demanda de energia elétrica necessária.
Tanto
o arquivo público estadual como a biblioteca municipal, situadas em
Florianópolis, ambas conservam um rico e precioso acervo documental da história
catarinense. Em 2004, durante dois meses, transitei pelas dependências dos dois
ambientes para desenvolver pesquisa. Na ocasião era visível o quadro de
abandono e depredação dos dois ambientes. Além do arquivo público e biblioteca,
nos fóruns das comarcas espalhadas pelo estado, o problema era e se acredita
que ainda são com os documentos, processos crimes, civis, inventários, ambos centenários,
depositados sem qualquer critério e cuidado em salas insalubres das comarcas.
Hoje, muitos desses exemplares, graças ao empenho de voluntários, pesquisadores
e outros profissionais, os documentos foram
resgatados e estão disponíveis no museu do tribunal de justiça em
Florianópolis.
Em
termos comparativos, nos últimos 10 anos transitei por alguns países da América
do sul, Europa, Ásia e África, onde conheci fragmentos de suas histórias
visitando museus. Todos, sem exceção prestavam apreço à cultura do povo,
mantendo em bom estado de conservação tudo que representa o passado, como
museus, monumentos e sítios arqueológicos.
Na América do sul os exemplos são a Argentina, com destaque a cidade de
Salta, no norte do país, com sua arquitetura colonial bem preservada; no Chile,
a histórica cidade de São Pedro de Atacama, edificada no meio do deserto; no
Peru, a cidade de Cuzco, com suas inúmeras ruínas bem preservadas, como Manchu-pichu,
que conserva vestígios da cultura INCA.
Na
Europa, são os famosos e bem estruturados museus na Dinamarca, Suécia, Noruega,
preservando com leso e cuidado tudo que se refere aos povos originas, como os Vikings.
Na África, o destaque é o museu do Apartheid, na Cidade do Cabo. Na Ásia, os
museus a céu aberto em território israelense e palestino, que guardam tesouros
milenares de culturas tradicionais como a judaica, islâmica e a cristã. Quase todos
esses países citados apresentam um IDH e um nível educacional muito melhor que
o Brasil. Teria isso alguma relação com a preservação de sua memória histórica?
Frente
a todo esse descaso com a nossa cultura, a data do dia 7 de setembro de 2018,
deveria ser um dia de luto, onde as pessoas saíssem às ruas, vestidas de preto,
protestando contra a tentativa de morte da nossa memória, patrocinada por uma
elite esquizofrenia. É bem possível que parte dessa elite, no dia do desfile
cívico, esteja nos palanques montados em praças públicas, rindo da ignorância
de milhares ou milhões de pessoas que ainda choram, se emocionam, quando ouvem
o hino nacional.
Prof. Jairo Cezar
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